Viderunt omnes fines terrae salutare Dei nostri:
Iubilate Deo, omnis terra.
Notum fecit Dominus salutare suum:
ante conspectum gentium revelavit iustitiam suam.
Durante a maior parte da história uma ou duas cidades em cada era se destacaram no âmbito político e cultural. Podemos lembrar da Babilônia, de Tebas, de Atenas, de Roma, de Constantinopla e, nos nossos dias, em Nova York. Todavia, quando o Império Romano do Ocidente ruiu, quase todas as grandes cidades da Europa desapareceram. Em boa parte da Idade Média só existiam duas urbes cosmopolitas nos limites da cristandade católica: Constantinopla de um lado e Córdoba do outro. Nesse contexto, a primeira cidade a experimentar uma explosão populacional depois de muito tempo foi Paris.
Quando a Europa cristã começou na se recuperar dos séculos de turbulência, a única forma de música artisticamente elaborada que tinha sobrevivido na “era das trevas” tinha sido o canto gregoriano (a música teatral grega e a música imperial romana foram perdidas). Fora o folclórico e popular, o melhor que alguém podia escutar era um som simples, monofônico e feito para louvar a Deus.
Ajudada pela escolástica, que ganhava corpo na sua universidade, e pela construção da catedral de Notre Dame, Paris atraiu as mentes mais brilhantes da época. Pouco depois de terminarem as fundações da catedral, a cidade já contava com um jovem compositor para enchê-la de música. Esse músico, Leonin, foi (até onde mostram os registros históricos que sobreviveram) a primeira pessoa a adicionar uma segunda voz não paralela ao gregoriano. Esses cantos, chamados organum, constituíram o primeiro tipo de música polifônica. Para dar conta da complexidade, Leonin inventou seis modos rítmicos – o primeiro tipo de notação musical a descrever o comprimento da nota.
Só uma geração depois outro compositor que trabalhou em Notre Dame, Perotin, aperfeiçoou a arte do organum, adicionando ocasionalmente uma terceira e mesmo uma quarta voz. Perotin provavelmente escreveu a obra de quatro vozes Viderunt omnes para o Natal de 1198. Usando a melisma (técnica de alterar a sensação de freqüência de uma sílaba de um texto enquanto ela está sendo cantada) a ponto de obscurecer totalmente as sílabas originais, ele consegui estender poucos versículos (3, 4 e 2 – nessa ordem) do Salmo XCVII para quase dez minutos.
A chamada escola de música de Notre Dame, incluindo Leonin e Perotin, abriu a porta para a mais popular e importante forma de música dos séculos seguintes, o motete, e, de certa forma, para toda a polifonia musical.