Categorias
Brasil profundo

O eremita da Serra do Caraça

Na segunda metade do século XVIII, um misterioso personagem, conhecido como irmão Lourenço de Nossa Senhora, instalou-se na Serra do Caraça em Minas Gerais, tendo como objetivo a fundação de um eremitério para o fortalecimento da vida religiosa no interior da capitania. Supõe-se que o misterioso religioso, irmão leigo da Ordem Terceira de São Francisco da Penitência, fosse um refugiado político português ligado à famosa Revolta dos Távoras, suposta tentativa de assassinato do rei D. José I de Portugal, reprimida a ferro e fogo (literalmente) pelo Ministro Sebastião José de Carvalho e Melo, o tristemente célebre Marquês de Pombal.

A relação do irmão Lourenço com os Távoras é reforçada por alguns indícios. No seu testamento, Irmão Lourenço se declara natural de onde os Távoras tinham o morgadio de São João da Pesqueira e o simbolismo de sua fundação também é evidente: caraça, segundo dicionários antigos, significa um local onde pessoas eram queimadas. O nome Lourenço remete a um santo que morreu mártir na fogueira.

O certo é que em pouco tempo irmão Lourenço conseguiu edificar um monastério e uma igreja em estilo barroco, concluída em 1779, bem como reunir em torno de si uma comunidade religiosa que chegou a contar com 12 eremitas. Desde então o Caraça tornou-se lugar de peregrinação. Irmão Lourenço morre em 1819, deixando sua fundação em herança ao rei Dom João VI, que entregou as terras e o eremitério à Congregação da Missão (padres lazaristas), cujos primeiros membros – Padres Leandro Rebelo Peixoto e Castro e Antônio Ferreira Viçoso – chegaram ao Brasil em 1820. De imediato, os padres transformam o eremitério em Colégio. Um retrato do Irmão Lourenço, pintado por Mestre Manuel da Costa Ataíde, se encontra no Museu do Caraça.

Uma das coisas que chama minha atenção nessa história é o fato de seu personagem central ser um irmão leigo. Muitas vezes, em especial em épocas de forte clericalismo, esse tipo de vocação, que teve um papel importante na evangelização de nosso país (afinal, os “beatos” e “beatas” que marcaram a paisagem do interior do Brasil são irmãos leigos informais), é esquecida. Sem levar em conta sua existência, que concretamente assumiu várias conformações, é impossível entender as nuances do catolicismo pré-conciliar brasileiro.

Texto adaptado de uma postagem da página A Terra da Santa Cruz do Facebook.

Deixe um comentário