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Pequenas capelas e o catolicismo popular do caipira

As pequenas capelas encontradas à beira de caminhos e entroncamentos são, quase sempre, dedicadas à Santa Cruz. Quem se disponha a parar e perguntar sobre a origem de qualquer uma delas, geralmente ouvirá uma narrativa sobre um acidente fatal ou assassinato. Apesar do apelo dessas histórias, o vinculo entre os mortos e esses oratórios rurais vai muito além do que a morte tem de circunstancial e particular.

Tal devoção, antes de tudo, fala do senso de dever católico com os mortos, que ainda viceja com força no Vale do Paraíba. Ali os caminhantes se deparam com cruzes dedicadas aos mortos cuja memória alguém quis perpetuar, independentemente das circunstâncias em que ocorreu.

A singeleza da construção é a regra entre tais capelas: bastam quatro esteios sustentando um telhado de duas águas. Já as mais sofisticadas contentam-se com as paredes erguidas com tijolos e um pequeno alpendre fronteiro. Tal simplicidade atrai entusiastas do primitivismo, que deixam de notar que o culto à Santa Cruz não primava pelo construir, mas pelo ato de “vestir” a capela, decorando-a conforme as datas festivas.

O zelo com o ornamentação era maior quando das festas de Santa Cruz (maio), Santa Cruzinha (setembro) e Finados (novembro). A capela era então vestida com “roupa de festa”: além de caiada ou pintada, bandeirolas ou trepadeiras floridas eram pregadas nos esteios e flores mais vistosas eram fixadas na cumeeira ou nos umbrais da porta. A própria cruz do altar era inteira revestida de flores.

Devidamente ornada, a capela podia receber os festeiros próximos. O morto a quem era dedicada era então relembrado pelos familiares e vizinhos, cumprindo o seu papel benfazejo: ensejar o congraçamento dos vivos. Mesmo nos dias de hoje, quando a brasilite substituiu o sapé e as flores de papel-crepom os cravos e rosas, essas singelas “cruzes do morto” permanecem sendo vestidas para festas que renovam os laços entre comunidades já não mais restritas aos bairros rurais.

– Francisco C. D. de Andrade (via Paulistânia Tradicional)

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Conversa rápida sobre as monções bandeirantes

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Arquitetura bandeirante

Informações retiradas (e modificadas) na página Terra de Santa Cruz do FB:

Um dos melhores exemplos de arquitetura bandeirante em São Paulo é o Sítio Santo Antônio localizado no município de São Roque, construído entre 1640 e 1682.

A casa grande foi construída aproximadamente em 1640, época em que o bandeirismo estava em seu auge, pelo bandeirante Fernão Paes de Barros, em terras doadas por seu pai Fernão Vaz de Barros. Seu proprietário era um dos maiores financiadores das bandeiras e conseguiu se capitalizar através da policultura.

Apesar de já existir uma capela dentro da casa grande, por insistência da esposa do Capitão Fernão Paes de Barros, Dona Maria Mendonça, em 12 de junho de 1682, foi inaugurada a Capela do Sítio Santo Antônio, a 30 metros da casa grande. Segundo o barão de Piratininga, o padre Belchior de Pontes celebrava missas na capela.

capela

Sua planta não segue as plantas tradicionais da arquitetura religiosa da época, e sim das capelas jesuíticas, tendo a nave e o altar principal em um mesmo corpo de construção.

No que tange à conservação, a primeira restauração foi realizada durante quase toda a década de 40, sendo que em 1965 o interior da capela sofreu uma nova intervenção para a reconstituição das tábuas do altar principal.

capela 1940

interior 1940

Nada descreve melhor o Sítio de Santo Antônio do que estas palavras escritas por Mário de Andrade em 1937:

Em vez de se preocupar muito com a beleza, há de se reverenciar e defender especialmente as capelinhas toscas, as velhices dum tempo de luta e os restos de luxo esburacado que o acaso se esqueceu de destruir. Está neste caso a deliciosa capela de Santo Antônio, no município de São Roque, a setenta quilômetros da Capital, para as bandas do oeste.

O valor histórico desse conjunto arquitetônico pode ser atribuído a vários fatores. Desde a data de construção, até a importância de seus ilustres proprietários: Fernão Paes de Barros, Barão de Piratininga e o escritor modernista Mário de Andrade. Este último adquiriu e doou, em 1947, os imóveis ao Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Ao doar o imóvel, o escritor fez uma exigência: ser o zelador deste patrimônio enquanto estivesse vivo (sua intenção era tornar a casa grande um local de repouso para os artistas brasileiros).

A riqueza arquitetônica da casa grande e da  capela já foi objeto de estudo e teses acadêmicas. O arquiteto Lucio Costa foi um dos primeiros profissionais renomados a identificar as manifestações de arte genuinamente brasileira que o local apresenta. Quando descoberta em 1937, quase metade do prédio da casa grande já havia ruído, mas ainda houve condições para os técnicos e historiadores constatarem os padrões tradicionais característicos dos três primeiros séculos de ocupação do planalto paulista: paredes de taipa de pilão; armadura da cobertura formada por cumeeira, espigões e frechais apoiados ao longo das paredes, caibros que se prolongavam para fora do edifício sustentando largos beirais; poucas e pequenas portas e janelas feitas em canela e ainda calçadas de pedras irregulares e chão batido.

Algumas fotos vieram deste blog.

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Pronunciamento de D. Bertrand no 7 de setembro

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Uma procissão setecentista em Goiás

Segundo informações que colhi na página A Terra de Santa Cruz no FB,  a tradicional Procissão do Fogaréu é realizada no centro histórico da antiga Villa Boa de Goyas, Cidade de Goiás, desde 1745

Reconhecida como Patrimônio Cultural Imaterial do estado de Goiás, a representação da perseguição e prisão de Jesus Cristo é realizada sempre nas primeiras horas da quinta-feira da semana santa.

A procissão foi trazida para Goiás pelo padre espanhol Perestelo de Vasconcelos, em 1745 e representa a prisão de Cristo pelos soldados romanos, caracterizados pelos 40 farricocos em suas vestimentas coloridas e com os tradicionais capuzes pontiagudos. Entre os séculos XV a XVIII, a presença dos farricocos em procissões européias tinha como propósito a expiação pública de seus pecados, a penitência e a estigmatização.

A tradição até hoje guarda sigilo quanto à identidade dos participantes, como ainda é feito na Europa. A penitência deve ser mantida em segredo e o participante não deve se vangloriar dela, demonstrando assim humildade e respeito.

É interessante que no interior de alguns estados do Nordeste, como o Ceará, durante a Quaresma, até tempos recentes, existiam grupos de penitentes que percorriam as estradas (na zona rural) vestidos de modo semelhante e se flagelando. 

A Procissão do Fogaréu começa em frente a Igreja da Nossa Senhora da Boa Morte seguindo até a Igreja Nossa Senhora do Rosário, aonde é encenada a Última Ceia. Daí parte em direção à Igreja São Francisco de Paula, ponto final do cortejo, com uma celebração religiosa onde a imagem de Cristo, representado por um estandarte de linho pintado pelo artista plástico Veiga Valle no século XIX é hasteado.

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Via Sacra do Adoremus

Do começo do século XX até 1970 o Adoremus foi o principal devocionário usado no Nordeste do Brasil. Conheci ao longo da vida inúmeras pessoas, entre elas uma de minhas avós, que, em meio a toda devastação que a Igreja sofreu no pós-concílio, mantiveram a Fé tradicional por causa desse livreto. Assim, folgo em saber que a Editora Domus Aurea prepara uma edição crítica dessa obra (reunindo tudo que se publicou nas edições de 1906, 1929, 1937, 1942 e 1963, e sem a ridícula inovação – Mistérios Luminosos – que a Ecclesiae fez).

Como “tira gosto” do que vem por aí, aproveitando o início da Quaresma, a Domus disponibilizou a Via Sacra do Adoremus, que agora compartilhos com os leitores:

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Um livro de catequese fundamental para a antropologia brasileira

Muitos fatos interessantíssimos da história de nosso país continuam desconhecidos da maior parte da população, seja pela maneira como a formação do Brasil é ensinada nos estabelecimentos de ensino, seja pela falta de interesse de vários compatriotas que não entendem que ninguém pode se amar verdadeiramente enquanto não se conhecer (e para nos conhecermos temos de entender algo sobre a nação e a civilização em que a Providência quis que nascêssemos). Isso se agrava ainda mais no que tange à história da Igreja no Brasil, muitas vezes lida de modo superficial e/ou ideologizado; assim, me surpreendeu positivamente saber que no ano de 1709 foi publicado o Catecismo Indico da Língua Kariris de autoria do Frei Martinho de Nantes, missionário capuchinho francês, e publicado por Frei Bernardo de Nantes.

O catecismo do Frei Martinho foi escrito em duas línguas, português e cariri dzubucuá. Esta última era a língua falada pelos índios cariris dzubucuás que, num certo momento da história, habitavam a região do rio São Francisco, especialmente a região compreendida entre Cabrobó e Orocó no atual estado de Pernambuco.

Na apresentação, a obra coloca como objetivo “servir ainda cá (Portugal) aos índios, já que não o posso mais fazer lá, e ter a consolação de poder ainda continuar de algum modo no meu retiro o exercício da missão.” O catecismo foi publicado em Portugal, todavia foi produzido “nos annos que gastei em seu ensino, e regimento espiritual”. Isto quer dizer que a obra foi escrita durante o trabalho de catequese com os cariris nas ilhas de Aracapá, Irapuá (= Santa Maria) e Pambu (= Ilha da Assunção). Ou seja, essa obra foi publicada em Portugal, mas foi escrita no Brasil, e interessa a toda a Igreja, aos estudiosos das culturas indígenas, aos catequistas e de modo especial aos moradores do submédio São Francisco que trazem marcas genéticas e culturais dos cariris.

Fonte: The Jesuits: Cultures, Sciences, and the Arts, 1540-1773 (publicado originalmente na página A Terra da Santa Cruz e adaptado para este blog)