Tradução e adaptação de um texto de Peter Kwasniewski:
Sem dúvida alguma o rito paulino se afastou de modo escandaloso de nossas tradições litúrgicas, e deve ser posto de lado num processo em que o verdadeiro rito romano volte a ocupar o lugar que lhe é de direito.
No entanto, os críticos do Novus Ordo às vezes fazem objeções equivocadas, insuficientemente fundamentadas em uma compreensão correta dos princípios da teologia. Por exemplo, no livre mercado da literatura tradicionalista às vezes se encontram pessoas alegando que a remoção das palavras “mysterium fidei” da fórmula da consagração do vinho invalida a forma. Embora a remoção dessa frase seja certamente censurável, ela não invalida de forma alguma o sacramento.
A razão é especificada por São Tomás de Aquino na Suma Teológica III, questão 60, artigo 8:
A outra causa a considerar é relativa à significação das palavras. Pois como as palavras operam, nos sacramentos, pelo sentido que fazem, conforme dissemos devemos considerar se a referida alteração tira às palavras o sentido próprio, porque então é manifesto que elimina a realidade sacramental.
Ora, é manifesto que, feita uma diminuição na substância da forma sacramental, desaparece o sentido próprio das palavras e portanto não se perfaz o sacramento. Por isso Dídimo diz: Quem pretender batizar, mas omitindo uma das referidas palavras, isto é, do Padre, do Filho e do Espírito Santo, não batiza completamente. Mas se a subtração for do que não é da substância da forma, essa diminuição não tira o sentido próprio das palavras e por conseqüência não priva o sacramento da sua perfeição. Assim, na forma da Eucaristia, que é — Este pois é o meu corpo — o vocábulo “pois”, eliminado, não exclui o sentido próprio das palavras e portanto não priva o sacramento da sua perfeição. Embora possa dar-se que quem o omitiu peque por negligência ou desprezo.
No caso do cálice, as palavras necessárias para realizar a transubstanciação são: “Este é o cálice do meu Sangue”. Se estas palavras forem ditas por um sacerdote validamente ordenado com a intenção de fazer o que a Igreja faz, então a consagração acontecerá, pois não há nada de ambíguo na fórmula – não há dúvida sobre o que está sendo dito, ou seja, que o cálice está cheio do Sangue de Nosso Senhor. Mas se um ministro deixasse por isso mesmo e não continuasse com o resto das palavras de acordo com o rito estabelecido pela Igreja, ele pecaria contra a virtude da religião ao deixar de oferecer o devido culto. Tal declaração incompleta, por ser contrária ao rito dado, seria ilícita; mas não levaria à invalidade, pelas razões apresentadas pelo Doutor Angélico.
O fato de muitos autores se referirem a toda a fórmula tradicional como a forma do sacramento não pode ser tomado como prova contra o argumento anterior, uma vez que próprio Santo Tomás faz uma distinção entre a forma correta e uma forma incorreta, mas não inválida. Se não adotarmos essa visão (francamente de bom senso), rapidamente teremos problemas ao tentar explicar como os ritos orientais realizam a transubstanciação, uma vez que nenhum desses ritos tem “mysterium fidei” na fórmula do cálice (a propósito, esta é também a razão pela qual é duvidoso que essa frase tenha se originado com o Senhor, embora seja possível que tenha se originado com um dos Apóstolos, por exemplo, São Pedro em Roma, o que explicaria por que é encontrado apenas no rito romano e os usos que dele derivam ou pertencem à sua esfera de influência).
Em nível eclesiológico e canônico, devemos dizer também que a autoridade suprema na Igreja tem o direito de especificar/esclarecer o que é e o que não é a forma, ou, pelo menos, o que é adequado para a realização de um determinado sacramento. O direito canônico sempre concedeu esse ponto, e não há um único teólogo que o conteste. Embora possamos e devamos lamentar o dano causado à Ordem da Missa por Paulo VI, não podemos acusá-lo de promulgar um sacramento inválido.
Em conclusão, concordo que há uma mutilação no reaproveitamento da frase “mysterium fidei”, como argumentei longamente noutro lugar. Aqui, estou simplesmente dizendo que isso não prejudica a eficácia da declaração encontrada no novo Missal, porque essa declaração contém a essência da forma – ou seja, que este [1] é o sangue de Cristo. Isso, por si só, é suficiente, todas as outras condições usuais sendo atendidas (matéria correta, ministro e intenção). Como ensina Pio XII em sua encíclica Mediator Dei, o sacrifício consiste na consagração separada do pão e do vinho; e, novamente, São Tomás deixa claro que, por mais ilícito que seja omitir parte da forma, enquanto for significada a noção de uma conversão de pão/vinho em corpo/sangue, as palavras serão eficazes.
[1] São Tomás levanta uma objeção particular às palavras de Nosso Senhor na Última Ceia (Comentário sobre Mateus, capítulo 26, versículo 26). Ele está tentando identificar o sentido exato do pronome “este” nas frases “este é o meu Corpo” e “este é o meu Sangue”. Ele aponta as várias maneiras pelas quais se pode interpretar o significado de “este” e descarta positivamente que o “este” signifique “este pão” ou “este vinho”, porque, se é isso que é significado, resultaria em uma contradição: “Este [pão] é meu Corpo” ou “Este [vinho] é meu Sangue”. Assim, após alguma análise gramatical, São Tomás conclui que o pronome “este” significa “tudo o que está sob esses acidentes”. A afirmação “Este é o meu corpo” não é, portanto, falsa, pois seu significado é: “aquilo que está sob esses acidentes é o meu Corpo”.