Tenho muitas divergência com o Frei Aloísio Fragoso, um franciscano aqui de Recife ligado à Teologia da Libertação, mas o seguinte texto dele (Jornal do Commercio, 27 de junho de 2010) é primoroso:
Há pessoas que parecem ter nascido para serem amadas e outras admiradas. E, no entanto, no jogo corrente da vida, umas e outras são igualmente necessárias e desempenham um papel insubstituível na coletividade. É o caso de São Pedro e São Paulo, cuja memória festejamos nos próximos dias.
Não fossem a índole destemida e a visão universal de Paulo, sua inteligência e coragem, o cristianismo teria estancado no nascedouro ou teria ficado circunscrito nos estreitos limites da Judeia, Galileia e Samaria. Pedro e os demais apóstolos não eram talhados para levar o nome de Jesus até Roma, Atenas, Tessalônica e outros grandes centros urbanos da época. Por isso, os séculos futuros deram a Paulo o título de “o maior de todos os apóstolos”.
Apesar disso, São Paulo nunca entrou no gosto popular, suas estampas não se acham penduradas nas paredes das casas, suas imagens não se encontram nos oratórios familiares, raríssimas vezes uma comunidade popular o escolhe como seu patrono ou orago.
No entanto, a Igreja sempre recorreu a Paulo nos momentos em que os ataques das heresias ameaçavam a unidade da fé cristã. Aí autoridades eclesiásticas e teólogos foram buscar segurança nas epístolas paulinas e ele voltou a ser objeto de grandes debates doutrinários. Quer dizer, na hora em que a casa não estava bem arrumada e precisava de proteção, conserto, segurança, logo se recorria ao poder de sua personalidade e de seus ensinamentos. Homens com esse perfil recebem mais admiração e reconhecimento do que estima e afeto.
Por que, então, Jesus não escolheu este homem para ser o chefe da sua Igreja? Por que não reservou para ele aquelas palavras marcantes do Evangelho: “sobre esta pedra construirei a minha Igreja?” Por que preferiu Pedro, o frágil e tímido pescador, o desprovido de qualidades de liderança?
Talvez porque Deus não precisa tanto de líderes competentes e sim de amigos apaixonados. Ou talvez porque os grandes líderes correm o risco de serem transformados em cabeça, quando, no corpo da Igreja, a única cabeça é Cristo (segundo escreve o mesmo apóstolo: “no corpo em que Cristo é única cabeça, nenhum membro pode dizer ao outro – você é dispensável”). Ou, ainda, porque Jesus não queria que os futuros chefes da sua Igreja, a quem hoje chamamos de Sumos Pontífices, se tornassem soberanos, homens do poder, mas sim pescadores, humildes pescadores de almas.
Para a grande obra da Redenção Deus necessita sobretudo de militantes humildes, generosos e apaixonados. Neste ponto, Pedro e Paulo empatavam, estavam nivelados por cima. É difícil provar quem dos dois amava mais a Jesus, se o primeiro, com sua generosidade, ou o segundo, com sua impetuosidade. “Tu sabes tudo, sabes bem que te amo”, exclama Pedro. “Vivo, mas já não sou eu quem vive, é Cristo que vive em mim”, escreve Paulo.
Quantos Pedros e Paulos nos dias de hoje e quanta riqueza na diversidade de carismas! Desde que se associe a estas diferenças o toque encantador da humildade e da paixão. Se ainda temos sonhos, utopias e paixões em comum, podemos conviver e trabalhar com os mesmos objetivos. Neste terreno fértil a graça de Deus vingará com a garantia antecipada do êxito final. Para merecermos esta garantia, devemos valorizar as nossas diferenças, em vez de forçar uma pretensa unidade, convertendo-as em troca enriquecedora e em diálogo vitalizador.