Um texto do confrade Álvaro Antônio da Costa:
“Dê-me Senhor, agudeza para entender, capacidade de reter, método e a faculdade para aprender, sutileza para interpretar, graça e abundância para falar. Dê-me, Senhor, acerto ao começar, direção ao progredir e perfeição ao concluir.”
São Tomás de Aquino
Capítulo 1. O ofício do sábio
São Tomás de Aquino inicia sua Summa Contra os Gentios evocando Aristóteles, que em suas palavras é chamado de “O Filósofo”. São Tomás explica – a partir de Aristóteles – que “é próprio do sábio colocar as coisas em ordem”. A ordem traz luz à memória e à inteligência. Citando São Paulo, São Tomás também afirma que o sábio deve colocar as coisas como um bom arquiteto (1 Cor 3, 12). Citando novamente Aristóteles, São Tomás diz que o ofício do sábio é “estudar as coisas mais altas”.
Por princípio, São Tomás tece um breve diálogo com a Metafísica de Aristóteles; utilizando, também, passagens do Evangelho. São Tomás de Aquino encerra essa parte comentando a imagem do motor imóvel aristotélico e afirmando que o ofício do sábio é meditar sobre esse princípio para que seus lábios testemunhem a verdade [1].
Capítulo 2. O plano do autor
São Tomás de Aquino inicia essa parte afirmando que “Dentre todos os estudos aos quais se dedicam os homens, o estudo da sabedoria supera a todos em perfeição, em sublimidade, em utilidade e em alegria que proporciona”.
E supera em perfeição, pois, quanto mais o homem se dedica à sabedoria, tanto mais participa da verdadeira felicidade. Cita os livros sapienciais da Bíblia: “Feliz o homem que se aplica ao estudo da sabedoria” (Livro do Eclesiástico, capítulo 14, versículo 22); “É em virtude do estudo da sabedoria que o homem se aproxima da semelhança com Deus, o qual tudo fez com sabedoria” (Salmo 103, versículo 24); e “A sabedoria constitui para todos os homens um tesouro inesgotável, um tesouro tal, que todos os que dele hauriram participaram da amizade de Deus” (Livro da Sabedoria, capítulo 7, versículo 14).
Entretanto, São Tomás de Aquino encerra essa parte afirmando que é necessário refutar os erros dos pagãos e maometanos. Já que os pagãos e maometanos não reconhecem a autoridade das Sagradas Escrituras, urge aderir à razão natural, da qual ninguém poderá se esquivar. Mesmo que para isso São Tomás de Aquino tenha que demonstrar os limites e as fragilidades da razão natural.
Capítulo 3. A possibilidade de descobrir a verdade divina
Outra vez apelando a Aristóteles, São Tomás de Aquino inicia essa parte da obra dizendo que existem muitas maneiras de descobrir a verdade. “É próprio do homem culto exigir, em cada assunto, o rigor que comporta a natureza da matéria” (Sobre a Ética, livro III, capítulo IV). São Tomas esforçar-se, a partir desse ponto, em mostrar de que maneira se pode descobrir a verdade proposta.
São Tomás de Aquino explica então que em se tratando de Deus existem duas modalidades de verdade: as verdades inteligíveis e as verdades ininteligíveis. Verdades inteligíveis, por exemplo, são aquelas tais como: Deus existe, Ele criou tudo o que existe. Verdades ininteligíveis são, por exemplo, os mistérios expressos pela Santíssima Trindade tais como: Deus é trino. Mais uma vez baseado em Aristóteles, São Tomás apresenta o conceito de substância (o princípio da demonstração, aquilo que uma coisa é – Livro II dos Analíticos Segundos, III, 9). A inteligência humana só é capaz de compreender sozinha (sem auxílio da Revelação) uma quantidade limitada da substância divina.
São Tomás de Aquino realiza então uma gradação entre a inteligência dos anjos (que supera muito a dos homens) e a inteligência do filósofo mais profundo (que supera a inteligência do ignorante mais rude, porém em proporção menor à relação anjo-homem). Em seguida São Tomás de Aquino fala que a inteligência do anjo conhece Deus muito melhor que os homens O conhecem. A Inteligência de Deus é muito maior do que a dos anjos. Após novo apelo a Aristóteles, o doutor angélico conclui essa parte com uma passagem da Primeira Epístola de São Paulo Apóstolo aos Coríntios: “Só conhecemos parcialmente”.
Capítulo 4. É justo que as verdades divinas acessíveis à razão nos sejam propostas como objetos de fé
São Tomás de Aquino inicia essa parte da obra afirmando que já que em Deus existem duas espécies de verdade, algumas das quais são acessíveis à nossa inteligência, é justo que Deus proponha como objeto de fé essas duas modalidades de verdade.
Para São Tomás de Aquino existem três grandes inconvenientes para a busca da verdade:
1. Para se chegar a esse conhecimento é necessário muito esforço e disciplina. Isso é impossível para a maior parte dos homens; há mesmo a necessidade de que muitos se ocupem da administração de seus bens materiais e isso impede o ápice da investigação humana que é o conhecimento de Deus. Existe também, para muitos, o obstáculo da preguiça. “Este trabalho, muitos poucos estão dispostos a assumi-lo por amor à ciência, embora Deus tenha colocado este desejo no mais profundo coração humano”.
2. O segundo inconveniente é que esta verdade é muito profunda e os homens que se dedicam a essa busca levam muitos anos para isso. Sobre os movimentos da alma [2], São Tomás de Aquino recorre mais uma vez a Aristóteles: “o homem se torna prudente e sábio somente à medida que as suas paixões se acalmam”´. Física (capítulo 3, número 7). Se o único caminho para se chegar até Deus fosse a razão natural, o gênero humano permaneceria envolto nas mais profundas trevas da ignorância.
3. O terceiro problema é que a nossa inteligência é fraca. Nossa inteligência é composta de uma série de erros, o fato de Deus ter se revelado possibilitou que todos os seres humanos pudessem compartilhar dessa mesma revelação e compreendÊ-lo, sem a fraqueza da nossa inteligência natural.
Essa parte termina com uma passagem de Isaías: “Todos os teus filhos serão instruídos pelo Senhor” (Isaías, capítulo 54, versículo 13).
Capítulo 5. É justo que as verdades inacessíveis à razão sejam propostas aos homens como objetos de fé
São Tomás de Aquino inicia essa parte afirmando que não é injusto Deus propor tudo como objeto de fé, porque Deus prove a necessidade de cada um. A Providência Divina destina os homens à felicidade. Os filósofos acertaram em conduzir os homens dos prazeres sensíveis à vida virtuosa. Deus só pode ser concebido, de fato, como algo maior. E para incentivar a modéstia, Deus é sábio em permanecer misterioso.
Fazendo uma série de apelos a Aristóteles, São Tomás de Aquino aponta uma outra necessidade de uma revelação sobrenatural: o conhecimento da verdade sobrenatural confere a alma uma perfeição muito alta.
São Tomás de Aquino conclui essa parte citando o Livro do Eclesiástico: “Muitas coisas te foram reveladas, que ultrapassam o espírito humano”. E a primeira Epístola de São Paulo aos Coríntios: “Ninguém conhece os segredos de Deus, a não ser o Espírito de Deus. Ora, Deus no-lo revelou através do Seu Espírito.”
Capítulo 6. Não constitui leviandade dar assentimento às coisas da fé, mesmo quando ultrapassam a nossa razão
São Tomás de Aquino inicia essa parte citando a Epístola de São Pedro reafirmando a importância da revelação divina quanto a fé na verdade e na conquista da sabedoria. Deus manifestou sua presença através de provas adequadas e por meio de manifestação de milagres. A salvação do homem foi inaugurada pela pregação do Senhor e nos foi garantida por aqueles que o ouviram, apoiando Deus em testemunhos e sinais.
A conversão do mundo a Jesus Cristo constitui uma prova muito firme em favor dos milagres antigos.
São Tomás de Aquino encerra essa parte fazendo duríssimas críticas a Maomé que “seduziu os povos com promessas de prazeres carnais”; “entremeou seus ensinamentos com doutrinas falsas”; não há “nenhuma profecia em seu favor” e “falsificou as escrituras sagradas”.
Capítulo 7. As verdades da razão natural não contradizem as verdades da fé cristã
São Tomás de Aquino inicia essa parte afirmando que apesar da verdade da fé cristã ultrapassar as “capacidades da razão humana”, a verdade da fé cristã jamais pode estar em contradição com a razão natural. Deus é o autor da nossa natureza. Se Deus infundisse em nós conhecimentos contrários, nossa inteligência seria impedida de conhecer a verdade. Deus não faz essas coisas.
São Tomás de Aquino conclui essa parte afirmando – e para isso cita Santo Agostinho – que qualquer verdade que seja porventura descoberta jamais entrará em contradição com as Escrituras Sagradas.
Capítulo 8. Comportamento da razão humana em face da verdade da fé
São Tomás de Aquino começa essa parte afirmando que qualquer pessoa que reflita vai terminar percebendo que mesmo no mundo dos entes sensíveis está presente um “certo vestígio de semelhança de Deus”, embora nenhum ente sensível possa exprimir a substância de Deus perfeitamente.
É próprio da razão humana se comportar de tal maneira. A razão humana percebe certas verossimilhanças e é útil que o ser humano se exercite nessa busca.
São Tomás de Aquino conclui essa parte citando Santo Hilário, dizendo que convém cada vez mais se felicitar pelo progresso de se estar aprofundando no mistério de Deus.
Capítulo 9: Plano e método da presente obra
São Tomás de Aquino inicia essa parte voltando e recapitulando o tema das duas modalidades de verdade. Essa dupla realidade não é algo que caracteriza, entretanto, Deus que é Uno e Simples [3]. Essa dupla verdade constitui o nosso conhecimento em relação às coisas. Por meio da razão natural se deve tentar convencer o adversário, por intermédio de razões demonstrativas. E no caso da razão sobrenatural não apelar necessariamente a esta, mas convencer o adversário mostrando como a verdade natural não a contradiz.
O cristão também não deve passar a imagem de que se aderiu de uma vez por todas à simples razão natural, mas continuar confiando nos testemunhos e milagres. Deste modo será possível seguir o caminho da razão natural e o caminho proposto pelo próprio Deus para conhecê-Lo.
São Tomás de Aquino conclui essa parte anunciando os tópicos a serem abordados: 1. Deus considerado em si mesmo; 2. A origem das coisas criadas a partir de Deus; 3. As coisas criadas como estão, ordenadas a Deus como seu fim último.
São Tomás adverte, finalmente, que a primeira coisa que constitui o fundamento de tudo o que virá em seguida é a demonstração da existência de Deus. Se este ponto não estiver seguro, desmoronará todo o estudo das realidades divinas [4].
[1] Em outra obra, – Questões discutidas sobre a verdade– São Tomás de Aquino também afirma que: “O conceito de verdade consiste na concordância entre a coisa e o conhecimento. Ora, uma e mesma coisa não pode concordar consigo mesma, porém é uma concordância de coisas diversas. Em conseqüência, o conceito de verdade se verifica na inteligência primariamente no instante em que esta começa a possuir algo de próprio, que a coisa existente fora da inteligência não possui, mas que corresponde ao objeto, de modo que possa surgir a concordância entre ambos (a inteligência e a coisa). (…) uma vez que: “Quando aquilo que está na coisa extrínseca concorda com o julgamento da inteligência, diz-se que o julgamento é verdadeiro. (Aquino, 1996: 71-72).
[2] Na Summa Teologica São Tomás de Aquino afirma: “Como o bem tem a natureza do apetecível, assim a verdade se ordena ao conhecimento. Ora, cada ser é cognoscível na medida em que é, e, por isso, diz Aristóteles: Que a alma é, de certo modo, tudo, quanto ao sentido e ao intelecto. E, portanto, assim como o bem se converte com o ser, assim também a verdade. Mas, assim como o bem acrescenta ao ser a noção de apetibilidade, assim, a verdade, a relação com o intelecto”. (Aquino, 1996: 251).
[3] No início de O Ente e A Essência, São Tomás de Aquino afirma que: “Sendo óbvio que é a partir das coisas compostas que se deve chegar ao conhecimento das coisas simples, e das posteriores chegar às primeiras, para que, partindo das noções mais fáceis, a exposição seja mais ordenada, por essa razão cumpre-nos partir do conceito de ente para depois atingir o de essência. E ainda: “As primeiras coisas que se estabelecem na inteligência são o Ente e a Essência”. (Aquino, 1996: 25).
[4] Mais adiante, na Summa Contra os Gentios, São Tomás de Aquino comenta: Quanto a unidade da essência divina, a primeira coisa a crer é que Deus existe, o que aliás é óbvio à razão. Efetivamente, observamos que tudo quanto se move é movido por outros. Assim, os seres inferiores são movidos pelos superiores, da mesma forma como os elementos são movidos pelos corpos celestes. Nos elementos terrestres, por sua vez, o que é mais forte move o que é mais fraco. Também nos corpos celestes, os inferiores são movidos pelos superiores. Ora, é impossível que este processo se prolongue até ao infinito. (…) nesta hipótese, todos os infinitos que movem e que são movidos serão instrumentos. Ora, até mesmo os não letrados percebem que seria irrisório afirmar que os instrumentos não são movidos por algum agente principal. Equivaleria isto aproximadamente a afirmar a possibilidade de fazer uma caixa ou uma cama com a serra e o machado, porém sem a intervenção de um carpinteiro. Em conseqüência, é indispensável que haja uma primeira causa motora, superior a todas as outras. A esta causa motora denominamos Deus. (Aquino, 1996:154).
3 respostas em “Leitura Analítica da introdução da Summa contra os Gentios de São Tomás de Aquino”
Você sabia que a Loyola lançou a “Suma contra os gentios”?
Não, não sabia.
Aqui: https://www.livrarialoyola.com.br/images/prod_extra/9788515043071.jpg