Texto original: New liturgical movement
Por Peter Kwasniewski
****************
Quantas vezes os apreciadores do Rito Romano clássico já ouviram a objeção: “A Missa nova é melhor que a antiga porque permite maior participação ativa dos fieis”, ou “A Missa antiga tinha de ser eventualmente reformada, porque o sacerdote era o único fazendo alguma coisa, e as pessoas eram todas espectadoras mudas”. Meu objetivo neste artigo é refutar tal alegação e demonstrar que, pelo contrário, o oposto é verdadeiro.
Ativa/Efetiva Participação
Quem se ocupa em sentar-se e estudar a Sacrosanctum Concilium é frequentemente surpreendido por quão este documento é desconhecido, ignorado ou contrariado pela prática Católica contemporânea. Muitas vezes há frases riquíssimas, e ainda assim a maneira com que foram transformadas em propagandas enfraqueceram as suas nuances e profundidade originais.
A mais notória vítima deste processo de simplificação jornalística foi a noção de “participação ativa” ou participatio actuosa. A palavra actuosa por si mesma é interessante: ela significa engajamento completo ou total em uma atividade, como um dançarino ou um ator que dá seu máximo na dança ou na atuação; ela pode ser considerada “super ativa”. Mas qual a noção de atividade aqui? É de realização do potencial completo de uma pessoa, antes como o ganho da posse de um bem ao invés da descoberta de uma qualidade latente. No português contemporâneo, “ativo” muitas vezes significa simplesmente o contrário de passivo ou receptivo, mas, em uma perspectiva mais profunda, vemos que esses sentidos não são, de maneira alguma, contrários. Eu posso ser ativamente receptivo para a Palavra de Deus; eu posso estar pondo em prática inteiramente minha habilidade na Missa com os cantos, orações, e cerimônias, sem fazer muito do que seria denominado “ativo” no português contemporâneo. [Nota 1] Como João Paulo II explanou em uma correspondência aos bispos norte-americanos em 1998:
“Participação ativa certamente significa que, no gesto, palavra, música e serviço, todos os membros da comunidade tomam parte em um ato de adoração, o qual é tudo menos inerte ou passivo. Contudo, a participação ativa não se opõe a participação passiva do silêncio, quietude ou escuta: na verdade, ela a exige. Os adoradores não são passivos, por exemplo, quando escutam as leituras ou a homilia, ou seguindo as orações do celebrante, e os cantos e música da liturgia. Essas são experiências de silêncio e quietude, mas são, da sua maneira, profundamente ativas. Em uma cultura que nem favorece nem estimula meditação silenciosa, a arte da escuta interior é aprendida somente com dificuldade. Aqui vemos como a liturgia, embora deva ser sempre propriamente inculturada, deve ser contra-cultural”. [link]
Se seu coro ou Schola cantam Cantos Próprios ou motetes na Missa, ou se você gostaria de ver isso acontecer algum dia, assegure-se de ter o texto de João Paulo II pronto para a pessoa que se opuser: “Mas as pessoas precisam cantar tudo!” [diriam alguns]. Dom Alcuin Reid explicou a intenção do Concílio muito sucintamente em uma entrevista no dezembro passado:
“O Concílio convocou a participatio actuosa, que é primeiramente nossa conexão interna com a ação litúrgica – com o que Jesus Cristo faz em sua Igreja nos ritos litúrgicos. Essa participação é sobre onde se encontram minha mente e meu coração. Nossas ações externas na liturgia servem e facilitam isso. Mas a participatio actuosa não é a primeira e principal atividade, ou a realização de um ministério litúrgico especial. Isso, infelizmente, tem sido um equívoco comum do desejo do Concílio.”[link]
Ora, mesmo o mal entendido comum do “ativo” tirado do caminho, é fato muito curioso que a expressão do Sacrosanctum Concilium 14 seja raramente citada [por completo]: “A Mãe Igreja sinceramente deseja que todos os fieis possam ser levados a total, consciente e ativa participação nas celebrações litúrgicas, exigida pela própria natureza da liturgia”. (no original: “Valde cupit Mater Ecclesia ut fideles universi ad plenam illam, consciam atque actuosam liturgicarum celebrationum participationem ducantur, quae ab ipsius Liturgiae natura postulatur”). O que aconteceu com o “total” e “consciente”?
Participação conscienciosa
Discutamos essa questão a fundo. Depois de décadas frequentando a Missa tanto na forma ordinária quanto na forma extraordinária (ambas celebradas conforme as regras), eu fiquei convencido que há, paradoxalmente, uma possibilidade muito maior de, conscientemente, não prestar atenção à Missa em vernáculo, precisamente por causa de sua familiaridade: torna-se como um ato reflexo, as palavras podem entrar e sair enquanto a mente está distante. O vernáculo é nossa zona de conforto diária, e, por isso, ele não prende nossa atenção. Essa é a razão por que quando estamos em um lugar agitado onde muitas pessoas estão falando, tendemos a não perceber nem mesmo que estão falando – enquanto que quando ouvimos uma língua estrangeira, algo diferente da nossa língua pátria, subitamente ela captura nossa atenção.
Sem dúvida, essa falta de atenção pode ocorrer no âmbito de qualquer língua: como alguém já disse uma vez, eu posso calcular finanças em minha cabeça enquanto canto o Credo em latim – se eu venho cantando-o toda semana por anos. Mas, no entanto, parece evidente que este perigo é significativamente menos presente com o usus antiquior, por duas razões:
Primeiro, sua estranheza exige do fiel algum esforço para entrar nele; de fato, ele exige do fiel uma decisão sobre se de fato ele deseja entrar nele ou não. É quase inútil sentar-se lá [para a Missa no Rito Antigo] a não ser que você esteja pronto para fazer algo para engajar-se na Missa ou pelo menos para começar a rezar. O uso do missal quotidiano, muito difundido em comunidades tradicionais, é um meio poderoso de assimilar o espírito e o coração da Igreja em oração – e, para mim pessoalmente, seguir as orações em meu missal equivaleram a formações de décadas do meu espírito e coração, dando-me apetite por coisas espirituais, exemplos de santidade, regras ascéticas, aspirações e resoluções. Quando assisto à Forma Extraordinária, eu estou sempre muito mais ativamente engajado na Missa, porque há muito mais que se fazer (voltarei a este ponto depois) e parece muito mais natural usar um missal para me ajudar a fazê-lo.
Segundo, a Missa Latina tradicional é tão obviamente focada em Deus, direcionada a Sua adoração, que quem está mentalmente presente ao que está acontecendo é inevitavelmente atraído aos sagrados mistérios, mesmo que apenas no nível mais simples e mais fundamental, reconhecendo a realidade de Deus e adorando nosso Bendito Senhor no Santíssimo Sacramento. Receio dizer, mas não é de forma alguma claro que a maioria dos católicos que frequentam as liturgias da forma ordinária em vernáculo sejam alguma vez confrontados inequívoca e irresistivelmente com a realidade de Deus e necessidade de adoração. Ou, em outras palavras, a liturgia antiga gera essas atitudes na alma, ao passo que a liturgia nova as pressupõem. Se você não tiver a reta compreensão e estado de espírito, o Novus Ordo fará muito pouco para dá-los a você, enquanto que a forma extraordinária ou os dará a você ou irá afastá-lo. Quando você frequenta a forma extraordinária, ou se é subitamente atraído por algo nela, ou você desiste pelas exigências que ela faz. Seja como for, tibieza não é uma opção.
Participação total
Tanto [falei] sobre “consciente”. E sobre participação “total”? Novamente, tão surpreendente quanto possa ser, apesar da sequência de críticas tendenciosas, a Missa Latina tradicional permite ao fiel uma participação mais completa na adoração porque há mais tipos de experiências das quais participar, verbais ou não verbais, espirituais ou sensitivas – de fato, há muito mais envolvimento corporal, se as práticas costumeiras são seguidas. Este último ponto requer atenção.
Em uma Missa Alta (cantada) ou Baixa (rezada), dependendo da festa, pode-se fazer o sinal da Cruz 8 vezes:
- In nomine Patris…
- Adjutorium nostrum…
- Indulgentiam…
- Cum Sancto Spiritu (fim do Gloria)
- Et vitam venturi (fim do Credo)
- Benedictus (no Sanctus)
- se o Confiteor é repetido na comunhão;
- Na benção final.
A isso, alguns adicionam o sinal da Cruz na elevação da Hóstia e do Cálice. E, claro, o triplo sinal da cruz é feito duas vezes – uma vez no Evangelho e uma vez no Último Evangelho.
Além disso, também terminam-se por bater no peito até 15 vezes (!):
- 3 vezes no “mea culpa” do Confiteor;
- 3 vezes no Agnus Dei;
- 3 vezes no segundo Confiteor;
- 3 vezes no Domine, non sum dignus;
- 3 vezes no Salve Regina (O clemens, O dulcis, O pia).
Católicos tradicionais aprenderam a inclinar levemente a cabeça ao ouvir o nome de Jesus, e a inclinar-se em outros momentos durante a liturgia, como quando o padre está passando ou quando o turiferário está incensando as pessoas. Vamos um passo a frente e genufletimos no “Et incarnatus est” do Credo – todas as vezes em que é dito, não apenas no Natal e Anunciação como no Novus Ordo. Nós genufletimos também na benção final e nas palavras “Et verbum caro factum est”. (Há outras ocasiões especiais durante o ano litúrgico em que todos são chamados a genufletir).
Enquanto a postura dos fiéis em certos momentos na Missa não são tão regimentadas como no Novus Ordo, a Missa Baixa (rezada) tipicamente fará o fiel ajoelhar-se por muito tempo (do começo até o Evangelho, e do Sanctus até o Último Evangelho), o que é uma disciplina exigente e que realmente mantém a sua mente ciente de que aquele lugar é especial e sagrado, tomando parte em um sacrifício. Em uma Missa Alta (cantada) de Domingo, vai-se ficar muito de pé, reverenciar, genufletir, ajoelhar-se e sentar, o que, juntos dos sinais da Cruz, a batida no peito, a reverência com a cabeça, e o canto das respostas, corresponde ao que os educadores chamam de ambiente de RFT – resposta física total. Você é jogado à adoração, em corpo e alma, e, em quase todo os momento, algo ocorre para por sua mente de volta ao que você estava fazendo. A forma ordinária tendeu a descartar muitos desses elementos “musculares” em favor da mera compreensão auditiva e resposta verbal, o que, por si sós, constituem uma forma bastante empobrecida de participação, e certamente não uma total.
Mais distinto de tudo, talvez, seja o imensamente pacífico depósito de silêncio bem no centro da Missa Latina tradicional. Quando o sacerdote não está lendo a Oração Eucarística “em” você, por assim dizer, mas oferecendo o Cânon silenciosamente a Deus, sempre ad orientem, torna-se mais fácil rezar as palavras do próprio Cânon em união com o sacerdote ministerial, ou, se preferir, entregar-se em uma união muda com o sacrifício. Isso torna o Cânon da Missa um tempo intensamente mais cheio, consciencioso, e de participação verdadeira do que quando é facilitado pelo constante jorro de estimulação auditiva no Novus Ordo.
Uma cultura de oração
Uma observação no blog ‘Sensible Bond’ encaixa-se muito bem com a análise a seguir:
Pode-se até ter o novo rito como integralmente católico, e, mesmo assim, considerar que a cultura da forma extraordinária, onde as pessoas são supostamente passivas, tende a ensinar as pessoas a rezarem independentemente, enquanto a cultura da forma ordinária muitas vezes tende a criar uma dinâmica na qual as pessoas apenas conversam uma com as outras na igreja, a não ser que elas estejam sendo ativamente animadas pelo ministro.
O que vimos, portanto, é a conclusão que paira completamente na cara da sabedoria convencional. “Participação ativa”, na maneira em que é usualmente entendida e implementada na esfera do Novus Ordo , na verdade fomenta a passividade, enquanto os católicos, que recebem em uma aparente passividade tudo que a Missa tradicional tem, podem levar seu potencial de adoração a um grau maior. Consequentemente, se você busca concretizar o chamado do Concílio para uma participação total, consciente e verdadeira, procure nada mais que seu local de Missa Latina tradicional e você perceberá, com o devido tempo e esforço, uma riqueza de participação mais compreensível que a liturgia reformada permite.
***
Nota 1. Eu reescrevi as sentenças precedentes em resposta a algumas excelentes críticas levantadas contra o meu emprego da palavra latina actuosus na primeira versão deste artigo. Leitores interessados em mais detalhes podem encontrá-las na seção de comentários abaixo. [ver texto original, linkado no início – nota do editor]
TRADUÇÃO: José Napoleão Godoy
3 respostas em “Como a Missa Latina Tradicional suscita mais participação ativa que a Forma Ordinária”
A Missa Nova me chateia cada dia mais. Sei que Nosso Senhor está presente na hóstia consagrada, mas o rito não enaltece essa presença real, como o Rito Tradicional enaltece. O rito novo já não ajuda por si do e os padres ainda celebram mal. Sinto muita tristeza por não ter a Missa de S. Pio V.
Aqui em Beberibe (bairro do Recife) AMOR! ver as missas cheias de gente, o povo cantando, orando, rezando, vivenciando a palavra de Deus com alegria. Acho que a relação com Deus é um fenômeno pessoal, o ritmo da Celebração Eucarística deve variar de acordo com povo. Eu particularmente gosto de gente, de alegria, por isso me sinto mais perto de Deus.
Sua relação pessoal com Deus se dá na oração, não na Missa (pelo menos não de maneira primordial). A Missa é um rito, isto é, tem uma ordem a ser seguida, e tem um significado que vai além da alegria meramente sentimental; ela é um ato comunal, que se faz em nome da Igreja, e, portanto, não pode estar submetida a um excesso de particularidades. Entender isso é básico, de modo que não o saber mostra como nem sempre muita “gente junta cantando com alegria” é sinal de participação profunda.