

As pequenas capelas encontradas à beira de caminhos e entroncamentos são, quase sempre, dedicadas à Santa Cruz. Quem se disponha a parar e perguntar sobre a origem de qualquer uma delas, geralmente ouvirá uma narrativa sobre um acidente fatal ou assassinato. Apesar do apelo dessas histórias, o vinculo entre os mortos e esses oratórios rurais vai muito além do que a morte tem de circunstancial e particular.
Tal devoção, antes de tudo, fala do senso de dever católico com os mortos, que ainda viceja com força no Vale do Paraíba. Ali os caminhantes se deparam com cruzes dedicadas aos mortos cuja memória alguém quis perpetuar, independentemente das circunstâncias em que ocorreu.
A singeleza da construção é a regra entre tais capelas: bastam quatro esteios sustentando um telhado de duas águas. Já as mais sofisticadas contentam-se com as paredes erguidas com tijolos e um pequeno alpendre fronteiro. Tal simplicidade atrai entusiastas do primitivismo, que deixam de notar que o culto à Santa Cruz não primava pelo construir, mas pelo ato de “vestir” a capela, decorando-a conforme as datas festivas.
O zelo com o ornamentação era maior quando das festas de Santa Cruz (maio), Santa Cruzinha (setembro) e Finados (novembro). A capela era então vestida com “roupa de festa”: além de caiada ou pintada, bandeirolas ou trepadeiras floridas eram pregadas nos esteios e flores mais vistosas eram fixadas na cumeeira ou nos umbrais da porta. A própria cruz do altar era inteira revestida de flores.
Devidamente ornada, a capela podia receber os festeiros próximos. O morto a quem era dedicada era então relembrado pelos familiares e vizinhos, cumprindo o seu papel benfazejo: ensejar o congraçamento dos vivos. Mesmo nos dias de hoje, quando a brasilite substituiu o sapé e as flores de papel-crepom os cravos e rosas, essas singelas “cruzes do morto” permanecem sendo vestidas para festas que renovam os laços entre comunidades já não mais restritas aos bairros rurais.
– Francisco C. D. de Andrade (via Paulistânia Tradicional)