Recentemente li um texto de Chesterton (Disparates do Mundo, 1910) que parece explicar muito do que ocorre na vida política nacional e no governo da Igreja nos dias de hoje:
E este é o facto mais notório e mais dominante na moderna discussão das questões sociais: o facto de a controvérsia não dizer respeito apenas às dificuldades, mas também aos objectivos. Estamos todos de acordo acerca do mal; é relativamente à definição do bem que estamos dispostos a arrancar os olhos uns aos outros. Todos reconhecemos que uma aristocracia indolente é um mal; mas estamos longe de afirmar unanimemente que uma aristocracia activa seria um bem. Todos nos sentimos irritados com os sacerdotes ímpios; mas alguns de nós sentiriam profunda aversão se nos deparássemos com um sacerdote verdadeiramente pio. Toda a gente se indigna com a circunstância de termos um exército fraco, incluindo as pessoas que se indignariam ainda mais se o nosso exército fosse forte.
A questão da sociedade é exactamente o oposto da questão da saúde. Diversamente dos médicos, nós não estamos em desacordo acerca da natureza da doença, concordando embora acerca da natureza da saúde; pelo contrário, todos nós concordamos que a Inglaterra está doente, mas aquilo a que metade de nós chamaria um estado de saúde pujante, repugnaria à outra metade. Os insultos públicos são de tal maneira proeminentes e pestilentos, que arrastam as almas generosas numa unanimidade fictícia; esquecemos que, embora estejamos de acordo quanto aos insultos, discordamos profundamente em matéria de elogios. O Sr. Cadbury e eu, não temos dificuldade em concordar sobre o que é um pub inaceitável; mas teríamos uma lamentável altercação se nos encontrássemos diante de um pub aceitável.
Defendo, pois, que o método sociológico habitual – começar por dissecar a pobreza abjecta ou por catalogar a prostituição – é perfeitamente inútil. Ninguém aprecia a pobreza abjecta; o problema surge quando começamos a discutir a pobreza digna e independente. Ninguém aprecia a prostituição; mas nem todos gostamos da pureza. A única maneira de discutirmos os males sociais é passarmos imediatamente ao ideal social. Todos conseguimos identificar a loucura nacional; mas o que é a sanidade nacional? Dei a este livro o título de Disparates do Mundo, e não é difícil identificar o conteúdo do mesmo. Pois o grande despropósito do mundo consiste em não perguntarmos qual é o propósito.
2 respostas em “Disparates do Mundo”
[Comentário excluído a pedido do autor – Também peço ao autor que não volte a comentar neste site pois não tenho tempo de ficar excluindo comentários]
Pensar demais, fantasiando a realidade, é exatamente o que você fez, meu caro. Obviamente que em relação à prostituição pode-se alegar mil e uma motivações, mas, quem conhece pessoas que vivem dessa atividade, sabe perfeitamente que na maior parte dos casos tais alegações são apenas formas de se racionalizar histórias de vida que desembocaram no limite da sobrevivência e estão associadas a algum vício. Ou seja, antes de representarem alguma forma de concretização da liberdade, perfazem uma escravidão, perfazem algo distante do “dever ser social” que a maior parte dos grupos humanos toma como referencial. Especialmente, perfazem algo distante da dignidade do dom da sexualidade por meio do qual participamos da criação da vida. Não vejo, portanto, como algo assim, tomado no seu conjunto, possa ser alvo de admiração. É bom sair do conforto pequeno burguês, para o qual “outro mundo é possível”, e assumir as coisas como são; Chesterton, quando escreveu esse comentário, talvez não vislumbrasse a paralaxe cognitiva que tomaria conta do mundo nos anos vindouros…