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Crise Teologia

Ratzinger modernista?

Texto de Joathas Bello:

Se é preciso defender D. Lefebvre da acusação besta de “protestante”, “modernista de direita” (sic) – o “perenialismo” é o modernismo de direita -, também é necessário defender Bento XVI da acusação que tradicionalistas lhe fazem, de ser “modernista” (sic).

Assim como “protestantismo” é um teor e não simplesmente uma “atitude” (de desobediência), o “modernismo” também é um teor (fundamentalmente metafísico, de onde derivam as consequências religiosas), e alguém pode fazer conclusões similares aos modernistas por razões distintas do modernismo, ainda que nascidas no mesmo “clima” intelectual.

Para o modernista, as “fórmulas” dogmáticas são símbolos de uma verdade divina “imanente” (sic) – a Divindade como elemento constitutivo do humano é uma nota constitutiva do modernismo -, cuja consciência “evolui” – sendo essa evolução captada pelo “sentimento religioso” [do divino], outra nota constitutiva do modernismo; é por não haver uma Revelação da Transcendência – o agnosticismo do Deus Transcendente é a primeira nota constitutiva do modernismo -, que as fórmulas são contingentes e até descartáveis: elas não se referem a um conteúdo dado por Outrem, sendo úteis apenas na medida em que propiciam a “união” com o divino imanente.

Um teólogo católico pode fazer uma análise da contingência das fórmulas não do ponto de vista do subjetivismo imanentista, mas da fluidez da linguagem e da perda da vigência cultural de uma determinada terminologia, por um lado, e da inesgotabilidade do Mistério Divino revelado, por outro; pode pretender “atualizar” a linguagem em favor do conceito, do dogma, de sua compreensibilidade. Pode também falar da Fé como “encontro” sem que isto seja expressão de uma gnose sentimentalista, mas simplesmente como contraponto à tendência logicista e juridicista do catolicismo moderno, como expressão do primado real da Caridade (sem nada negar da primazia cronológica da audição do Evangelho e do aprendizado doutrinal).

Esta perspectiva “existencial” tem seus problemas e limites, mas não por ser “modernista”, e sim por nunca ter sido realmente bem harmonizada com a linguagem da escolástica pré-conciliar. O CVII é uma justaposição de perspectivas, não uma verdadeira integração, daí coisas como o “subsistit in”, a “liberdade religiosa”, etc. e a necessidade da “hermenêutica da continuidade”.

A linguagem existencial pode favorecer o joio modernista, mas em si mesma é a retomada do agostinianismo, e S. Agostinho não era modernista.

De outra parte, a ideia de certo tradicionalismo, de “57 anos de heresia em Roma” (sic) é de abrumar o coração: 4 papas “heréticos” seguidos é algo que, na prática, dá razão ao “eclesiovacantismo”, por um lado, e ao “continuísmo” acrítico, por outro; tal juízo apressado não permite discutir com seriedade o problema concreto do “papa herético” e do neomodernismo que se apresenta de maneira iniludível a partir de Amoris Laetitia.

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