Texto da consócia Fernanda Silva Fernandes:
Alguns anos atrás escrevi este texto a partir de discussões no orkut com protestantes. Aquela velha discussão sobre imagens… Peço desculpas por eventuais erros.
A Semiótica, disciplina inserida no corpo de estudos da Comunicação Social, é “o processo de construir uma interpretação.” É a ciência de toda e qualquer linguagem não-verbal. Da interpretação surge o intérprete. Um objeto ligado a um signo cria um interpretante (construção da significação a partir de um fenômeno), que por sua vez faz surgir outro signo.
Objeto -> Signo -> Interpretante -> Signo -> Objeto -> Interpretante…
Melhor explicando: o signo é composto de ícones (imagem; relação de analogia/semelhança), índice (rastro; sinaliza sempre) e símbolo (norma; conceito formal; pensamento; convicção). Ele é a junção das idéias formuladas a partir do início da interpretação e sempre comunica algo a quem conhece seus códigos. Ou seja, para entendê-lo corretamente, é preciso de alguma maneira saber como ele surgiu. Sua construção apresenta argumentação (lógica dentro da cultura que o criou) e elementos empíricos que o legitimam. Seria uma junção entre:
Logos -> razão
Pathos -> idéia; aquilo que não é voltado para lógica
Um exemplo que creio ser fácil para entendimento do processo:
Uma mulher está grávida, mas não sabe (analogia) -> Toma consciência do bebê (pistas que denotam) -> Reação a este momento (convenção e aplicação de norma)
Quem pode ter certeza do que se passa na cabeça da mãe? Apenas ela. Os parentes têm uma percepção mais próxima, mas aqueles de fora podem fazer conjecturas que, dificilmente, são ligadas à realidade em questão.
Nossa sociedade é baseada no uso de símbolos. Alguns são explícitos e denotam poder, tal como as fardas militares. Outros, como uniformes escolares, servem de identificação. Tribos urbanas contêm seus próprios símbolos e isto faz com que se reconheçam mutuamente. Em todas as culturas humanas estão presentes símbolos, que permitem criar a identidade cultural de um povo ou país. Com o desenvolvimento maciço dos meios de transporte e de comunicação, os padrões culturais estão modificando rapidamente, visto que as pessoas têm maior contato com símbolos provenientes de outros lugares.
Podemos afirmar que a cultura humana é simbólica, na medida em que ela dita e é responsável por certos padrões comportamentais e sociais, intelectuais e ideológicos de uma determinada comunidade. Desde a pré-história o homem se vê imerso em signos (podem ser ícones, índices ou símbolos). A própria linguagem falada e a escrita que usamos aqui, também, é simbólica. É composta de signos, dentro de um código pré-estabelecido e conhecido por quem a usa.
A análise que muitos protestantes e ateus fazem das imagens é dissociada da cultura criadora, aspecto que impede a compreensão plena do que é proposto. Muito influenciada pelo sistema social em que vivemos, onde estamos fadados a apenas receber linguagens que não ajudamos a produzir (desprezo pelo tradicional?), onde somos bombardeados por mensagens que servem à inculcação de valores que se prestam ao jogo de interesses de quem as divulga.
Dizer, por exemplo, que a Igreja Católica é mais suscetível a críticas por apresentar símbolos é no mínimo desconhecer seu significado. Como criticar e contrapor aquilo a qual não se conhece? Como entender a relação entre os signos, sem considerar sua referência a um objeto?
A doutrina católica sempre incentivou a vivência contemplativa da Fé. Os gestos, figuras, gravuras, medalhas, terços, objetos diversos servem como instrumentos e manifestações externas desta contemplação. Ela é comedida, singela e simples. Quando uma pessoa ao adentrar à igreja (local sagrado) faz uma genuflexão para demonstrar humildade e submissão a Deus, ela está tendo uma atitude de respeito para com o local em que se pisa, similar a de Moisés quando tirou as sandálias (Ex 3,5). Outro gesto bastante comum é o sinal da Cruz (em nome do Pai + e do Filho + e do Espírito Santo), sobre a testa, peito e ombros. Este gesto característico dos católicos e ortodoxos nada mais é do que uma oração. Ao mesmo tempo a mais simples e a mais completa que se tem, pois nela são invocadas as três pessoas da divindade. Mas estes são gestos corporais.
Signos visuais são mais facilmente percebidos, mas não entendidos. Quando se afirma que podem ser criticados, e a crítica parte de uma esfera externa a seu significado, ela não tem tanta validade. Apenas para quem tem um contato direto com eles é possível compreender. Durante a maior parte do cristianismo, mesmo após a invenção da imprensa por Guntemberg, pouquíssimas pessoas sabiam ler. As imagens tiveram como princípio instruir de modo mais eficaz os fiéis. E manter a unidade de ensino entre eles. São João Damasceno explicitou bem ao dizer “O que a Bíblia é para os que sabem ler, a imagem o é para os iletrados”. As imagens foram, também, fundamentais no início do cristianismo. Os primeiros cristãos reconheciam-se mutuamente através de desenhos que pareciam peixes e através de gestos como o persignar-se. Este último ainda existe e nada mais é do que se traçar, com o polegar direito, uma cruz na testa, uma na boca e outra no peito.
Não só nas imagens, desenhos, figuras e gestos está a simbologia católica. Também na edificação de seus templos religiosos. Abóbadas, torres e outros acréscimos têm por objetivo a constante catequização das pessoas. Faz com que as pessoas que crêem a cada instante relembrem da Paixão e Morte de Jesus, Sua Ressurreição e Ascensão aos Céus.
Do mesmo modo, há símbolos que ajudam o homem a entender a Liturgia e a doutrina. Fazem parte da riqueza da Igreja. Por isso Cristo lavou os pés dos discípulos: lavar os pés de alguém significa ser humilde, pôr-se a serviço. Nosso Senhor certamente não queria dar aula de higiene aos apóstolos…
É interessante notar que as igrejas protestantes tradicionais também mantêm inúmeros elementos simbólicos visuais. Lutero mesmo não foi contra eles, para não ser confundido com os heréticos iconoclastas. Apenas a partir do surgimento das igrejas pentecostais, este simbolismo foi execrado. E, ainda por cima, em contrapartida à sociedade humana mais simbólica que temos: a ocidental!
Vivemos numa sociedade onde:
-> um ponto de interrogação representa uma televisão : Rede TV
-> um círculo com uma flecha representa uma cerveja: Skol
-> uma maçã mordida representa uma empresa de computadores: Apple
-> um pentágono verde contendo um triângulo amarelo representam um banco: Real
A nossa sociedade é a que mais se utiliza de signos (símbolos dentro da Semiótica tem outro sentido). Conversamos através da internet usando um código binário, ininteligível para a maioria das pessoas. Como explicar que uma sequência de zeros e uns (000011000 000101100) é traduzido pelo computador como Oi? Mas estamos fazendo isto, mesmo sem perceber. Porém, fazemos uso sem compreender e não podemos criticar dizendo que outro sistema é melhor.
Há que se considerar também que os símbolos podem ter o seu significado alterado com o passar do tempo. Para explicar melhor, tomemos a figura da caveira com dois ossos cruzados. Em sociedades arcaicas isto era visto como símbolo de vida. Para nossa, é morte. Significa Cuidado! Risco de Vida! Assim, aconteceu também com a suástica. Nas culturais pré-helenistas, a suástica era símbolo de vida nova, vitalidade, sucesso e riqueza. Com o advento do nazismo no século XX, o que tornou? Quem é que não se lembra dos judeus, negros e outras minorias mortas de forma cruel, em campos de concentração?
Os símbolos somente têm sentido para as sociedades que o criaram. E seu significado é dado pela mesma. Outro exemplo que cito é a imagem de Cristo Crucificado. O que ela significa? Para quem a criou (católicos e ortodoxos) é o símbolo do amor perfeito, do Deus que se sacrifica para expiar os pecados da humanidade. Para quem não entende assim ou para sociedades que não conhecem o cristianismo, é uma imagem que remete a dor, a sofrimento e a morte. Dificilmente, achariam se tratar de compaixão e amor.
O problema maior das pessoas é que elas se prendem ao estereótipo ou ao aspecto mais superficial dos símbolos. Por exemplo, muitos entendem um terço como objeto de pendurar no espelho do carro e não como modalidade de oração. E assim se esquecem dos significados mais profundos que estes símbolos nos trazem.
Infelizmente, acredito que a perda do sentido simbólico de muitas coisas que fazemos, acaba por transformar em meras tradições, onde as pessoas simplesmente fazem, porque sempre foi feito de tal forma. Os sentidos de sagrado x profano se misturam e transformam manifestações e celebrações religiosas, em meros eventos sociais.
Quando alguém afirma que gosta da ausência de simbologia visual de sua igreja abre espaço para que qualquer um afirme que ela não é nada. Por exemplo, templos sem quaisquer signos são idênticos a salas onde se reúnem grupos de oração. Não há nada que me remeta a imediatamente a Deus. Dá a sensação de lugar comum e por si mesmos, podem ser desprezados. Não o que se ensina ali, mas sim o lugar. Este sim é um espaço ideal para críticas ateístas.
2 respostas em “Simbolismo na Igreja através da ótica da Semiótica”
Bom texto! Mas recomenda-se que o autor faça uma revisão em ÊXODO 20. Coincidentemente estou pesquisando e escrevendo sobre esse assunto, em breve será publicado. Aproveito para agradecer a oportunidade dessa leitura.
Grande abraço,
A paz de CRISTO!
Graça Ramos
Por que a autora deveria fazer uma revisão em Êxodo XX?