Tradução e adaptação de um texto do blog Athanasius Contra Mundum:
Em outras ocasiões escrevi sobre o Breviário, mas quero ir em uma direção diferente sem me repetir muito.
Como se pode imaginar, não gosto da Liturgia das Horas de forma alguma. Simplesmente não consigo vê-la como uma expressão de oração semelhante ao que sempre foi adotado pela Igreja, no Oriente e no Ocidente, desde os tempos mais antigos. Ela é modelada a partir do Breviário de Quiñones, que tinha 3 salmos para cada ofício, e foi suprimido porque tornava a oração da Igreja muito curta e organizava os salmos sem levar em conta seu lugar histórico ou sua conexão com período do dia. A Enciclopédia Católica de 1911, com base no consenso do julgamento litúrgico, disse a respeito de Quiñones:
À luz da tradição e dos princípios litúrgicos, o único veredito possível naquele Breviário de Quignonez, sendo construído sobre princípios a priori, violando a maioria das regras litúrgicas, é de que deve ser condenado… Cada Hora tinha três salmos; e em consequência dessa regularidade severa, desapareceu o motivo profundo e histórico que dava a cada uma delas suas próprias características. (fonte)
Não foi porque Quiñones era mau, ele era de fato um grande clérigo, e efetuou a libertação do Papa Clemente VII da prisão de fato imposta por Carlos V. Além disso, ele resistiu às tendências da época de restaurar o latim ao uso pagão para se conformar com a antiguidade. Foi condenado porque fez uma espécie de “Novus Ordo” com o Breviário. Hoje não temos nem um Breviário tão bom quanto o dele, pois nem mesmo o do rito paulino tem todos os salmos. O conceito de vigílias, ou Matinas, como existia no antigo Breviário que sobreviveu à Idade Média, foi destruído na versão de Quiñones, e da mesma forma na versão de 1970. Três salmos dificilmente carregam a tradição antiga, embora deva ser admitido que as duas leituras em si mesmas são quase do mesmo tamanho as do 2º e 3º noturnos no esquema tradicional.

Os princípios do Ofício Divino, as leis litúrgicas e os caracteres das Horas eram de uso antigo. Quando São Bento estabeleceu o que viria a ser o Ofício Monástico em sua regra, ele próprio estava se baseando na tradição antiga, particularmente na tradição romana (e ironicamente, é o Ofício Monástico o único hoje que mantém essa tradição). Esta é uma razão, claro, pela qual eu rezo o Ofício Beneditino: a divisão dos Salmos é aproximadamente a mesma que São Bento estabeleceu e como seus primeiros monges rezavam. Embora tenha mudado e sofrido adições ao longo dos anos, ele é substancialmente um produto da tradição. Semelhante a rezar a antiga forma de Missa, há algo ao mesmo tempo humilhante e inspirador em rezar o mesmo Ofício Divino que os monges antigos e medievais faziam. Outro benefício do Ofício Beneditino é que os monges não modificaram seus hinos durante a reforma de Urbano VIII e, portanto, mantiveram o estilo herdado. Além disso, o Ofício Monástico também não sofreu nenhuma mudança no Saltério durante as reformas de São Pio X, ou seja, muitas características que foram abolidas no Ofício Romano permanecem nele, como os “salmos Laudes” (148-150) no final das Laudes (de onde essa Hora recebe seu nome), e o uso do salmo 50 todos os dias. A duração dos salmos no Ofício Beneditino e Romano pré-Pio X é interessante. O beneditino, por exemplo, começa as Laudes todos os dias com o salmo 66, e então o salmo 50 é rezado. Dois salmos e o cântico diferem a cada dia, e então os “salmos Laudes” são ditos. A única diferença no romano é que o salmo 66 não era rezado. Então a Hora geralmente tem 8 salmos (mais um pouco no domingo). As Vésperas no beneditino são geralmente apenas 4 salmos, ao contrário de 5 no romano. Matinas eram 12 salmos no Breviário Romano e 12 no Beneditino, seguidos por 4 cânticos bíblicos.
Outro ponto interessante é que as Completas são as mesmas todos os dias, e o tom desses salmos é sempre de defesa durante noite. As Horas menores no Breviário Beneditino são exatamente as mesmas de terça a sábado, e depois de um tempo se começa a memorizá-las. Isso permite que se medite melhor no sentido dos salmos (ir além é algo só para monges).
A reforma de São Pio X do Breviário Romano inicia uma tendência que termina no Novus Ordo, embora o santo Papa dificilmente pudesse ter imaginado isso. Primeiro, mesmo que mudanças tenham sido efetuadas no Breviário ao longo do tempo, o Saltério Romano foi mantido em sua integridade, que é mais antiga do que o Cânon da Missa em sua forma atual. Com a mudança na distribuição dos salmos, a ideia de permanência na liturgia foi impugnada, e abriu a porta para novas iniciativas. Vale lembrar, contudo, que o caráter das Horas permaneceu em grande parte o mesmo, embora agora um tanto uniforme. 5 salmos para Laudes, 5 salmos para Vésperas, apenas 9 para Matinas, enquanto todas as leituras permaneceram as mesmas. As Horas Menores agora receberam salmos que antes eram ditos nas Matinas ou nas Laudes, para que variassem todos os dias. Tudo isso foi motivado por mudanças pastorais. As rubricas deixaram em vigor um princípio pastoral muito importante: o padre poderia dividir as Matinas (que é muito longa) para melhor realizar seu trabalho paroquial. De acordo com um bom sacerdote que conheço, uma das mudanças feitas por Bugnini quando ele serviu na congregação de ritos antes do Vaticano II, foi eliminar essa rubrica e exigir que os padres dissessem as Matinas em um bloco e não a dividissem. Funcionalmente, isso significava que os párocos tinham que reservar uma hora inteira para o Ofício Divino. Isso é apropriado para um monge ou um padre do interior, mas um padre em uma grande paróquia de muitas almas pode ter problemas com tal dinâmica.
Resultado: criou-se um desdém entre o clero pelo Ofício, que é exatamente o que Bugnini queria. É por isso que quando a Liturgia das Horas chegou, tantos padres a aceitaram de bom grado: 3 salmos e 2 leituras que podem ser antecipados no dia anterior à noite ou ditos mais tarde no dia!
E se olharmos para o Breviário do Novus Ordo, a Liturgia das Horas de 1974, há algumas coisas muito desagradáveis sobre ele. Como o de Quignonez, cada Hora agora tem 3 salmos (exceto as Completas que têm um, mas inexplicavelmente 2 para o sábado e a quarta-feira). Além disso, um dos maiores problemas com o saltério de São Pio X, o do salmo 50 não ser dito todos os dias como era costume, permanece. Mais: o saltério de São Pio X, pelo menos, requer o salmo 50 diariamente durante os períodos penitenciais, já o Novus Ordo nem isso faz. Isso me incomoda em vários níveis. Um amigo meu que foi ordenado recentemente, em discussão sobre este tópico, exclamou: “Se você parar de pedir por misericórdia pela manhã, o que vai acontecer em termos de orgulho durante o dia?” Como tantas outras coisas, você vai parar de obtê-la. É o mesmo com as Orações Leoninas após a Missa, ou o uso das coletas adicionais rezadas pela Igreja antes de Bugnini suprimi-las. Se você parar de orar pela defesa da Igreja, ou pela libertação contra a perseguição, você consegue adivinhar o que vai acontecer? Você deixará de obter defesa, deixará de ver até mesmo uma liderança eficaz trazendo disciplina de dentro. Peça e será dado, mas o que acontece se você não pedir?
Este é o problema com muitas das mudanças tanto no Ofício quanto na Missa.
Outro problema com a Liturgia das Horas do Novus Ordo é que a nova Vulgata não tem nenhum decreto por trás dela de infalibilidade na fé e na moral. A Vulgata mais recentemente promulgada sob o Papa Clemente VIII, por outro lado, tem essa garantia tanto do concílio de Trento quanto de vários papas. João Paulo II nunca estendeu tal autoridade à nova Vulgata promulgada sob seu reinado. Portanto, se você está rezando a Liturgia das Horas ou o saltério de Pio XII, seu texto nem mesmo tem a garantia de estar livre de erros na fé e na moral como o Breviário tradicional e o saltério clementino! Imagine rezar a nova Vulgata por 4 semanas, arrepio!
Muitas pessoas reclamam do saltério de quatro semanas, mas isso não apresenta um problema além da novidade. Não há nada de errado na teoria ou mesmo na prática em recitar um saltério de quatro semanas, exceto que os Padres da Igreja do Ocidente e do Oriente, quando exigiam que os fiéis comparecessem ao Ofício Divino cantado nas igrejas, escolheram um saltério de uma semana, não um de quatro. O importante sobre isso é que os primeiros bispos focaram em leigos que tinham que trabalhar e também orar, e eles escolheram um esquema semanal. A razão para isso era para que os fiéis se familiarizassem com os salmos e incorporassem suas orações em seu dia. Que orações melhores existem do que aquelas que são bíblicas e inspiradas pelo Espírito Santo? É por essa razão que o rito tradicional incorpora tantos salmos na Santa Missa.
O pior elemento sobre o Ofício do Novus Ordo são as orações de intercessão contidas nas Laudes e Vésperas. Lá muitas vezes encontramos petições de justiça social, datadas e sem graça, incluídas de forma banal no livro de orações oficial da Igreja. Compare isso com as petições do Breviário tradicional anteriormente ditas em certos dias nas Laudes e Vésperas, com orações pelo Papa, orações pela Igreja, orações por conversões, por defesa da perseguição injusta, etc. Um padre santo que conheço olhou para esse problema no seminário e questionou sua vocação, porque em suas palavras: “Eu não poderia dizer esse absurdo todos os dias da minha vida, enquanto quando olhei as do Breviário tradicional, eu sabia que poderia rezá-las .”
Assim, mesmo com os problemas da reforma de São Pio X, eu ainda prefiro esse Breviário à Liturgia das Horas de 1970, que é apenas uma confusão de experimentos litúrgicos. A solução, na minha opinião, é permitir uma certa liberdade neste tema. Em outras palavras, permitir que os sacerdotes voltem para formas anteriores do Ofício Romano, ou para os breviários monásticos de diferentes ordens. Idealmente, é claro, alguém gostaria que o bispo o regulasse de acordo com o Breviário que ele reza, mas o resultado disso seria: “Bem, reze a Liturgia das Horas”. E se ele fizer isso! Fui convidado uma vez para uma reunião de vocações em uma chancelaria, e o Breviário do bispo estava em uma mesa em um corredor. O que despertou minha curiosidade foi o fato de que era a cor errada para o tempo litúrgico (ele usava uma edição com capas coloridas). Eu o movi, e um contorno afiado de poeira o cercou. Disse-me tudo o que eu precisava saber!
Para ter acesso ao Ofício Beneditino, como sugerido no texto, a melhor opção para o leigo é a compra do Diurnal Monástico.

7 replies on “Pensando sobre o Ofício Divino”
Certa vez li algures: se você acha um absurdo o que fizeram com a missa, é porque não sabe o que foi feito com o Breviário.
Thiago, no caso do Diurnal Monástico, não ficaria “quebrado” o breviário, no sentido de faltarem as horas noturnas? Sei que o leigo não está obrigado a recitar o ofício divino, mas fazer uma coisa pela metade me soa estranho. A Liturgia das Horas, quer queira, quer não, fica completa nesse sentido. No mais, parabéns pelo artigo. Parece que a Igreja editou um “ofício parvo” como novo breviário para a Igreja universal. Parece que conforme vai esfriando a fé, o empobrecimento da liturgia (das rubricas, passando pelos paramentos e até a arquitetura dos templos) é uma consequência inexorável.
Mas qual o problema do Ofício ser quebrado? Rezá-lo totalmente sempre foi para monges. Não vejo o menor sentido em leigos e religiosos ativos rezarem as Matinas. Pense no fato de que as Horas se desenvolveram a partir de apenas duas, as Laudes e as Vésperas, e que cada uma tem seu próprio caráter. Para leigos, fico com o que é afirmado neste texto, ou com o Ofício Parvo de Nossa Senhora.
Quanto à comparação da Liturgia das Horas com um ofício parvo também discordo, seja porque a intenção que norteou a criação dela não é a mesma da que norteou os ofícios parvos, seja porque também percebo nela coisas positivas na comparação com o Breviário Romano (vale lembrar que o texto é uma tradução para reflexão, o fato de eu publicá-lo não quer dizer que concorde com tudo o que diz).
Muito bom dia. Cabe dentro desse assunto e acredito que até nesse ponto que você comentou do Ofício ser “quebrado”, tenho uma dúvida com relação a leitura do Ofício Parvo como condição do Privilégio Sabatino, já que uso o Escapulário.
Acredito que a resposta seja óbvia, porém é bom perguntar para esclarecimento a outros fiéis também: aos leigos, por exemplo, por questão de tempo e outros, não é preciso rezar todas as horas do Ofício para atender a essa condição, correto?
Faço esse questionamento, pois vou migrar para a leitura da edição traidicional que encontrei nesse site (as antigas anteriores a edições do Vaticano II), rezando as Primas e as Completas diariamente e nos domingos mais horas, atendendo a essa condição.
Eu vinha rezando a edição disponibilizada nesse link aqui: https://quemrezasesalva.com.br/bibliotecadigital/officium-parvum
PORÉM, temo que essa versão seja bastante alterada conforme as mudanças pós-conciliares do Vaticano II, por isso farei a troca. Muito obrigado pela eventual resposta, Deus abençoe a todos nós!
Oi Luís, essa edição que você linkou eu já vi em alguns sites e não sei a origem dela, mas ela não é o Ofício Parvo como se divulga. O Ofício de Nossa Senhora, que é uma forma de oração oficial, não passou por nenhuma reforma após o Vaticano II, de modo que quem publica algo com o nome “Ofício Parvo” e cheio de modificações está fazendo isso em nome próprio. Ou seja, quem reza a partir dessas edições, não está cumprindo o necessário para obter o privilégio sabatino.
Ainda sobre esse privilégio e o Ofício Parvo, em todas as referências que li, não se fala que se pode obtê-lo com a recitação de apenas uma das Horas ou de algumas delas, fala-se do Ofício todo. O que acontece é que, para quem não sabe ler, essa obrigação pode ser modificada por outras.
Trabalho de madrugada e gostaria de rezar o Ofício. Como devo fazer? Rezo Primas de noite, quando acordo, e Completas de dia, quando durmo? Ou faço o contrário?
Isso seria incomum, Altair, mas como o leigo não é obrigado a seguir o horário oficial das Horas do Ofício, acredito que rezá-las do modo que elas façam mais sentido é o caminho ideal, ou seja, no seu contexto de vida rezar as Primas a noite e as Completas me parece possível.