
No dia da eleição do Papa Leão XIV lembro que estava trabalhando e de modo proposital evitei ler, ouvir ou ver as notícias sobre o que estava acontecendo em Roma. Ao mesmo tempo estava ansioso pelo que poderia acontecer de melhor, que ao meu ver seria a eleição de Sarah, e pelo que poderia acontecer de pior, uma continuação do pontificado pesadelo (supondo que o tempo de reinado seja igual ao de pontificado…) de Bergoglio.
Chegando em casa, à noite, comecei a repassar os fatos. De início, achei bem estranha a eleição, um americano… será que seria outro Francisco? Nisso fui influenciado pelos primeiros comentários que pipocaram da parte mais extrema da tradilândia (sedevacantistas sistemáticos) que, invariavelmente, procuravam coisas desabonadoras sobre o novo Papa; logo vi que para comprar tais coisas eu teria de ter a mesma visão distorcida e azeda deles, isto é, que não existe sacramento da ordem no rito paulino, que a Missa Nova é herética e/ou inválida, que tudo na modernidade é negativo, que o Vaticano II só tem erros, que os padres tem de andar com sapatos de fivela parecendo a Madame Mim e outras maluquices. Sinceramente, não tenho mais paciência para esse besteirol.
Em seguida, comecei a passar a vista em declarações que iam no extremo oposto, mas que não vinham de quem eu esperava (no caso, de progressistas woke ou TL), mas dos neoconservadores. Um completo delírio baseado em coisas tão superficiais quanto as usadas pelos sedevacantistas: roupas, uma ou outra frase, uma homilia com conteúdo realmente espiritual, um simples gesto… Não me entendam mau, não é que essas coisas não importam, importam com toda certeza, e a restauração da forma feita pelo Papa Leão XIV tem muito significado nos dias de hoje, como explana Roberto de Mattei:
O receio é que a descontinuidade com o Papa Francisco na forma não seja acompanhada por uma distância semelhante no conteúdo. Mas, numa época em que a práxis prevalece sobre a doutrina, a restauração da forma já contém, por implicação, uma restauração da substância. Deve-se lembrar também que, no momento de sua eleição, todo Papa recebe graças de estado proporcionais à sua tarefa, e várias vezes aconteceu de a posição de um pontífice mudar quando ele assume o ministério petrino. Por essa razão, como bem disse o Cardeal Raymond Leo Burke em uma declaração sua, assegurando seu apoio ao novo Pontífice, é necessário rezar para que o Senhor lhe conceda “abundante sabedoria, força e coragem para fazer tudo o que Nosso Senhor lhe pede nestes tempos tumultuados”.
Só que isso não é o bastante para se chegar a uma conclusão sobre a tônica deste pontificado. Certas manifestações são tão subservientes que chegam a ser indignas de um homem. De um ponto de vista psicológico até as entendo; é como se alguém que teve um pai relapso e abusador fosse adotado por um que aparente é amoroso. Mas ficar aqui é jogar no lixo as lições que podemos tirar do “terror bergogliano”.










Infelizmente, sedevacantistas e neoconservadores são filhos do catolicismo oitocentista, são herdeiros de um tipo de recepção do Vaticano I que a atual crise da Igreja serve para nos mostrar que está errada, já que levou ao hiperpalismo. Defendo isso há alguns anos, mas recentemente descobri que é uma opinião partilhada por outras pessoas que estão em espectros diferentes da resistência aos desmandos pós-conciliares.
George Weigel afirmou o seguinte recentemente:
O lado negativo do tsunami midiático aqui em Roma nas últimas três semanas é que ele reforça a falsa noção de que o Papa é a única coisa que acontece na Igreja Católica, ou pelo menos a única à qual se deve prestar atenção — e isso simplesmente não é verdade. Em um encontro com cerca de seis mil jornalistas ontem, o Papa Leão sugeriu gentilmente que eles ampliassem a lente da percepção, olhassem para a Igreja mundial e contassem histórias diferentes das do Vaticano.
No entanto, esse estreitamento de foco não é apenas um problema da mídia. Muitos católicos estão obcecados com o que acontece em Roma — ou com o que acham que acontece em Roma, filtrado e distorcido como é pela mídia e pelo viés da internet. Este é meu terceiro conclave e estou mais convencido do que nunca de que a realidade do Vaticano e a realidade da grande mídia muitas vezes não são as mesmas; e as coisas são muito piores online e nas mídias sociais, dois instrumentos que nos lembram por que Deus criou os editores.
O já mencionado Pio IX, que reinou de 1846 a 1878, foi o primeiro Papa cuja imagem os católicos exibiram em suas casas; antes disso, a maioria dos católicos não fazia ideia de quem era o bispo de Roma ou qual papel, se é que teve algum, ele desempenhou em suas vidas. Como Matthew Franck habilmente escreveu nestas Cartas, poderíamos ter um Papa em quem não precisamos pensar todos os dias: rezar por ele todos os dias, com certeza; mas não ser obcecados por ele todos os dias. No contexto americano, já temos o suficiente disso vindo da Casa Branca, cujo foco tende a distorcer o resto do que está acontecendo no país.
E também Peter Kwasniewski:
Alguns problemas já existem há algum tempo! Não, o Papa não é o único bispo no mundo. Ele não é o único guardião da Fé. Ele não é a definição do catolicismo. Ele não é o Alfa e o Ômega. Ele é o servus servorum Dei, o servo dos servos de Deus. Ele está decisivamente sob a Palavra de Deus na Escritura e na Tradição; sob o Magistério perene; sob os imemoriais ritos apostólicos do culto divino, que ele deve receber e transmitir.
Felizmente, vi que muitos tradicionalistas e católicos de boa vontade de outras tendências passaram a ter uma atitude de alegria calma com o novo Sumo Pontífice, tendo abertura de coração e esperando seu governo efetivo para se posicionarem de um modo mais estável.
Fica, então, a pergunta: o que fazer para nos livrar do hiperpalismo? Primeiro reconhecer que o problema existe, e que a postura que ele gera é incompatível com nossa condição de seres racionais. Segundo, entender que o assim chamado movimento tradicionalista é um sinal profético suscitado por Deus para nos indicar um caminho de volta ao que é reto (e, embora quem esteja nele não perceba, em muitos casos a verdadeira aplicação do que pedia o Vaticano II se deu no tradicionalismo). Terceiro, viver a Fé o mais próximo do que as gerações anteriores nos legaram: mergulhando na Santa Missa, no Ofício, no Rosário e noutras devoções sólidas; catequisando por meio de catecismos pré-conciliares; mergulhando no ritmo do calendário tradicional, com seus momentos de festas e jejuns; fazendo a leitura orante da Bíblia.
Do resto, Deus cuida…
Não posso deixar de dizer, contudo, que estou muito feliz até agora com a eleição de Leão XIV. Ele parece ser alguém que tem fidelidade ao Evangelho, alguém que sabe qual é o seu papel; além disso, assim como eu, ele viveu a realidade da Igreja atual, procurando fazer o melhor nas circunstâncias dadas. É o tipo de homem que aparenta ser capaz de curar as feridas e botar a barca de Pedro no rumo certo novamente. Rezemos pelo Papa.