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Espiritualidade

Os mortos são pó, nós também o somos

Os mortos são pó, nós também somos pó: em que nos distinguimos uns dos outros? Distinguimo-nos os vivos dos mortos, assim como se distingue o pó do pó. Os vivos são pó levantado, os mortos são pó caído: os vivos são pó que anda, os mortos são pó que jaz: Hic jacet. Estão essas praças no verão cobertas de pó: dá um pé-de-vento: levanta-se o pó no ar, e que faz? O que fazem os vivos, e muitos vivos. Não aquieta o pó, nem pode estar quedo: anda, corre, voa: entra por esta rua, sai por aquela: já vai adiante, já torna atrás; tudo enche, tudo cobre, tudo envolve, tudo perturba, tudo cega, tudo penetra, em tudo, e por tudo se mete, sem aquietar, nem sossegar um momento, enquanto o vento dura. Acalmou o vento, cai o pó, e onde o vento parou, ali fica: ou dentro de casa, ou na rua, ou em cima de um telhado, ou no mar, ou no rio, ou no monte, ou na campanha. Não é assim? Assim é. E que pó, e que vento é este? O pó somos nós: Quia pulvis es: o vento é a nossa vida: Quia ventus es vita mea (Jó 7, 7). Deu o vento, levantou-se o pó: parou o vento, caiu. Deu o vento; eis o pó levantado: esses são os vivos. Parou o vento; eis o pó caído: estes são os mortos. Os vivos pó, os mortos pó: os vivos pó levantado, os mortos pó caído: os vivos pó com vento, e por isso vãos; os mortos pó sem vento, e por isso sem vaidade. Esta é a distinção, e não há outra.

Padre Antônio Vieira (Sermão da Quarta-feira de Cinzas)

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