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Ética e moral

A Igreja aprova a cirurgia no caso de uma gravidez ectópica?

No mês passado recebi o telefonema de um amigo que enfrentava o problema de sua esposa estar com uma gravidez ectópica e que, como bom católico que é, queria fazer aquilo que a Igreja proclama como correto em casos como esse. Como muitos outros de linha tradicionalista ou conservadora no Brasil, ele achava que só a posição divulgada pelo Pe. Lodi é que representava o pensamento eclesial, sendo qualquer outra afirmação minoritária ou herética. Contudo, como já falei na questão 34 do Catecismo sobre o aborto, não é assim; a posição do Pe. Lodi é uma entre duas e minoritária (como  ele mesmo afirma em monografia linkada na referida questão). Assim sendo, resolvi traduzir e adaptar um texto do Pe. Peter R. Scott, da FSSPX dos EUA, sobre o tema, para, mais uma vez, promover o esclarecimento dos irmãos, de modo que os casais católicos possam tomar de maneira consciente sua decisão nesse tipo de situação.

Nunca é permitido matar diretamente uma pessoa, com exceção da legítima defesa, da pena de morte e de uma guerra justa, de modo que é imoral fazer um aborto direto, mesmo que seja para salvar a vida da mãe. E tal imoralidade se dá independente do método: seja cirúrgico, seja químico.

Estabelecido esse princípio geral, vamos agora examinar outras facetas do problema quando se tem o caso de uma gravidez ectópica:

Se pode ser estabelecido que o feto já está morto (com um ultrassom, por exemplo), então sua remoção cirúrgica para a garantia da saúde da mãe é completamente lícita.

A dificuldade se dá quando o feto está vivo e a vida da mãe fica em perigo pela possibilidade de uma hemorragia interna. Os teólogos morais divergem sobre a licitude ou não de uma intervenção para remover a gravidez antes da morte do feto. Alguns defendem que a cirurgia diretamente mata o feto, caindo no princípio geral exposto, e, portanto, sendo imoral. Outros afirmam que ela não mata diretamente, perfazendo tão só a remoção de uma massa de tecidos (incluindo a placenta) que está fixada no local errado (a trompa de falópio ao invés do útero), de um modo que perfaz algo análogo a um tumor invadindo a trompa, como um câncer; então, da mesma forma que é possível uma operação para a retirada de um câncer maligno numa mulher grávida (no tratamento do câncer uterino, por exemplo) que provoque indiretamente a morte de seu filho, a retirada da massa de tecido abdominal, que contém o feto, também seria permitida (a morte, nesse caso, seria uma decorrência indireta e indesejada de uma ação necessária).

O princípio usado na segunda opinião chama-se causa de duplo efeito: a cirurgia é moral, apesar do mau efeito, pois a morte do feto não é desejada diretamente, há uma razão proporcional e o bom efeito não deriva diretamente do mau efeito. A compreensão desta solução depende da apreensão da gravidade da razão proporcional: o feto que se aloja na trompa de falópio não pode sobreviver em qualquer caso, e se a mãe não for tratada ela pode sangrar até a morte; se internada num hospital por várias semanas, suas trompas podem ser tão danificadas que ela nunca poderá engravidar novamente.

Assim sendo, na medida em que existem duas opiniões possíveis sobre este tema, qualquer uma delas pode ser seguida de modo seguro. Mas, é bom ressaltar, se é permitido fazer uma cirurgia que se entende que não mata diretamente o feto, não é permitido tomar medicamentos para matá-lo (como se tornou comum com o uso do metotrexato e do RU-486).

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34 respostas em “A Igreja aprova a cirurgia no caso de uma gravidez ectópica?”

Mas e no caso de uma emergência onde o médico tem de salvar a mãe ou a criança, a morte de um deles será imoral?

Esse caso é um tanto diferente do que estou tratando aqui, mas vou responder para não deixar passar a oportunidade de esclarecimento.

Sim, será imoral, mas isso não encerra a questão. Observe, tal ato será objetivamente imoral, será objetivamente uma desordem, ou seja, será pecaminoso, mas dificilmente será pecado, dada a consciência perplexa do médico (= na hora ele é levado a agir, sobre forte pressão, tendo de decidir). É sempre bom diferenciar esse tipo de situação, de risco atual, de um caso de risco hipotético (mais ou menos provável) no qual se faz o aborto.

Confesso que li o texto várias vezes e não entendi quais seriam as duas soluções para o caso. Uma seria a cirurgia para a remoção do material (exemplo: remoção da trompa). Essa seria a “causa de duplo efeito”, que causaria a morte do feto, mas como uma consequência não desejada diretamente. Qual seria a outra solução?

A defendida pelo Pe. Lodi: a mulher ficar internada até a trompa arrebentar e, aí sim, se tentar remediar a situação.

“O princípio usado na segunda opinião chama-se causa de duplo efeito”

Del Greco é claro que qualquer intervenção feita por causa da gravidez mesmo, é aborto e intrinsecamente mau. Logo conclusão errada.

A intervenção, segundo essa teoria, Karlos, visa a trompa que se tornou patológica (BOUSCAREN, Ethics of ectopic operations, Loyola University Press, Chicago, 1933, pp. 140-162). Bouscaren diz:

“…mesmo antes que a trompa se rompa, ela se torna debilitada. A criança não é a ‘doença’ a ser removida. Seu crescimento, porém, torna a tuba doente. É esse órgão doente que é removido pela salpingectomia, tendo como efeito indireto a morte da criança que se encontra em seu interior.”

Sugiro, pois, que você estude um pouco os referenciais que citei no começo deste artigo para chegar ao ponto de fazer colocações tão assertivas, até porque, como disse, essa visão é majoritária desde a década de 1920, de modo que nem seus adeptos desconhecem colocações como a de Del Grego e vice-versa.

Para um aprofundamento sobre o funcionamento do princípio do duplo efeito, seja para criticar Bouscaren, seja para apoiá-lo, acredito que a leitura do seguinte texto é essencial:

Como funciona o princípio do duplo efeito

Aliás, o esse texto do Pe. Keenan apresenta uma terceira solução para a problemática (ou, talvez, uma variação da segunda).

Por fim, indico a leitura do texto que linkei na palavra “metrotexato” e a leitura do seguinte texto, que dá uma visão muito boa sobre o status quaestionis:

Gravidez ectópica e resposta católica

que pode ser resumida assim:

“…almost all Catholic ethicists accepted expectant therapy and salpingectomy (either partial or total) as morally permissible (salpingectomy under the principle of double effect). Almost all, however, rejected both salpingostomy and the administration of methotrexate as direct assaults on the innocent life of the human embryo and, therefore, indefensible.”

Thiago, se há controvérsia na questão, só se pode tomar como ação moralmente aceitável aquela mais prudente e mais segura, que é a que Del Greco toma para si.

Os vários pontos da controvérsia servem apenas como exercício teórico da investigação da ciência teológica e desenvolvimento do raciocínio.

Karlos, a posição de Del Greco não é a mais prudente e segura, já que é minoritária desde o começo do século passado. Qualquer pessoa que analise a questão de modo isento, como o padre da FSSPX de quem traduzi o texto deste post, vai dizer que as duas são seguras. Cabe ao casal analisar os argumentos e decidir.

Particularmente acredito que o exercício teórico serve, isso sim, para dar algum sustentáculo a de Del Greco, pois de outra forma ela seria rejeitada de pronto por quase todas as pessoas, já que tem uma aparência de antinatural.

Temos que levar em consideração que prenhez ectópica pode ocorrer em outros locais além da tuba uterina. Daí nem sempre pode haver uma macroestrutura materna para aguardar rotura ou para retirar cirurgicamente e assim haver duplo-efeito.

“Daí nem sempre pode haver uma macroestrutura materna para aguardar rotura ou para retirar cirurgicamente e assim haver duplo-efeito”

Nunca haverá duplo efeito se a causa do procedimento é a gravidez.
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“Karlos, a posição de Del Greco não é a mais prudente e segura, já que é minoritária desde o começo do século passado”

Qual é a mais segura e prudente? Abortar com um argumento maquiavélico e chamar de outra coisa?
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“pois de outra forma ela seria rejeitada de pronto por quase todas as pessoas, já que tem uma aparência de antinatural.”

Porque o natural é abortar, condenando, dolosamente, um inocente ao inferno.

O natural é se proteger, quer você goste disso ou não (mas, eu não disse que o argumento é antinatural, disse que tem aparência disso). E é incrível essa sua prepotência, pois chamar de “argumento maquiavélico” aquilo que dezenas de pessoas com muito mais formação e graça de estado consideram plausível é transformar a própria cabeça em Magistério.

O duplo efeito me parece boa saída. Mas eu tenho um problema com ele: a morte da criança, embora seja um efeito não desejado, é previsível. Se eu sei que matarei a criança removendo a trompa, já não há mal nisso?

Pelo fato de haver mal é que é duplo efeito, Silas (para quem adere a essa tese). Medite sobre o que foi colocado no texto sobre a “razão proporcional”. O mesmo se dá com a remoção de um câncer uterino, veja a explicação do Pe. Lodi:

“Por exemplo, uma mulher grávida descobre que está com o útero canceroso. O médico lhe diz que é preciso fazer uma histerectomia (remoção do útero…) para extirpar o tumor. Diz também que esta cirurgia deve ser feita urgentemente, e não após o nascimento da criança, senão a mulher morrerá em pouquíssimo tempo.

Analisando moralmente o caso, o médico não deseja matar a criança, mas remover o útero. Aliás, se ele simplesmente matasse a criança, não salvaria a vida da mãe. Logo, o fim bom (salvar a mãe) não é obtido através de um meio mau (matar a criança), mas decorre diretamente de uma ação boa (a histerectomia), que aliás seria feita mesmo se a mulher não estivesse grávida.

Esta ação boa, porém, tem um duplo efeito: a) um bom, desejado: a salvação da vida da mãe; b) outro mau, apenas tolerado, e não diretamente provocado: a morte da criança.

Se, no caso que estudamos, não há outro meio de se obter o fim bom (a saúde da mãe) a não ser tolerando um efeito mau (a morte da criança); e se há proporção entre o mal tolerado e o bem procurado, então é lícito fazer a cirurgia.

Procedimentos como este sempre foram lícitos e não se enquadram no conceito de aborto diretamente provocado, condenado pela Igreja e defendido pelos abortistas.”

“E é incrível essa sua prepotência, pois chamar de “argumento maquiavélico” aquilo que dezenas de pessoas com muito mais formação e graça de estado consideram plausível é transformar a própria cabeça em Magistério.”

Como você mesmo disse em um debate: “ser padre, monge e tradicional não indicador que se vai pensar corretamente no campo da bioética”.

A Verdade não está com a maioria. Ela não é democrática!

Não falei sobre o que é ou não verdade, mas na postura que se deve ter. Ora, a suposição é que se a posição que você tem é minoritária, ela deve ter menos apelo à razão que a que é majoritária, em especial se o critério sobre o que é majoritário ou minoritário abarca pessoas que presumivelmente foram mais bem preparadas sobre o tema (para não falar na graça de estado), de modo que se deve ter menos velocidade em adjetivar de modo negativo. É necessário respeito e estudo, Karlos (duvido muito que você sequer tenha lido algum dos textos que postei).

“Seu argumento não é válido, pois não se sustenta na realidade.”

Por quê? Porque você não quer? Meu argumento é precisamente de Del Greco. Ele é um louco que não conhece a realidade thiaguiana! Pe. Lodi igualmente. Só Thiago percebe a realidade, mas, como sempre, argumenta da sua cabeça. Infelizmente…

“abarca pessoas que presumivelmente foram mais bem preparadas sobre o tema (para não falar na graça de estado), de modo que se deve ter menos velocidade em adjetivar de modo negativo.”

Conselho que você mesmo não segue! Veja-se a discussão já aludida.
——

“É necessário respeito e estudo, Karlos (duvido muito que você sequer tenha lido algum dos textos que postei).”

Se você diz, deve ser a verdade…

Não, meu caro, porque é assim que as coisas são. Você está tendo uma dificuldade sem limites para entender que aqui não se está defendendo a posição X ou Y, mas mostrando o estado da questão na teologia moral. E, nesse âmbito, não se pode dizer que a posição de Del Greco ou a de Lodi é a mais segura, pelo simples fato dela ser minoritária (= analisada por muitas pessoas gabaritadas ao longo dos anos e rejeitada).

A discussão aludida trata de um confronto de posições, não de um retrato sobre quais são elas. Além disso, mesmo lá, não adjetivei de maneira “apressada” qualquer outra posição que a Igreja toma como legítima.

Claro que é a mais segura. Se por acaso for errado a extirpação da trompa onde a gravidez se desenvolve, a posição que você defende é um incentivo ao aborto e somente a posição da manutenção da gravidez seria moral.

Se, por outro lado, essa mesma extirpação for correta, a posição de Del Greco e de pe. Lodi seria também correta e encarada como heroísmo da parte da mãe. Se evita certamente o pecado com a posição da manutenção da gravidez. Isso é posição mais segura.

Novamente (já está ficando repetitivo): não defendi nada aqui, o texto não é meu, é de um padre da FSSPX (e também não acho que ele defenda nada em particular). Supondo que a posição de Lodi está correta e a outra também, isso implicaria num heroísmo do mesmo nível de uma grávida que opta por não tirar um câncer uterino para não provocar um aborto, ou seja, algo que jamais poderá ser exigido; supondo que ela esteja errada, equivaleria a um pecado contra o quinto mandamento.

Não consigo ver com bons olhos a posição. Lembra-me uma proposição que escutaria de um professor de faculdade que considerasse o bebê como “um parasita” (já ouvi isto, inclusive, repetidas vezes).

Ora, é preciso entender, primeiro, certos conceitos fundamentais médicos antes de continuarmos a discussão. Melhor – é preciso entender seu desenvolvimento. Antes de mais nada, tome nota que o conceito de aborto como “término da gravidez”, ao invés de término prematuro da vida fetal, foi um desenvolvimento, ou melhor, uma convenção definida pela maioria médica visando burlar a questão da imoralidade no procedimento tornando o conceito abstrato; sim, creia, a maioria – apelando para a razão?

A gravidez, saiba, é o estado durante o qual os mamíferos fêmeas carregam seus filhotes em desenvolvimento (antes de nascer). Se se analisa do ponto de vista lógico e prático, no entanto, nota-se que a gravidez não é algo intrinsecamente ligado à mulher, mas é centrada no feto, pois que as alterações no corpo feminino que ocorrem à implantação só se dão graças ao estímulo do bebê, findando apenas com sua morte ou nascimento. Embora o conceito seja certamente controverso (e por uma razão óbvia, já tratada no parágrafo anterior), certamente a gestação – não a vida – toma início com o pleno desenvolvimento embrionário na nidação, onde quer que tenha ocorrido.

Nesse contexto, há a gravidez ectópica. Longe de ocorrer somente na tuba uterina, como o seu artigo inapropriadamente restringe, essa variante da gestação uterina também pode ocorrer em outros locais mais perigosos para a saúde feminina (com até 8 vezes mais riscos de sangramento e morte), como a gravidez abdominal (fígado ou alças intestinais) e a extrauterina (na região externa do útero). Suas maiores causas não se dão senão resultantes de DSTs, uso de DIU, ligação tubária e fumo, atreladas diretamente aos – maus – hábitos maternos, seguida de raça negra (provavelmente associada a baixa renda e maus hábitos) e alterações da própria tuba. A culpa primária, portanto, não recai necessariamente ao bebê, ainda que queiram chamá-lo de agressor.

Há chances muito grandes dessas gravidezes não terem sucesso – no caso da ectópica tubária, de fato, sempre incorre na morte do bebê. Não há, entretanto, risco de uma infertilidade absoluta. Mais da metade das mulheres, submetidas ao tratamento expectante ou cirúrgico, volta a engravidar normalmente, mesmo quando a falha do tratamento expectante requer a abordagem cirúrgica subsequente.

Aproveitando o ensejo, o “famigerado” tratamento expectante na gravidez ectópica, alternativa mais que razoável e ainda empregada por sua eficácia, é ideal sim em pacientes em que a descoberta do diagnóstico se deu por uma USG sem a vigência de sintomas (ou mesmo com sintomas leves). Nada de notoriamente heroico!

Em verdade, boa parte dessas gravidezes apresenta resolução espontânea – dados, sem dúvida, os devidos cuidados, como a boa instrução da paciente (aconselhando-a não a ficar internada no hospital necessariamente, mas nas cercanias de um serviço de urgência). Essa é a alternativa ideal conservar de fertilidade a longo prazo, especialmente no subgrupo de mulheres com baixa performance reprodutiva, pois que não resulta em chance aumentada de dano à tuba.

Também há diversos estudos mostrando que a recorrência de gravidezes ectópicas é semelhante em mulheres com manejo expectante ou cirúrgico – novamente, ‘culpa’ da genitora? – revelando uma possível associação com a causa base. A outra grande leva será abordada em um momento de urgência/emergência, quando o bebê já terá morrido com o desprendimento do local onde estava, partindo para a abordagem cirúrgica com fins de preservá-las pela parada do sangramento.

Se não bastam os argumentos científicos, apelo para o argumento teológico e filosófica, que, creia, aprendi em seu próprio texto. O duplo efeito é inconsistente: enquanto em uma cirurgia para remoção de um tumor uterino a causa da morte do bebê não é previsível, mas possível, na remoção da trompa a morte dele é previsível e certa. Trocando em miúdos, enquanto a saúde da mãe está comprometida, no primeiro caso, pelo tumor, no segundo estará comprometida não pela trompa doente, mas pelo bebê mesmo, implantado em um local inadequado. A retirada da trompa não é senão para levar a cabo a morte do bebê, quebrando dois dos princípios intrínsecos para a aplicação da causa de duplo efeito – a falta de intenção (já exposto acima o motivo da quebra do argumento) e a razão proporcional para permissão da ocorrência do efeito mau (a vida da mãe NÃO ESTÁ CONDENADA, tampouco sua fertilidade, sem a realização do procedimento, diferentemente da do bebê).

O próprio Buscaren, principal defensor do duplo efeito na salpingectomia, admitiu que “não pensava que a analogia entre o caso e o do câncer uterino fosse perfeita”, perdendo, assim, a comparação vide método geométrico. Como bem descrito no texto, a única razão para que a tuba seja cortada é a remoção do embrião; o objeto da atividade não exclui como “acidental” o efeito da remoção do embrião, precisamente porque não é o efeito, mas o objeto mesmo da atividade, uma vez que a única parte da tuba que precisaria ser retirada é a em que o bebê está aderido. Está, portanto, demonstrada a incongruência por meio da taxonomia.

Há problemas graves, me parece, pela intrusão do legalismo em questões de julgamento moral. O método geométrico comparativo a que recorrem os teólogos ignora questões simples, como a própria vida do bebê, recobrindo o princípio de uma autoridade infundada.

Mata-se por tirar-lhe os nutrientes. Que diferença faria, portanto, de deixar alguém morrer de fome? Como poderia ser segura tal proposição? Se você não a defende, sendo contrário ou neutro, deveria não expor a situação, especialmente revestida de um argumento de autoridade, ou estudá-la mais a fundo do ponto de vista médico (coisa que os gabaritados teólogos não fizeram ou não puderam fazer em seu tempo).

Fontes:
1. CONCEPTS OF ABORTION AND THEIR RELEVANCE TO THE ABORTION DEBATE, por Mary B. Mahowald da Indiana University
2. https://apologeticacatolicasite.files.wordpress.com/2016/08/como-funciona-o-princc3adpio-do-duplo-efeito.pdf
3. https://embryology.med.unsw.edu.au/embryology/index.php/Lecture_-_Week_1_and_2_Development
4. https://www.rcog.org.uk/globalassets/documents/guidelines/gtg21_230611.pdf
5. http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/uog.2602/full
6. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed?term=11077627
7. http://www.ejog.org/article/S0301-2115(15)00190-6/pdf
8. Rezende JR, Montenegro CAB – Obstetrícia Fundamental. 12ª ed.
9. Cunningham, FG et al. – Williams Obstetrics. 24ª ed.

O conceito de gravidez não está em questão aqui, e nem foi misturado e de nidação com o de fecundação.

“Nesse contexto, há a gravidez ectópica. Longe de ocorrer somente na tuba uterina, como o seu artigo inapropriadamente restringe…”

O artigo não é meu e ele não restringe conceitualmente coisa nenhuma, apenas trata de uma forma de gravidez ectópica.

“A culpa primária, portanto, não recai necessariamente ao bebê, ainda que queiram chamá-lo de agressor.”

Quem chamou o bebê de agressor? Um dos textos que coloquei mostra claramente que esse argumento não é aceito na teologia moral católica.

“Não há, entretanto, risco de uma infertilidade absoluta. Mais da metade das mulheres, submetidas ao tratamento expectante ou cirúrgico, volta a engravidar normalmente, mesmo quando a falha do tratamento expectante requer a abordagem cirúrgica subsequente.”

Isso é apenas um fato, não afeta o cerne do argumento em qualquer uma das posições que se baseia na relação gravidez-tratamento em si mesma.

“Aproveitando o ensejo, o ‘famigerado’ tratamento expectante na gravidez ectópica, alternativa mais que razoável e ainda empregada por sua eficácia, é ideal sim em pacientes em que a descoberta do diagnóstico se deu por uma USG sem a vigência de sintomas (ou mesmo com sintomas leves). Nada de notoriamente heroico!”

A alternativa ser razoável na sua opinião ou na de qualquer outra pessoa não implica em que ela seja a única possível, já que, repito, o cerne de qualquer uma das posições não está calcado em conveniências derivadas de uma forma ou de outra de lidar com o problema, mas na maneira como a gravidez se coloca no contexto de qualquer uma das formas de tratamento.

“Essa é a alternativa ideal conservar de fertilidade a longo prazo, especialmente no subgrupo de mulheres com baixa performance reprodutiva, pois que não resulta em chance aumentada de dano à tuba.”

O fato de ser ideal num caso, ou para todo um grupo, não implica na inapropriação de outra alternativa. Esta ou é moral ou não.

“Também há diversos estudos mostrando que a recorrência de gravidezes ectópicas é semelhante em mulheres com manejo expectante ou cirúrgico – novamente, ‘culpa’ da genitora? – revelando uma possível associação com a causa base. A outra grande leva será abordada em um momento de urgência/emergência, quando o bebê já terá morrido com o desprendimento do local onde estava, partindo para a abordagem cirúrgica com fins de preservá-las pela parada do sangramento.”

Quem falou em culpa da genitora? E como saber esse dado afeta a avaliação da moralidade de uma posição ou da outra?

“Se não bastam os argumentos científicos, apelo para o argumento teológico e filosófica…”

A questão não é científica, Napoleão, é ética, isto é, filosófica. A argumentação técnica (científica?) só serve de base instrumental no campo das possibilidades.

“…que, creia, aprendi em seu próprio texto.”

Como já disse, o texto não é meu.

“O duplo efeito é inconsistente: enquanto em uma cirurgia para remoção de um tumor uterino a causa da morte do bebê não é previsível, mas possível, na remoção da trompa a morte dele é previsível e certa. Trocando em miúdos, enquanto a saúde da mãe está comprometida, no primeiro caso, pelo tumor, no segundo estará comprometida não pela trompa doente, mas pelo bebê mesmo, implantado em um local inadequado. A retirada da trompa não é senão para levar a cabo a morte do bebê, quebrando dois dos princípios intrínsecos para a aplicação da causa de duplo efeito – a falta de intenção (já exposto acima o motivo da quebra do argumento) e a razão proporcional para permissão da ocorrência do efeito mau (a vida da mãe NÃO ESTÁ CONDENADA, tampouco sua fertilidade, sem a realização do procedimento, diferentemente da do bebê).”

O fato do efeito negativo ser certo não descaracteriza o duplo efeito!

Agora, se você defende que o problema não é com a trompa, aí você vai ter de se confrontar com quem defende o contrário, e que é o grupo majoritário, inclusive entre os médicos católicos, como é dito, mais de uma vez, nos textos que linkei.

“O próprio Buscaren, principal defensor do duplo efeito na salpingectomia, admitiu que ‘não pensava que a analogia entre o caso e o do câncer uterino fosse perfeita’, perdendo, assim, a comparação vide método geométrico. Como bem descrito no texto, a única razão para que a tuba seja cortada é a remoção do embrião; o objeto da atividade não exclui como “acidental” o efeito da remoção do embrião, precisamente porque não é o efeito, mas o objeto mesmo da atividade, uma vez que a única parte da tuba que precisaria ser retirada é a em que o bebê está aderido. Está, portanto, demonstrada a incongruência por meio da taxonomia.”

A crítica a Buscaren, num dos textos linkados, só mostra o campo de possibilidades neste tema. Se você toma tal crítica como a que está com a razão, essa é uma opção que não pode ignorar a variabilidade possível, como se toda ou qualquer outra visão fosse “anátema”. Isso seria tomar o lugar do Magistério.

“Há problemas graves, me parece, pela intrusão do legalismo em questões de julgamento moral. O método geométrico comparativo a que recorrem os teólogos ignora questões simples, como a própria vida do bebê, recobrindo o princípio de uma autoridade infundada.”

O método geométrico não é o único possível e ninguém, hoje em dia, ignora a própria vida do bebê na avaliação de uma questão ética como essa. Você está tomando como verdade um dos textos disponibilizados com o mero intuito de mostrar os vários lados em jogo aqui. E observe que mesmo levando em conta as vidas em jogo, continua-se a considerar a tese de Buscaren possível.

“Mata-se por tirar-lhe os nutrientes. Que diferença faria, portanto, de deixar alguém morrer de fome? Como poderia ser segura tal proposição? Se você não a defende, sendo contrário ou neutro, deveria não expor a situação, especialmente revestida de um argumento de autoridade, ou estudá-la mais a fundo do ponto de vista médico (coisa que os gabaritados teólogos não fizeram ou não puderam fazer em seu tempo).”

A proposição é segura porque é a mais aceita por quem se preocupa em estudar esse tipo de tema sempre. Você é que, com muito estudo, tem de provar o contrário. A presunção está com o consenso teológico.

“Agora, se você defende que o problema não é com a trompa, aí você vai ter de se confrontar com quem defende o contrário, e que é o grupo majoritário, inclusive entre os médicos católicos, como é dito, mais de uma vez, nos textos que linkei.”

Como o catolicismo não está em crise, basta ser católico para ser um bom argumento.
——

“E observe que mesmo levando em conta as vidas em jogo, continua-se a considerar a tese de Buscaren possível”

Por um erro conceitual terrível e já rebatido!
Donde tiraste, Thiago, que a maioria é a favor do aborto com outro nome? Por que é difícil aceitar que se está matando o bebê?

Thiago, mas não seria uma dificuldade da questão no caso de gravidez ectópica colocada a preposição de que a intervenção cirúrgica só se justifica moralmente desde que haja hemorragia em ato? Pois sem hemorragia não há risco de morte que justifique o recurso para obter o efeito bom advindo da causa com duplo efeito.

Thiago,

O conceito de gravidez não é o foco do meu texto, caso não tenha percebido, mas é importante para a questão. Usei o tema como forma a explanar a falta de consenso na questão. A maioria dos médicos não o define precisamente. Vou repetir, a maioria. A maioria das pessoas que passa a vida se dedicando a essa questão, devotando seu estudo e seu intelecto para a causa. Não apele para um argumentum ad populum – não funciona. Os sacerdotes de Israel eram instruídos e conheciam a lei e as escrituras, mas crucificaram Cristo. Os primeiros padres conheciam a Verdade, mas ignoraram a Tradição e mandaram Santo Atanásio em exílio, excomungado. Os teólogos demonizaram Aristóteles, e foi preciso que Santo Tomás lhe fosse em defesa. Também, a maioria dos médicos veem a eutanásia como um bem – e dão razões “salutares”. A maioria apela sempre, portanto, à razão?

Deixa eu te contar uma historinha. Houve uma época em que todos os médicos examinavam os pacientes, especialmente puérperas, sem luvas após examinar cadáveres. Isso mesmo, todos, inclusive os médicos católicos. As mulheres morriam aos montes por infecção; os bebês ficavam vivos, sem mãe. Era belo e normal fazer isso, afinal, que mal havia? Alguém, uma pessoa só, resolveu experimentar lavar as mãos. As mortes caíram drasticamente. Outra, uma enfermeira, usou luvas por uma causa acidental – alergia. As mortes caíram ainda mais. Final do século XIX. Uma só, contra um mundo relutante a mudar. Hoje é antiético (senão em emergências) fazer procedimentos sem lavar as mãos.

Sei que, no caso descrito acima, os médicos não eram maus – não tinham o conhecimento à época. Sei também que na questão da gravidez ectópica tubária, os muitos médicos católicos que a defendem poderiam não ter o conhecimento que temos hoje sobre a adequada condução do caso, e sendo o sangramento é uma das principais causas de morte materna, podem ter apelado a tal conduta uma vez que incorria quase sempre na morte materna. Era uma troca proporcional. Não é mais o caso: os fatos que apresento são modificadores de conduta.

Mas sigamos em frente, desenvolvendo a questão anterior. Ora, se a questão científica não é importante, como você alega, como definir os meios ordinários ou extraordinários para salvar uma vida, por exemplo? Algo que antes era moral pode deixar de sê-lo tão logo se arranje uma solução/técnica/tratamento melhor. O manejo anterior pode (ou deve, a depender do caso) ser descartado, possibilitando, portanto, a descontinuidade de uma atitude como lícita ou moral.

O texto, que não é seu, mas de tradução, adaptação e divulgação sua, diz: “Outros afirmam que ela não mata diretamente, perfazendo tão só a remoção de uma massa de tecidos (incluindo a placenta) que está fixada no local errado (a trompa de falópio ao invés do útero), de um modo que perfaz algo análogo a um tumor invadindo a trompa, como um câncer…”. Claramente um monstro destruidor. Ou melhor, uma massa monstra e destruidora. A escolha de palavras torna a criança vil, quando na verdade a vileza pode vir – quase sempre – da mãe, por isso falei em culpa da genitora. Ela é tratada como a vítima do monstro acima, quando na verdade pode-se chamar a questão de consequência de seus pecados (por razões já demonstradas no texto anterior). Não é, então, proporcional.

Releia e veja que não falei que a existência do efeito negativo descaracterizaria o duplo efeito, do contrário eu estaria descaracterizando esse mesmo conceito. Eu argumento, repito, que não há “razão proporcional para permissão da ocorrência do efeito mau” , uma vez que “a vida da mãe NÃO ESTÁ CONDENADA, tampouco sua fertilidade, sem a realização do procedimento, diferentemente da do bebê”. Por isso repito a exaustão: só uma vida está em jogo. A da criança, que será morta apressadamente.

Repito, “o objeto da atividade não exclui como ‘acidental’ o efeito da remoção do embrião, precisamente porque não é o efeito, mas o objeto mesmo da atividade, uma vez que a única parte da tuba que precisaria ser retirada é a em que o bebê está aderido”.

Não sei de onde você tirou que Buscaren definiu o Magistério, uma vez que sua posição foi rechaçada, mas aguardo uma lista com os teólogos e autoridades eclesiásticas que tomam essa posição – a da salpingectomia para morte do bebê – como acertada. Até lá, debato com você diretamente, o divulgador.

Forte abraço.

Fontes:
1. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2943454/
2. https://apologeticacatolicasite.files.wordpress.com/2016/08/como-funciona-o-princc3adpio-do-duplo-efeito.pdf
3. As outras fontes do meu texto

Karlos, você certamente está lendo as coisas de modo muito apressado, pois já foi informado que a posição exposta no artigo é majoritária desde a década de 1920, ou seja, a não ser que você considere que nessa época já se vivia a crise que temos hoje, não cabe levantar esse argumento.

“Por um erro conceitual terrível e já rebatido!”

Para você foi, para a maioria erro é pensar do seu modo.

“Donde tiraste, Thiago, que a maioria é a favor do aborto com outro nome?”

Da monografia do Pe. Lodi.

“Por que é difícil aceitar que se está matando o bebê?”

Pergunta retórica e sem sentido, já que ninguém nega que se está tirando uma vida.

Não, Paulo, para os defensores da tese majoritária o problema é com a trompa, sendo a hemorragia apenas mais uma consequência disso (pelo menos foi assim que entendi).

A tese majoritária defende então o aborto indireto, e até aí nada a contrapor, pois tal aborto sempre foi tolerado na doutrina tradicional, inclusive pelo Del Greco. Uma trompa feminina é mais fina que um dedo mindinho e não tem elasticidade para um feto, daí que, ao meu ver, equipara-se a gestação neste lugar a uma enfermidade, e de fato é uma enfermidade gravíssima se considerarmos os efeitos: hemorragia certa e morte provável para mãe e filho se não houver atendimento de urgência. Não que o bebê seja uma doença, pois não é, porém o alojamento do mesmo neste lugar é, de certo modo, incompatível com a vida de ambos (e outra, não se retira o bebê, e sim a trompa que o contém). Aguardar o rompimento da trompa internada num hospital é um ato de admirável virtude cristã, porém de difícil preceituação para todas, sendo algo mais a ser colocado como modelo de perfeição heróica, que nem todas as mulheres são chamadas a realizar (como disseram algures no texto).

“O conceito de gravidez não é o foco do meu texto, caso não tenha percebido, mas é importante para a questão. Usei o tema como forma a explanar a falta de consenso na questão.”

Não vejo relevância para a questão, pois seja em que tese for, não está posta nenhuma dúvida sobre a existência de uma gravidez. Vale relembrar que a discussão aqui não entre pessoas que possuem uma conceito de gravidez diferente do de vida, como seria o caso de quem só leva em conta a vida fetal pós-nidação, mas de pessoas dentro do marco do catolicismo e, portanto, da reflexão bioética que promana dele.

“Sei que, no caso descrito acima, os médicos não eram maus – não tinham o conhecimento à época. Sei também que na questão da gravidez ectópica tubária, os muitos médicos católicos que a defendem poderiam não ter o conhecimento que temos hoje sobre a adequada condução do caso, e sendo o sangramento é uma das principais causas de morte materna, podem ter apelado a tal conduta uma vez que incorria quase sempre na morte materna. Era uma troca proporcional. Não é mais o caso: os fatos que apresento são modificadores de conduta.”

Em primeiro lugar, essa não uma postura “antiga”, como se depreende do comentário. Mas a posição atual de muitos médicos católicos e da maior parte dos estudiosos da bioética, plenamente cônscios das mesmas coisas que você. Ou seja, as conseqüências que você depreende como lógicas de certas informações, podem não ser tão lógicas. Além disso, a morte materna ou não, embora tenha sido com quase certeza o fator que levou a uma reflexão pormenorizada sobre a gravidez ectópica, não me parece, no argumento concreto, a causa determinante dele, já que seus defensores falam de “trompa doente”.

“Mas sigamos em frente, desenvolvendo a questão anterior. Ora, se a questão científica não é importante, como você alega, como definir os meios ordinários ou extraordinários para salvar uma vida, por exemplo? Algo que antes era moral pode deixar de sê-lo tão logo se arranje uma solução/técnica/tratamento melhor. O manejo anterior pode (ou deve, a depender do caso) ser descartado, possibilitando, portanto, a descontinuidade de uma atitude como lícita ou moral.”

Não falei nada contrário a tal conclusão. O que disse foi: “A questão não é científica, Napoleão, é ética, isto é, filosófica. A argumentação técnica (científica?) só serve de base instrumental no campo das possibilidades.” Ou seja, não é a ciência que define o certo ou errado aqui, ela só serve de limite para, no campo das possibilidades, se fazer uma escolha concreta. De uma maneira didática eu poderia explicar assim: de fato, caso exista um meio da gravidez continuar sem risco desproporcional para a gestante, esse deve ser preferido, pois assim se está preservado as duas vidas; contudo, mesmo com a existência de tal meio, isso não vai alterar o princípio geral, de modo que, se por exemplo, se estiver num local em que tal técnica hipotética inexista, a cirurgia de retirada de parte da trompa será lícita (para quem defende tal entendimento).

Sobre meios ordinários e extraordinários na medicina, indico a leitura deste texto:

https://apologetica.net.br/2016/02/11/meios-ordinarios-extraordinarios-manter-vida/

“O texto, que não é seu, mas de tradução, adaptação e divulgação sua, diz: “Outros afirmam que ela não mata diretamente, perfazendo tão só a remoção de uma massa de tecidos (incluindo a placenta) que está fixada no local errado (a trompa de falópio ao invés do útero), de um modo que perfaz algo análogo a um tumor invadindo a trompa, como um câncer…”. Claramente um monstro destruidor. Ou melhor, uma massa monstra e destruidora. A escolha de palavras torna a criança vil, quando na verdade a vileza pode vir – quase sempre – da mãe, por isso falei em culpa da genitora. Ela é tratada como a vítima do monstro acima, quando na verdade pode-se chamar a questão de consequência de seus pecados (por razões já demonstradas no texto anterior). Não é, então, proporcional.”

A escolha das palavras é algo que deve ser questionado ao autor. O que importa aqui não é cosmética, mas os princípios envolvidos.

“Eu argumento, repito, que não há ‘razão proporcional para permissão da ocorrência do efeito mau’ , uma vez que ‘a vida da mãe NÃO ESTÁ CONDENADA, tampouco sua fertilidade, sem a realização do procedimento, diferentemente da do bebê’. Por isso repito a exaustão: só uma vida está em jogo. A da criança, que será morta apressadamente.”

Essa não é a afirmação da maior parte dos estudiosos do tema, mas, concedendo que sua conclusão seja correta, ainda assim, como você mesmo disse num parágrafo anterior, isso seria hoje, ou em certos contextos, o que não alteraria o princípio geral da tese em análise.

“Repito, ‘o objeto da atividade não exclui como ‘acidental’ o efeito da remoção do embrião, precisamente porque não é o efeito, mas o objeto mesmo da atividade, uma vez que a única parte da tuba que precisaria ser retirada é a em que o bebê está aderido’.”

Está aderido porque é a parte com problema, segundo entendem seus defensores.

“Não sei de onde você tirou que Buscaren definiu o Magistério, uma vez que sua posição foi rechaçada…”

Não disse que ele definiu o Magistério, mas que o Magistério nunca condenou tal tese, que é majoritária (e portanto conhecida). E a posição dele é minimamente rechaçada.

“…mas aguardo uma lista com os teólogos e autoridades eclesiásticas que tomam essa posição – a da salpingectomia para morte do bebê – como acertada. Até lá, debato com você diretamente, o divulgador.”

O Pe. Lodi faz uma listagem de vários nomes na monografia que defende a outra posição e que também divulgo.

O Santo Ofício se pronunciou sobre isso no dia 04/05/1898, em resposta confirmada por Leão XIII ao bispo de Sinaloa (México):

3) É lícita a laparotomia, quando se trata de gravidez extrauterina ou de concepções ectópicas?

Resposta: Em caso de necessidade premente é lícita a laparotomia para extrair do seio da mãe as concepções ectópicas, desde que séria e oportunamente se proveja, na medida do possível, à vida do feto e da mãe. (DZ 3338)

Fui eu quem, em 2016, telefonei para Thiago para tratar deste assunto. Sou-lhe grato pelos esclarecimentos. Volto a este tópico para postar a transcrição que fiz de uma resposta dada por Dom Estêvão em “Pergunte e Responderemos” (dez/1957). Talvez não acrescente nenhuma novidade, mas é um bom resumo para a questão.

Abraços a todos!

Thales.

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Pergunta: “Em casos de prenhez tubária, proíbe a Igreja o aborto antes da ruptura da trompa? Será então que ela nutre esperanças de milagre?”

Resposta: A prenhez tubária se dá quando o feto humano se localiza e desenvolve fora do lugar normal, ou seja, na trompa (donde o nome de “prenhez ectópica” em sentido largo, que também lhe é dado) em tais casos, muito precárias se tornam as probabilidades de sobrevivência tanto da mãe como da criança: as vilosidades da placenta, em vista de captar o sangue necessário à existência do feto, vão corroendo as paredes da trompa, tendendo a provocar graves hemorragias e ruptura da trompa, fatais para a vida materna.

Verifica-se, porém, não ser impossível o desenvolvimento do feto assim localizado até o sexto mês de gestação; isto dependerá da posição precisa do embrião (quanto mais próximo estiver do útero, tanto mais provável será a sua subsistência). Está claro que, se a prol crescer até atingir o seu sexto mês, poderá ser extraída mediante intervenção cirúrgica, salvando-se então tanto a vida materna quanto a do pequenino. O médico dr. Clement, em seu estudo “Derecho del niño a nascer”, pag. 61 nota 41, refere-se aos seguintes dados estatísticos colhidos entre especialistas: Orillard registrou 61 casos de embaraços ectópicos em que o feto chegou a bom termo; Brown, alguns mais; Lecene, uma centena; Werder, 148.

Diante disto, a Moral crista costuma hoje recomendar o seguinte procedimento:

Quando o médico verifica um caso de gravidez tubária tal que não se preveja perigo próximo para a gestante, proporcione a esta vigilância médica sem operação cirúrgica imediata, afim de tentar, de um lado, salvar o feto, e, de outro lado, poder intervir imediatamente em caso de ruptura da trompa, garantindo assim a sobrevivência da gestante.

Caso, porém, o feto não se apresente de modo algum viável ou não haja possibilidade de colocar a mãe sob inspeção médica, não é ilícita a intervenção cirúrgica: o operador poderá extrair a trompa como extrai um órgão doente a fim de salvar a vida da paciente (não negligenciando, porém, a obrigação de batizar o feto). A intervenção em tais casos não visa diretamente eliminar o embrião (como nos casos de aborto), mas visa remover um órgão que, por estar mórbido, se tornou pernicioso ou fatal. Não há dúvida, tal órgão é portador de um feto que, em consequência da intervenção, perecerá; a morte do pequenino, porém, não é o objetivo intencionado pelo cirurgião, mas apenas efeito permitido ou tolerado. Equipara-se assim o caso ao de um útero canceroso, que é sempre lícito extrair a fim de preservar a vida materna.

Com efeito, a trompa sujeita a hemorragias e ruptura por corrosão de suas paredes pode muito bem ser considerada um órgão doente. É este o ponto preciso sobre o qual se apoia a declaração de que a operação em tais casos é lícita. Tal ponto não era tão nitidamente ponderado em fins do século passado ou no início do presente, de sorte que muitos moralistas equiparavam a intervenção cirúrgica em casos de gravidez tubária a um aborto – o que não é exato: ao passo que no aborto não há propriamente órgão doente a ameaçar a vida da mulher, no caso da prenhez tubária existe tal elemento. Esta distinção foi nos últimos decênios propugnada com aprovação eclesiástica por obra principalmente do Pe. Lincoln Buscaren S. J., cujo tratado “Ethics of Ectopic Operation” saiu em segunda edição no ano de 1944 (Editora “The Bruce Publishing Compagny”, Milwaukee Wisconsin, U. S. A.).

Observe-se, porém, que para extrair a trompa doente, o médico deverá ter razões sérias que o levem a julgar grave o perigo de morte para a gestante em caso de não-intervenção cirúrgica…

D. Estevão Bittencourt O. S. B.

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Extraído de: https://pt.scribd.com/document/12811165/Revista-Pergunte-e-Responderemos-No-008-DEZEMBRO-DE-1957#fullscreen&from_embed

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