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Leis puramente penais

Artigo do filósofo e teólogo Inácio Strieder (Jornal do Commercio, Recife, 27 de janeiro de 2013) que apresenta uma informação interessantíssima no que se refere à reflexão da Igreja sobre a relação da lei divina com as leis civis:

quoteEm tempos não muito remotos, constava nos livros de moral cristã, usados como manuais nos cursos seminarísticos, um capítulo sobre as “leis puramente penais”. Que leis eram estas? Como, na compreensão da política (medieval) cristã, o Estado e a Igreja são duas sociedades perfeitas, mas distintas em seus objetivos, as leis de uma dessas sociedades não necessariamente são vinculantes uma para a outa. Na Igreja são obrigatórias as leis do direito canônico que, segundo se ensina, obrigam com fundamento nas convicções de consciência dos fiéis. A voz da consciência é como a “voz de Deus”. Por isto, seguir a consciência é certo, não seguir a consciência é pecado.

Na sociedade civil, em questões de leis, não é a consciência que determina a obrigatoriedade da lei. A lei é a dura lex. Agrade ou não, se é justa ou não, se há convicção ou não de sua justiça e verdade, isto não interessa. A lei, uma vez promulgada por autoridade legítima, exige observância. Em caso contrário, o cidadão está sujeito a penalidades. Em sociedades democráticas, quem não estiver de acordo com determinada lei, deve lutar por aboli-la. Diante da compreensão da lei penas na Igreja (medieval?!), sustentou-se a existência de “leis puramente penais” para o cristão. Certas leis civis não observadas, não deveriam gerar intranquilidade de consciência; o seu descumprimento não era pecado; a transgressão destas leis não precisava ser confessada, e nem necessitava de perdão, pois não ofendiam a Deus. Contudo, se a autoridade flagrasse um cristão na transgressão destas leis, o fiel deveria cumprir as penalidades determinadas.

Estavam no rol das “leis puramente penais” as leis aduaneiras, fiscais, do trânsito, certas leis trabalhistas e profissionais. Não era, portanto, pecado, fazer contrabando, sonegar impostos, dirigir fora da lei, não assinar a carteira de trabalho… O que, ainda hoje, encontramos sendo praticado por certos religiosos. No entanto, hoje, a Igreja já não ensina mais a moral das “leis puramente penais”. Interessante é que, ao que parece, a “moral”, ou melhor, a imoralidade das “leis puramente penais” migrou da consciência religiosa para a consciência civil. Muitos cidadãos corruptos e criminosos, notórios transgressores das leis, se escondem e mentem para não serem descobertos. E, ao contrário do ensinamento da Igreja, também não querem cumprir as penalidades de suas transgressões.

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Uma resposta em “Leis puramente penais”

Realmente, há uma atmosfera atual de que aparenta que não existe mais as leis puramente penais, ou melhor, existe, mas o católico não deve mais serem desrespeitá-las. Não obstante, temos de saber com precisão se isso ainda não é tema de discussão livre, digo isso, pois no Del Greco – teólogo moral – disse em 1959 da vigência das leis puramente penais: “Lei puramente penal não obriga em consciência com relação ao objeto direto, obriga porém em consciência à pena cominada contra os transgressores, ou ao menos a cumpri-la sem resistência alguma” E o autor cita o caso da lei que proíbe a caça. Ao meu ver, querer dizer que a lei puramente penal não é mais vigente, carrega dois problemas: 1) que a moral é mutável; 2) risco de a lei civil se tornar uma espécie de 10 mandamentos.

1) primeiramente, não se desconhece que há alguns elementos – que não se confunde com a moral em si – que não são mais considerados como imorais, como é a cobrança de juros, antigamente, era algo imoral, mas hoje não é, mas isso não significa que a moral mudou, pois o que a vedação aos juros proibia era o prejuízo ao próximo, hoje, se não for cobrado os juros, quem sai no prejuízo é o credor, logo, a moral foi preservada. A lei moral natural, pois, é imutável, e se assim for, o que era imoral antigamente, vem a ser nos dias de hoje, e também porque não poderíamos dizer que o que não era imoral não pode ser nos dias atuais? Ora, ao afastarmos a possibilidade de desprezo da lei puramente penal, estaríamos vedando condutas que eram plenamente aceitas moralmente, quase seria como dizermos que a lei natural mudou.

2) o afastamento da possibilidade de o católico desrespeitar a lei puramente penal faz com a lei civil seja uma espécie de lei sagrada ou, até mesmo, uma espécie de lei natural, pois vai colocando aos poucos que a violação da lei civil é um pecado, então acaba que a lei civil se torna um território sagrado, ora, se eu desrespeito uma lei civil e cometo pecado, logo, a lei civil tem um quê de sagrado.Veja só os exemplos dados pelo autor do texto do que eram leis puramente penais e o católico poderia desrespeitar sem pecado: “dirigir fora da lei”, então um católico que fura o sinal vermelho quando não tem ninguém passando, delicadamente, não estaria incorrendo em pecado, ou quando o católico para em fila dupla, está dirigindo contra a lei, e não está pecando, mas, ao dizer que a lei puramente penal não mais existe, seria correto dizer que tais situações seriam pecado? O pior é quando há um sufocamento de leis que nenhum homem médio resiste, mas, tem que saber a lei para não incorrer em pecado, segundo a tese de que não existe mais leis puramente penais. Ainda, se for para seguirmos a lei civil como parâmetro de santidade, poderíamos também passar a seguir os princípios gerais do direito, as jurisprudências e etc? Pergunto, pois muitas vezes são os princípios que afastam que o homem siga a lei puramente penal, como um caso recente em que o STJ julgou, de um homem que estava pescando um bagre numa aérea proibida e o MPF o denunciou por crime ambiental, veja, se afastássemos a lei puramente penal, o homem incorreria em pecado, veja o sufoco da lei, mas os princípios impõe que tal homem seja absolvido, ora, a lei puramente penal condena o homem, mas o princípio o absolve. Portanto, se dissermos que a lei puramente penal (lei civil) deve ser seguida, os princípios, jurisprudências e etc também deveriam ser, e aí viraria uma bagunça, pois cada um daria uma interpretação do que seria lícito ou não e, logo, se o que é ilícito é pecado, estaríamos delegando ao judiciário dizermos o que é pecado ou não. Em suma, nem todo pecado deve ser crime, e nem todo crime deve ser pecado, voltemo-nos, pois, à existência das leis puramente penais!

Obs.: escrevi isso supondo que o tema ainda está em livre discussão, mas, se, realmente a Igreja ter se firmado de que não mais podemos violar a lei puramente penal, submeto-me ao que Ela diz.

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