Muitos anos atrás, nos saudosos tempos do Orkut, surgiu uma pergunta na comunidade que eu moderava e que depois acabou levando a muitas brincadeiras: qual era a língua de Adão? Vamos falar como ele após o Juízo Universal? Ou vamos falar em latim, ou esperanto (rsrsrs)? Foi com surpresa, então, que assisti o seguinte vídeo, do ótimo Omar Mansour, tratando de uma maneira séria e erudita sobre essa questão:
Categoria: Cultura
Num mundo em quê a aparência é o alimento que move muitas almas e o infernal sistema midiático, a seguinte reflexão de Marcelo Monteiro, publicada originalmente no FB, me parece bem adequada:
Falava há pouco com um amigo que, antigamente, os abastados não comentavam de forma aberta e liberal sobre seus bens com qualquer pessoa. A ostentação era tratada como um desvio de caráter e sinal de pura frivolidade.
Ou seja, uma pessoa demasiadamente preocupada com o próprio dinheiro dava a impressão de ser tão egoísta quanto insensível em relação ao resto do mundo, alguém soterrado na sua pequena vanglória.
Mas, hoje as pessoas – sem pudor – até mostram os dígitos da sua conta no Youtube e são tratadas como se isso fosse um super poder do qual – na forma de elã social – é capaz de inspirar os outros a fazerem o mesmo.
É fato que a ética protestante substituiu a caridade da tradição católica pelo valor do trabalho e do esforço pessoal. Na modernidade, a premissa da salvação se voltou para a ideia de um sujeito livre para interpretar as Escrituras Sagradas e, portanto, centrado em sua capacidade individual de salvação.
Como bem observa Max Weber, é exatamente essa ética que corresponde ao espírito do capitalismo e que irá vigorar no nosso tempo, não só isso, mas irá nos envolver enquanto modernos.
Agora, se tem uma virtude do catolicismo, sobre o protestantismo, é a de que a Igreja – como tradição – centrada na figura de Cristo como a do “amor doador”, sempre desempenhou o papel de não deixar as pessoas transformarem Deus num gênio pessoal.
Mas, de fato, não foi esse o cristianismo que se aliou ao espírito do capitalismo, nem essa versão fraternal de amor. Essa é separada e rejeitada quando pensamos na mercadologia dos bens a servir a nossa progressiva individualidade.
Questionado sobre a “ostentação” da antiga nobreza europeia, o autor esclareceu:
Faziam transparecer o seu valor moral por meio de sua riqueza. Neles a riqueza não era um fim, mas um meio dissimulado para exprimir virtudes. Certamente, muitos nobres não eram nobres por suas virtudes, mas por sua riqueza material e linhagem sanguínea. A alta burguesia também tem um pé na antiga nobreza, pois, sendo plebeia, usava sua riqueza material para simular virtudes entre os nobres; quando a revolução liberal se deu, a alta burguesia se colocou muitas vezes no espectro conservador contra os revolucionários. Já a pequena burguesia faz o dinheiro objeto próprio de sua pequena felicidade. A nova burguesia não está vinculada aos valores do velho mundo, penso que é essa a promotora da finalidade protestante. Não lhe interessa honra, coragem ou glória, atributos cavalheirescos, tampouco a virtude da fé, que são todas inclinações a um bem maior que o próprio indivíduo, mas tão somente o dinheiro e o conforto material que ele traz na sociedade de mercado. Passamos de um ethos de dissimular virtudes para a ostentação descarada.

Tradução e adaptação de um artigo de Jane Stannus:
“Destrua os Quatro Velhos”. Este slogan era central na chamada Revolução Cultural chinesa, lançada em Pequim em 1966. Quais eram os “Quatro Velhos”? Velhas ideias, velha cultura, velhos hábitos e velhos costumes. A destruição começou simplesmente renomeando ruas (qualquer semelhança com o que ocorre hoje no Ocidente, por pressões do “politicamente correto”, não é mera coincidência), lojas e mesmo pessoas, que mudaram seus nomes chineses tradicionais por maluquices do tipo “Vermelho Determinado”.
A violência logo se seguiu. Guardas vermelhos invadiram as residências dos mais ricos para destruir livros, pinturas e objetos religiosos. Prédios históricos foram demolidos ou tiveram sua visitação vetada. Cemitérios nos quais estavam os restos mortais de notáveis da época pré-revolucionária foram vandalizados, suas tumbas dessacralizadas. Antigos costumes em torno do matrimônio, de festivais e da vida familiar proibidos. Templos e igrejas foram derrubados ou vertidos para algum uso secular.
Por que? Por que tudo isso foi necessário?
Porque, segundo o entendimento de Mao, as tradições do passado tinham de ser destruídas para dar lugar a novas ideias, a uma nova cultura, novos hábitos e novos costumes. Em resumo: o comunismo marxista é tão estranho a qualquer sociedade tradicional, que as pessoas identificadas com ela, seja cultural ou religiosamente, são psicologicamente incapazes de aceitá-lo.
Essa sequência no Twitter nos mostra que a chamada cristianização das festas pagãs foi algo bem mais complexo do que se pensa:
Without getting into the ins and outs of the ‘Is Christmas pagan?’ debate, it’s worth dealing with some faulty assumptions people often make about the ‘Christianisation’ of pre-Christian traditions (buckle up for the thread…)

First of all, language people use in this area can be quite emotive, e.g. talk of Christians ‘usurping’ or ‘sanitising’ a pre-existing pagan festival. There’s a tendency to ascribe a collective agency that never existed to ‘the Church’ or ‘Christians’ when it comes to Midwinter
Trecho de entrevista (“História sem luminosidade”) com o filósofo Roberto Romano, da UNICAMP, publicada no Jornal do Commercio (Recife) em 23 de agosto do corrente ano, e que mostra como estamos caminhando rapidamente para o “reino da superficialidade e do imediatismo” na vida cultural :
Em tempos de escritas rápidas e de leituras idem o livro se transforma em objeto ignorado mesmo entre pessoas habitualmente consideradas intelectuais. O livro supõe um tempo lento de escrita, impressão, difusão, leitura. Mesmo com os avanços técnicos trazidos pelo computador, lançar um livro é menos ágil do que ler e redigir algo nas redes sociais. O jargão dos usuários daqueles serviços é demais eloquente: um escrito com mais de 3 mil caracteres é “textão” enfadonho. Não é de hoje o problema, nem é exclusivamente da internet.
(…)
Hans Robert Jauss e outros que elaboraram uma estética da recepção indicam: livros de longo fôlego não carreiam o entusiasmo do leitor domesticado pela cronologia da TV, rádio, etc. Poemas e compêndios que reúnem muitas páginas são mencionados mas pouco lidos. O Paraíso Perdido de Milton, Os Lusíadas, a Divina Comédia, integram a lista. A quantidade cansa. Em cada linha é preciso recolher informações que só a ordem erudita fornece. Se no caso de livros clássicos tal óbice existe, imaginemos a cultura dos instantâneo que rege o mundo digital. Nela, alguém escreve algo em Pequim e na pequena São Bento do Sapucaí chega de imediato a mensagem enviada. O livro exige tempo, paciência e memória. Nas ciências ele supõe saberes multifacetados, das matemáticas à geografia, da física às biologias. Não se lê um volume teórico ou menos um romance com a rapidez que marca o WhatsApp.
Este vídeo já é antigo, mas é um indicador de como as chamadas “potências ocidentais” esqueceram as lições dos clássicos, para os quais um governo é bom na medida em que atua em prol do bem comum, trocando-as pela “ideologia democrática” e, desse modo, caindo na lábia dos islamitas: