

Foi só o Papa Bento XVI morrer para os debiloides à esquerda e à direita soltarem suas línguas luciferianas: para uns, trata-se daquele que impediu a caminhada do “espírito do Concílio” em direção a algo que vai muito além do Papa (?) Francisco, para outros trata-se de um modernista, que talvez tenha encontrado alguma misericórdia por ter reconhecido o valor da “Missa Tridentina”. Nem uma coisa, nem a outra, pois como toda grande figura ele era complexo.
Certamente foi um dos maiores teólogos das últimas décadas, tendo dialogado, numa encíclica, com Nietzche; corrigido erros com firmeza e doçura (em especial os da Teologia da Libertação e os da “moral da situação” nos anos 80); debatido com Habermas; restaurado o lugar de direito do rito romano tradicional; começado a purgar a Igreja de sua falta de ação com desviados sexuais (pedófilos); e, por fim, ter recolocado o Papado como um servidor da Tradição (de modo que os erros de Bergoglio não me parecem ter futuro). Como pessoa, ele viveu o horror nazista em seu país e, ao mesmo tempo, o imprudente entusiasmo humanista dos anos 60; aprendeu com com a experiência aquilo que elucubrações filosóficas ou teológicas não podem ensinar.
Ontem, já na perspectiva do ocaso de suas vida, o amigo Joathas publicou no FB um texto que me parece acrescentar algo de valioso ao que falei aqui, e com ele encerro essa reflexão (não vou abrir para comentários, como é habitual, porque não estou com paciência para lidar com malucos nessa questão):
Se é preciso defender D. Lefebvre da acusação besta de “protestante”, “modernista de direita” (sic) – o “perenialismo” é o modernismo de direita -, também é necessário defender Bento XVI da acusação que tradicionalistas lhe fazem, de ser “modernista” (sic).
Assim como “protestantismo” é um *teor* e não simplesmente uma “atitude” (de desobediência), o “modernismo” também é um *teor* (fundamentalmente metafísico, de onde derivam as consequências religiosas), e alguém pode fazer conclusões similares aos modernistas por razões distintas do modernismo, ainda que nascidas no mesmo “clima” intelectual.
Para o modernista, as “fórmulas” dogmáticas são símbolos de uma verdade divina “imanente” (sic) – a Divindade como elemento constitutivo do humano é uma nota constitutiva do modernismo -, cuja consciência “evolui” – sendo essa evolução captada pelo “sentimento religioso” [do divino], outra nota constitutiva do modernismo; é por não haver uma Revelação da Transcendência – o agnosticismo do Deus Transcendente é a primeira nota constitutiva do modernismo -, que as fórmulas são contingentes e até descartáveis: elas não se referem a um conteúdo dado por Outrem, sendo úteis apenas na medida em que propiciam a “união” com o divino imanente.
Um teólogo católico pode fazer uma análise da contingência das fórmulas não do ponto de vista do subjetivismo imanentista, mas da fluidez da linguagem e da perda da vigência cultural de uma determinada terminologia, por um lado, e da inesgotabilidade do Mistério Divino revelado, por outro; pode pretender “atualizar” a linguagem em favor do conceito, do dogma, de sua compreensibilidade.
Pode também falar da Fé como “encontro” sem que isto seja expressão de uma gnose sentimentalista, mas simplesmente como contraponto à tendência logicista e juridicista do Catolicismo moderno, como expressão do primado real da Caridade (sem nada negar da primazia cronológica da audição do Evangelho e do aprendizado doutrinal).
Esta perspectiva “existencial” tem seus problemas e limites, mas não por ser “modernista”, e sim por nunca ter sido realmente bem harmonizada com a linguagem da escolástica pré-conciliar. O CVII é uma justaposição de perspectivas, não uma verdadeira integração, daí coisas como o “subsistit in”, a “liberdade religiosa”, etc. e a necessidade da “hermenêutica da continuidade”.
A linguagem existencial pode favorecer o joio modernista, mas em si mesma é a retomada do agostinianismo, e S. Agostinho não era modernista.
De outra parte, a ideia de certo tradicionalismo, de “57 anos de heresia em Roma” (sic) é de abrumar o coração: 4 papas “heréticos” seguidos é algo que, na prática, dá razão ao “eclesiovacantismo”, por um lado, e ao “continuísmo” acrítico, por outro; tal juízo apressado não permite discutir com seriedade o problema concreto do “papa herético” e do neomodernismo que se apresenta de maneira iniludível a partir de Amoris Laetitia.