Tradução e adaptação de um artigo publicado originalmente no site One Peter 5:
A reação às revelações do arcebispo Viganò – pelo menos nos Estados Unidos – deve nos dar uma certeza: ainda há bispos da fé ortodoxa que respeitam os direitos humanos e a justiça divina. Além disso, apesar das más notícias quase diárias de Roma, encontramos dioceses em que as vocações estão em ascensão; até encontramos algumas comunidades religiosas tradicionais florescendo. Depois de décadas de amnésia, a música sacra está voltando às catedrais e paróquias. Boas notícias não faltam se procurarmos.
No entanto, também encontramos um problema já de longa data que retarda o ritmo de uma genuína reforma e renovação da Igreja: a predominância do neoconservadorismo entre os bispos, padres e fiéis.
Um neoconservador é aquele que deseja conservar o bem em mãos, o que significa manter o status quo enquanto corrige desvios notórios. Mas o neoconservador não tem nenhuma motivação baseada em princípios para retornar e recuperar o que foi perdido, pois ele não tem nenhuma razão convincente para vê tais bens como mais preciosos, mais valiosos, do que os que existem atualmente. Podemos ilustrar essa postura com a seguinte maneira de pensar:
Existem irmãs religiosas que usam uma espécie de uniforme e um crucifixo? Ótimo! Vamos continuar, porque não queremos perder isso. Afinal, algo é melhor do que nada.
O amante da Tradição, por outro lado, pensa como São Vicente de Lérins. Para esse Padre do quinto século, como para uma série de santos, doutores e papas, a Tradição como tal é superior à novidade; novidade é algo de que se deve desconfiar e resistir em princípio. A postura é esta:
Se as freiras não estão usando hábitos completos com véus, é hora de lhes dar duas alternativas: abraçar o traje tradicional ou retornar ao mundo.
Assim sendo, sempre que as coisas tradicionais forem perdidas, o tradicionalista se esforçará para restaurá-las o máximo possível, enquanto o neoconservador se contentará em preservar o que está à mão – mesmo que possa ser medíocre em si ou uma novidade apenas alguns anos atrás. Isso ajuda a explicar o fato bizarro de que, depois de tantas experiências amargas e tantas críticas irrefutáveis, ainda se encontram católicos defendendo o Novus Ordo e a música popular na Igreja com argumentos do tipo:
Essas coisas têm algumas décadas, você sabe, e elas são o que temos agora, então podemos também preservá-las!
É por isso que o neoconservadorismo, no final, acaba sendo uma versão mais lenta e menos autoconsciente do liberalismo. O liberalismo toma como princípio que a mudança é inerentemente boa e, portanto, que a mudança mais rápida é ainda melhor – desde que a mudança esteja em qualquer direção que se afaste da Tradição. O neoconservadorismo toma como princípio supostamente contrário que é melhor se apegar ao que se tem do que abandonar esse bem sem lutar, mas ele falha em reconhecer o problema de que, devido ao liberalismo predominante, mais e mais coisas boas são entregues, minadas, e habitualmente ignoradas a cada ano que passa, deixando menos e menos para conservar.
Por essas razões, o neoconservadorismo é o liberalismo em câmera lenta. O que os neoconservadores preservam, preservam pela força do costume e da livre escolha, não pela firmeza de um princípio não negociável. À medida que a verdade desaparece e as pessoas se acostumam com sua perda, o conservador não tem base para se sustentar. Ele torce as mãos enquanto observa coisas bonitas sendo desmontadas e mandadas embora, mas, depois, enlouquece, defendendo zelosamente as mesmas horríveis novidades que condenou anos antes. Infelizmente, isso é recorrente. Por exemplo: é errado lavar os pés de mulheres na Missa na Quinta-feira Santa, só que vem o Papa e diz que está tudo bem, e aí surgem argumentos ilusórios para sustentar a modificação, como se ela sempre tivesse sido verdade! Em contraste, a adesão à Tradição vai além da conservação de qualquer bem mínimo que esteja à mão, pois exige o amor e a defesa honrosa de uma herança que é recebida e não deve ser desperdiçada. E se parte dessa herança foi perdida, o tradicionalista sabe que ela deve ser restaurada com esforço incansável e em face de toda a oposição.
Conseqüentemente, os tradicionalistas são e devem ser, pela natureza de sua lealdade à Tradição, reformadores, da mesma forma que figuras como São João da Cruz e Santa Teresa de Ávila eram reformadoras. Onde quer que um tradicionalista veja um sério desvio da Tradição, ele se esforça para restabelecer o que é venerável. Se temos cinquenta anos de Novus Ordo em vernáculo e músicas ruins ou ridículas, isso não é nada em comparação com mais de 1.500 anos de tradição. Devemos retornar ao que é mais ricamente e mais perfeitamente católico.
Como muitos dos “melhores” bispos de hoje são meramente neoconservadores, eles têm pouco desejo de recuperar, restaurar, entregar a herança católica integralmente. Parece-me que há três razões para essa falha:
- Eles não estão intimamente familiarizados com a Tradição, nem com a forma como ela foi perdida;
- Eles não desejam saber o seu valor, nem mesmo perguntar que tipo de tragédia sua perda pode ser;
- Eles estão contentes com o status quo, desde que sejam mantidos livres do que eles veem como excessos óbvios ou distorções.
Nesse terceiro ponto, entra um grande grau de subjetivismo, pois o que é ou não “excesso” vai variar segundo cada cabeça. Por exemplo, um neoconservador verá ministros extraordinários da Sagrada Comunhão e “acólitas” como realmente são: uma ruptura ofensiva com a tradição unânime oriental e ocidental que remonta aos primeiros registros litúrgicos e canônicos disponíveis; enquanto outro pode ver tais práticas como meras decisões administrativas ou burocráticas, sem repercussões sérias. Dessa forma, acabam perdendo influência porque a falta de aderência a princípios perenes os deixa estilhaçados, hesitantes e não dispostos a traçar qualquer linha na areia. Eles esperam… e assistem… e perdem o catolicismo, ano após ano.
É o argumento da covardia, ou, no mínimo, uma triste falta de imaginação, dizer: “Não é possível hoje em dia implementar essa ou aquela reforma” ou “Já faz tempo demais – não podemos recuperar essa antiga crença ou prática ”, ou “o melhor é inimigo do bem, como você sabe ”. Sim, mas o mau ou o pior também são inimigos do bem; as coisas antigas estão sendo continuamente revividas, como a língua hebraica em Israel; e por que estamos colocando limitações em nós mesmos e especialmente em Deus sobre o que é possível e o que é impossível? Só sabemos o que é possível até que tentemos ou oremos por isso?
Todo movimento sério de reforma na história da Igreja tem se levantado contra probabilidades impossíveis e vencido pela graça de Deus. Todo movimento sério de reforma baseou-se na tradição passada que foi perdida, obscurecida ou diluída. As vitórias que desfrutamos em meio a esse vale de lágrimas serão sempre temporárias, mas não são irreais por não serem eternas, e foram adquiridas com uma fé inflexível, esperança contra a desesperança e caridade arrojada que busca o melhor longe mal.
Se não lutarmos pela Tradição, acabaremos lutando pelo status quo de ontem, que fica cada vez pior com o passar das décadas sem Deus – e, é triste dizer, dos inúmeros pós-cristãos no clero da Igreja. É por isso que todos nós vivenciamos ou ouvimos falar de paróquias onde as coisas parecem nunca melhorar, independentemente de quão bem intencionado o novo pastor possa ser. Lá fora, no mundo real habitado por progressistas e neoconservadores, o padrão do catolicismo está sempre afundando, às vezes mais rápido, às vezes mais lento. Não há a força ascendente da Tradição para impedir a queda na Geena.
Por que a Divina Providência permite o presente pontificado catastrófico, com todos os males que ele gerou ou trouxe à luz? Eu realmente acredito (na medida em que qualquer um de nós pode discernir os caminhos misteriosos de Deus) que Ela está emitindo um severo despertar para católicos sérios em todos os lugares: abandonar o naufrágio do catolicismo do Vaticano II, abandonar a liturgia fabricada de Paulo VI, abandonar uma teologia confusa, abandonar o compromisso com o mundanismo, e retornar ao refúgio seguro, espaçoso e sustentador da Tradição – da doutrina tradicional como encontrada nas Sagradas Escrituras, dos conselhos dogmáticos dos incontáveis catecismos antigos, da moral tradicional como exemplificada nas vidas e exortações dos santos, da teologia tradicional praticada pelos Padres e Doutores da Igreja; e, mais importante, da liturgia tradicional, que se estende desde antes de São Gregório Magno (cerca de 604) até São Pio V (Quo Primum, 1570) e além, transmitida e recebida como uma herança preciosa, sem qualquer interrupção massiva ou reconstrução de acordo com o espírito da época.
Se esta crise está nos dizendo alguma coisa, está nos dizendo isto: pare de fingir que a Igreja pode acomodar a modernidade e sua panóplia de erros, contanto que ela vista tudo com linguagem piedosa e faça vagos apelos a uma hermenêutica de continuidade. Pare de se assegurar que o aggiornamento, ao contrário das colocações freqüentes de seus defensores, significou apenas uma atualização de incidentes e não tocou a essência da Fé. Pare de pensar que você pode servir a dois mestres: “Que compatibilidade pode haver entre Cristo e Belial? Ou que acordo entre o fiel e o infiel? ”(II Coríntios VI, 15).
Em suma: desista do neoconservadorismo. Se você ainda é um “católico João Paulo II”, ainda um “católico de Bento XVI”, agora é o momento aceitável para se tornar simplesmente um católico, o tipo de homem de fé que seria reconhecido por todas as gerações anteriores a essa ruinosa era pós-conciliar. Substitua o liberalismo de baixo teor de gordura pelo leite cru da Tradição. Comece a ansiosa renovação da Igreja nutrindo sua alma na festa que Deus tem preparado para você por 2.000 anos, “um banquete de carnes gordas, um festim de vinhos velhos, de carnes gordas e medulosas, de vinhos velhos purificados”(Isaías XXV, 6). Quanto às novidades recentes, parece melhor – na verdade, parece inevitável – deixar os mortos enterrarem os mortos.
Uma resposta em “O neoconservadorismo é parte do problema, não a solução”
Características do ethos neoconservador: a tendência fideísta, o fanatismo, a intolerância e fechamento ao diálogo. São anti-ecumênicos, os mais intolerantes com os protestantes, com os católicos que eles chamam de rad-trads, que, para eles, são o diabo em pessoa, defendem modernismos, normalmente, tem o tomismo sob suspeita, enquanto defendem Ratzinger e outros teólogos modernos como se fossem o suprassumo da teologia. Com honrosas exceções, o ethos neoconservador é ambiente propício para o surgimento de beatos malucos. Por isso tudo, merecem, sem dúvida, levar as pancadas que o Papa Francisco tem dado neles!