Na comunidade Apologética Católica do Orkut iniciei a tradução dos artigos do blog New Liturgical Movement sobre o rito moçarábico e, agora, trarei esses textos para cá. Vamos ao primeiro deles:
O rito moçárabe não tem apenas um, mas dois missais.
Devemos notar, primeiramente, que minhas considerações neste texto têm em vista a liturgia moçarábica dos séculos recentes (do século XVI ao século XX), e não a medieval ou mesmo anterior.
Uma das características interessantes desse rito é que ele emprega dois missais; o Missale Omnium Offerentium, que equivale ao que chamamos de Ordo Missae no rito romano e em outras variantes ocidentais (para ser mais preciso: ele contém as partes invariáveis, bem como um “Missa exemplar”, a de São Tiago Maior), e um Missal completo, com os textos de todas as outras missas.
Archdale King, no seu A liturgia das Sés Primazes, constata que esses dois missais são requeridos na celebração de missas no rito de Toledo.
A Enciclopédia Católica acrescenta comentários sobre a natureza desses dois livros:
O Missale Omnium Offerentium contém aquilo que no rito romano é chamado Ordinário e Cânon. Essa obra contém uma “Missa tipo” (a Missa de São Tiago Maior) com todas as suas partes, variáveis ou fixas, na ordem apropriada. Nos outros dias as partes variáveis são lidas do Missal completo.
O significado da expressão Omnium Offerentium é alvo de debates. Alguns sugerem que uma remissão à “Missa dos Catecúmenos”, “de todos que oferecem”, enquanto outros defendem que é uma referência à “Missa de todas as missas” (isto é, às partes que são aplicadas em todas as missas – o Ordinário). Sobre o motivo da Missa de São Tiago Maior ser o tipo ideal, King considera que “é possível que… no tempo do Cardeal Cisneros a antiga liturgia só fosse celebrada nesse dia” (p. 566), mas isso é algo claramente especulativo. Essa opinião, contudo, aponta para o fato de que na renascença a ordem da celebração do rito moçarábico era pouco clara:
…quando o Cardeal Cisneros se tornou arcebispo de Toledo em 1495, encontrou o rito moçarábico a caminho da extinção. Ele empregou o conhecimento de Alfonso Ortiz e de três padres moçárabes (Alfonso Martinez, pároco de Santa Eulália, Antonio Rodrigues, de Santa Justa e Santa Rufina, e Jeronymo Guttierez, de São Lucas), para preparar uma edição do Missal (publicada em 1500) e uma do Breviário (publicada em 1502). Ele fundou a Capela Moçarábica da Catedral de Toledo, que contava com 13 capelões, um sacristão e dois serventes, e tinha a missão de celebrar diariamente uma Missa cantada e o Ofício. Mais tarde, em 1517, Rodrigo Arias Maldonado de Talavera fundou a Capilla de San Salvador, ou Talavera, na antiga Catedral de Salamanca, onde 55 missas moçarábicas eram celebradas anualmente. Depois elas foram reduzidas para seis, e hoje em dia o rito é celebrado lá apenas uma ou duas vezes no ano. (Catholic Encyclopedia)
Como foi dito, em 1500 veio a lume a versão completa do Missal (não confundir com o Missale Omnium Offerentium, que é menor) sob o título de Missale Mixtum, contendo elementos do Sacramentário moçarábico, do Lecionário e do Antifonário. Esse livro foi republicado em 1755 e novamente em 1804 (sob o título de Missale Gothicum) – foi também editado na Patrologia Latina de Migne (LXXXV). Todavia, essas publicações adicionaram uma série de características toledanas medievais que não faziam parte da liturgia moçarábica histórica (King p. 528).
Sobre essas edições “modernas”, J. M. Neale comenta (The Mozarabic Liturgy, Essays on Liturgiology and Church History):
Mesmo no meio do século XVI, o preço de um missal moçarábico chegava a 300 dobrões; Paulo III mandou um enviado a Toledo para tentar comprar um exemplar para a Biblioteca do Vaticano. No tempo de Florez, uma cópia era incomprável; e assim ficou até Alexander Leslie publicar em Roma, no ano de 1755, sua valiosa e bem trabalhada edição. A maneira pela qual ele fala do Ofício moçárabe mostra como esse último era pouco conhecido até pelos maiores especialistas da época. Em 1775, o grande e bondoso Cardeal Lorenzana reimprimiu o Breviário em Madri. No ano de 1804, o Missal foi publicado em Roma, após a morte do prelado, mas sob o seu patrocínio; Faustinus Arevalus foi o editor.
Mesmo que estejamos falando de dois missais, não é demais notar que na versão completa, “o ‘Omnium Offerentium’ aparece duas vezes… no Primeiro Domingo do Advento, que apresenta uma Missa modelo, e, novamente, entre o Domingo de Páscoa e o Primeiro Domingo após a Páscoa” (King).
Para esclarecer o que King diz, vale notar que esse “Omnium Offerentium” é distindo do Missale Omnium Offeretium mencionado antes e publicado como um pequeno missal.
Ainda no que se refere esse tema, é interessante observar que “existem certas inconsistências entre os missais, como, por exemplo, o uso do Benedicite, que num parece ser algo de uso exclusivo para a Quaresma, enquanto no outro é prescrito para todo o ano. Além disso, encontramos diferenças nos textos dos cantos. Também há divergências nas orações após o Glória in excelsis e na posição do sacrificium” (King).
OBS: eu suponho que na atual versão do rito de Toledo a caracterísitica apontada neste artigo não existe mais.