Tradução e adaptação de um texto (Modernism Today) do Professor D. Q. McInerny, Ph.D, do Seminário Nossa Senhora de Guadalupe, da Fraternidade de São Pedro, e publicado no boletim de notícias do distrito americano dessa fraternidade em agosto do corrente ano.
O modernismo não é algo que ficou no passado. Pode-se pensar que os efeitos operados pela encíclica Pascendi Dominici Gregis escrita pelo Papa São Pio X em 1907 foram todos positivos, e que a cabeça da serpente da “síntese de todas as heresias” foi esmagada. Mas não foi isso que ocorreu. Na verdade, os modernistas foram de certa forma disciplinados pela encíclica, mas não subjugados. As respostas deles ao documento foram variadas: a maior parte optou pelas catacumbas, e lá ficaram, escondidos, por algumas décadas. Contudo, no tempo próximo ao Vaticano II, eles audaciosamente reemergiram, mais resolutos e combativos do que nunca, confiantes de que tinham um novo sopro de vida. O fato sombrio é que ainda hoje o modernismo está muito vivo e, desconcertantemente, mostrando todos os sinais de uma saúde robusta. Por isso não podemos nos permitir complacência, e seria inconcebível supor que a Igreja não continua a ter nele um inimigo dos mais perigosos, e, mais ainda, como enfatizaram os Papas São Pio X e Pio XII, um “inimigo interno”.
Se a maior parte dos modernistas e de seus discípulos optaram por cair num silêncio prudente em resposta à Pascendi, alguns fizeram exatamente o oposto e se tornaram mais descarados na disseminação das suas idéias heréticas; foi devido a esse tipo de reação que São Pio X publicou, em 1910, o motu proprio Sacrorum Antistitum, no qual reiterava os ensinos da encíclica e, em adição, mandava que todos os que ensinassem nos seminários ou tivessem alguma posição administrativa neles fizessem o Juramento contra o Modernismo.
Que os modernistas ainda estivessem trabalhando com afinco para causar problemas à Igreja pelo meio do século é algo claramente evidenciado pela publicação, em 1950, da encíclica Humani Generis do Papa Pio XII, na qual ele chama a atenção para algumas das principais características dessa heresia que seu santo predecessor já tinha abordado quarenta anos antes. Por exemplo, ele nota a ligação do modernista com a filosofia evolucionista, que chama apropriadamente de uma “opinião monista e panteísta”; ele alerta contra “as falsas afirmações do evolucionismo, no qual se repudia tudo que é absoluto, firme e imutável”. Os modernistas querem que a Igreja siga a “corrente” do tempo, constantemente ajustando e reajustando suas crenças para que se sincronizem com as escolhas do mundo. Em verdade, o que eles desejam, explica Pio XII, é o “relativismo dogmático”, que terá sucesso, segundo seu ideal, quando a sagrada doutrina se expressar de um modo que reflita “categorias da filosofia de nosso tempo, quer sejam do imanentismo, quer sejam do idealismo, quer sejam do existencialismo ou de qualquer outro sistema.” Obviamente, o efeito de fazer isso seria uma distorção radical da doutrina, roubando sua clareza dogmática e definitividade. O Credo começaria não com “Eu creio”, mas com algo do tipo “Parece-me, talvez…”
O Papa cita o bem conhecido desdém dos modernistas pela filosofia escolástica em geral e pelo tomismo em particular. Mas eles vão além disso, pois “passam facilmente do desprezo da teologia escolástica ao pouco caso e até ao desprezo do próprio Magistério da Igreja, que dá com sua autoridade tão notável aprovação a essa teologia.” Devido ao comprometimento dos modernistas com o imanentismo, eles são especialmente antagonistas, ele destaca, da teologia natural, que é fundada na premissa de que o homem pode, com o exercício da razão, provar a existência de Deus, assim como especificar alguns de seus principais atributos.
Lendo a Humani Generis hoje em dia, alguém imediatamente se torna consciente de que os erros apontado pela encíclica ainda precisam ser contidos mais de sessenta anos depois de sua publicação. Sobre esse ponto, ela não perdeu a atualidade. Há muitas características no presente estado da Igreja que são efeitos específicos dos danos que a influência do modernismo promoveu nas décadas recentes. Vou listar algumas delas, sem uma ordem particular:
- O estado decrépito da catequese, resultando numa situação em que muitos católicos jovens são abismalmente ignorantes das coisas mais básica da fé.
- A desorientação da educação católica, especialmente da superior, que fez com que muitas das nossas admiráveis instituições ficassem “católicas” apenas no nome.
- O “catolicismo de oportunidade”, em que se “pega e se escolhe o que se quer”, e que levou multidões de fiéis e clérigos de vários níveis a não acreditarem na Presença Real de Nosso Senhor no Santíssimo Sacramento, ou a rejeitarem o ensino sobre a contracepção.
- O venenoso espírito de dissidência, não só entre teólogos e filósofos, mas entre católicos de todos os tipos, em especial os políticos, que os faz ignorar, ou agir diretamente, contra o ensino claro da Igreja num sem número de matérias no campo da moral.
- A acomodação crescente, baseada na noção absurda de que a principal tarefa da Igreja é trocar sua postura contra-cultural firme por uma mentalidade que balança aos ventos da modernidade.
Nós estamos sem remédios na luta contra o modernismo? De maneira nenhuma. O Papa Pio XII, na Humani Generis, ao reafirmar diretamente o que São Pio X tinha posto na Pascendi, nos proveu de um plano de ação definitivo que vai diretamente à fonte dessa fabrica de erros. Todos esses erros são, em última instância, originados por pensamentos equivocados que, por sua vez, têm sua gênese numa má filosofia. O remédio para a má filosofia é a sã filosofia, a filosofia que sem ambiguidades e compromissos se dedica à busca da verdade. São Pio X e Pio XII, como já tinham assinalado alguns de seus predecessores, deixaram abundantemente claro que é a Escolástica, que tem sua expressão mais elevada no pensamento de Santo Tomás de Aquino, a filosofia que a Igreja considera o objeto apropriado para nossa dedicação. Essa é a filosofia, diz Pio XII, que é “conhecida e aceita pela Igreja.” Assim sendo, ele destaca, nos não devemos, como os modernistas gostariam, abandonar essa filosofia, nem “jamais subvertê-la com falsos princípios, nem estimá-la só como um grandioso monumento de valor puramente arqueológico.” Essa é a filosofia que, quando estudada “de acordo com o método, doutrina e princípios do Doutor Angélico”, será o meio certo para se ir de encontro e eventualmente superar a ameaça contínua do modernismo.
Uma resposta em “O combate ao modernismo hoje”
Eu acho importante incutirmos nos nossos filhos e amigos a ideia de que a fé não é uma muleta. O grande problema das pessoas hoje é que usam a fé como muleta, e os que compreendem isso, mas não têm uma ideia mais sublime do que seja a fé, tornam-se céticos. A verdadeira fé – um ato intelectual de confiança na palavra de alguém, seja ele Deus ou homem – exige a adesão, inclusive, àquelas coisas que estranhamos, que não gostamos, que nos fazem mal até pensar. Mas isto é a fé: é conhecer a verdade, por mais que ela nos aflija. Se eu adiro a uma religião de que eu simplesmente gosto e me sinto bem, é melhor perder o meu tempo jogando cartas, lendo um bom livro ou fazendo alguma coisa mais agradável, porque eu estou apenas a fim de curar minhas feridas, de encontrar alguma atividade que me faça bem, e não de saber a verdade.
A verdade, por sua vez, não pode ser aquilo que eu, uma pessoa dentre as muitíssimas que passaram por este mundo, gostaria que fosse, mas é algo objetivo, anterior a mim, que pode estar totalmente contra as minhas expectativas, mas, mesmo assim, eu amo, porque a verdade é o ser, e nós como parte dela, nos inclinamos a ela.