Na semana do dia 31 de março passado, quando o golpe de 1964 fez 50 anos, eu sabia que ia ter de ouvir aquele mesmo lenga-lenga sem fim das viuvinhas de João Goulart e Che Guevara que ouço desde os meus tempos de escola. Sinceramente, não tem quem aguente mais isso. Esse pessoal não cresce não? Não consegue aceitar que foi derrotado e que estava errado? Insistir no erro é burrice ou loucura!
É bem verdade que alguns direitistas de “feicibuque” inventaram um revival da Marcha com Deus pela Família e a Liberdade, mas como não participo dessa rede social, só ouvi ecos olavéticos dessa bizarrice sem lastro social (não que eu ache a marcha original algo bizarro, mas atual, por ser promovida por quem vive no mundo da Lua, o foi). Felizmente esse foi um fenômeno bem acidental frente a choradeira esquerdista pela “infância pedida que não volta mais”.
Dentro desse quadro, veio bem a calhar o artigo do Professor Jesé Luiz Delgado (Jornal do Commercio, Recife, 8 de abril de 2014) que transcrevo abaixo, pois ele põe os “pingos nos is” em toda essa falsa celeuma, mostrando que o caminho do equilíbrio não pode fugir do da análise objetiva dos fatos (só não concordo quando ele fala que os militares sempre intervieram quando o povo pedia, pois sabemos muito bem que com o golpe da República não foi assim).
O que aconteceu em 1964 continua controvertido, 50 anos depois, inclusive com inconformados querendo reescrever a história, até simbolicamente “devolver mandatos” e outras fantasias. Mas três pontos pelo menos devem ficar muito claros para quem quiser ter uma ideia serena e objetiva daqueles acontecimentos.
Primeiro, o que aconteceu não foi absolutamente um golpe militar. Golpe ou não golpe, com certeza militar, ou apenas militar não foi. Ruptura da ordem constitucional, é óbvio, mas ruptura promovida por militares e civis conjuntamente. Na melhor tradição dos militares brasileiros, que nunca intervieram na vida geral do país senão atendendo a veementes clamores da sociedade civil. Atribuir somente aos militares a ruptura de 1964 é mentira histórica.. Os militares foram sensíveis a um clamor de parte expressiva da sociedade civil (provavelmente majoritária), temerosa dos rumos do governo Jango. Ruptura portanto promovida por civil e militares.
Segundo, revolução ou golpe, como queiram chamar, de fato 1964 foi um contragolpe ou contrarrevolução: golpe para evitar outro golpe, revolução para evitar outra revolução. Ruptura da ordem constitucional, sim, mas para evitar a ruptura que se anunciava. Golpe preventivo, tal como o de Lott em novembro de 1955. Nas conturbações de 63/64 temia-se um golpe para evitar a eleição de 1965, assim como Getúlio (a grande inspiração de Jango) fizera em 37, para evitar a eleição de 38. É o que consta no Ato Institucional que manteve expressamente a Constituição de 1946 (art. 1º) e a eleição presidencial (direta) de outubro de 1965 (artigo 9º). Fossem procedentes ou não esses temores, era isso, no entanto, em que acreditavam os que promoveram a ruptura de 1964.
Terceiro, terá sempre uma visão falsa quem olhar os 21 anos seguintes como um bloco monolítico. Pois, uma coisa foi 1964, e outra, o que veio depois. Uma coisa é Castelo Branco e outra é Costa e Silva. O propósito original de 1964 era garantir as eleições de 1965, a democracia, portanto. O que os militares fizeram depois desvirtuou totalmente aquele propósito: a supremacia da “linha dura”, a pretensão de virarem tutores da nação, a radicalização do AI-5 de 1968. “Regime militar” propriamente dito só é aquele que começou em 1968 e vai ser desmontado pela autoridade de Geisel e as trapalhadas de Figueiredo.