Já disse noutra oportunidade que tenho muitas restrições ao pensamento do professor Flávio Brayner, do Centro de Educação da UFPE, tanto no campo pedagógico quando no administrativo, mas é fato que ele representa um tipo de esquerdista que quase não se encontra mais, isto é, um que de fato leu as obras que cita e que tem uma visão não sectária da atividade política. Desse modo, fazendo eco às palavras do Apóstolo: “Examinai tudo: abraçai o que é bom”, li um artigo recente dele (Jornal do Commercio, Recife, 27 de novembro de 2016) que possui uma crítica ao hedonismo contemporâneo plenamente aceitável num contexto conservador, e que compartilho agora:
Dois eventos importantes ocuparão as páginas dos jornais nos próximos dois anos: o bicentenário da Revolução Pernambucana e os 50 anos do Maio de 68 (Paris).
Vou comentar o último evento. Normalmente entendido como “um raio caído em pleno céu azul” ou uma “brecha” aberta na sociedade burguesa, na moral sexual, nas hierarquias das relações ou uma ruptura com a esquerda marxista, descortinando o universo do hedonismo moral, ali se viu a realização do princípio do prazer na política. Mas o fato é que os eventos de 68 produziram duas consequências radicais: um neo-rousseaunismo encarnado no movimento hippie e o terrorismo de esquerda vazado num desejo “progressista” de transformar o social pela violência.
O filósofo francês Luc Ferry vem, no entanto, sustentando outra tese: a de que 68 só é compreensível nos quadros do pensamento anti-humanista contemporâneo (a fobia estruturalista pelo sujeito e a crítica pós moderna à ideia de “homem” produzida pelo humanismo). O outro lado dessa história é que, ao demolir as formas hierárquicas tradicionais, inaugurando uma outra ética do prazer e da felicidade pessoal, terminou-se por abrir as comportas do patológico hiperindividualismo contemporâneo. Ou seja: a crítica radical produziu o umbilicalismo como norma de vida, a cultura do narcisismo, a débâcle das autoridades familiares, pedagógicas, políticas… A dupla Tocqueville-Marcuse venceu Marx!
Se a antiga ética do dever e da contenção pessoal exigia freios e impunha impedimentos, ela fora substituída por outra, cuja marca principal é o desejo da eterna euforia, de privatização da vida, da “liberdade” sem autonomia nem independência de nossos “jovens”, de sucesso pessoal, perfomático, competitivo que o chamado “neoliberalismo” apenas institucionalizou, mas não criou. A sociedade do hiperconsumo é a expressão definitiva desta mudança.
Essa ética do trabalho pós-calvinista, com suas exigências de meritocracia competitiva e de “empreendedorismo”, aponta para um impasse: a sociedade civil moderna foi pensada como abdicação de parte da liberdade privada para a construção do bem comum. Como nós não pretendemos mais abrir mão da nossa liberdade privada, também não podemos mais construir “bens comuns” (republicanismo) e ficamos à mercê de um mercado que explora desejos e administra egos.