Tenho muitas diferenças com o Prof. Flávio Brayner, do Centro de Educação da UFPE, não só no campo pedagógico, mas também no político e estético; contudo, é sempre bom confrontarmos aquilo em que acreditamos com uma visão crítica, em especial se esta é feita como que por um observador externo, que destrincha esquematicamente o que tomamos por verdade, e, desse modo, o seguinte artigo dele (Jornal do Commercio, Recife, 29 de julho de 2016 – com adaptações), que analisa o fundamento das ideias de Ariano Suassuna, às quais me filio, é mais do que interessante:
Ariano, falecido há dois anos, era um espírito brincalhão e gostava de contar a história de certo jovem, com cara de hyppie, bolsinha de couro, óculos redondo que pergunta em uma de suas aulas: “Ariano, você não acha que o rock é o sim universal?” Ao que Ariano responde: “Meu filho, som universal só conheço três: arroto, espirro e bufa!”
A brincadeira assinala o que há de mais convicto nas ideias estéticas de Ariano. Ele vinha da tradição romântica, que depositava nas expressões culturais particulares a autêntica alma de um povo (volksgeist) à época da formação tardia dos estados nacionais: a “burguesia” era cosmopolita demais e seus valores abstratos; já no “povo” residia aquela alma cultural autêntica em que cada nação poderia fundar sua “identidade”. Daí porque quando falamos de “cultura popular” achamos que estamos diante das “raízes” culturais e contrastamos essa cultura com a de “massas” que não teria nada de autêntico. Ariano, inimigo declarado desta última (guitarra com maracatu era crime de lesa cultura!), acreditava que a resposta que se pode oferecer à nação encontrava-se nas bases eruditas da cultura cavalheiresca, cortesã, trovadoresca e picaresca do fim da Idade Média e que nos teria chegado através da colonização portuguesa. Esta estética “armorial”, herdeira de uma aristocracia de brasão e que também agregava elementos de soteriologia sebastianista, daria à nossa cultura popular remotas origens medievo-ibéricas, que Ariano farejava na cultura sertaneja, e que poderia servir de base a uma resposta erudita à nossa brasilidade (tema analisado pela professora Thereza Didier em sua tese de doutorado defendida na USP).
Entre o cosmopolitismo burguês e o particularismo da cultura regional como base da identidade, Ariano não hesitaria em ficar com a segunda. Sua recusa em falar línguas estrangeiras ou abrir mão de sua veste de algodão, arrastar no sotaque, não andar de avião, não dirigir fazia dele uma espécie de cavaleiro andante, saído de uma página do Amadis de Gaula, a combater em suas aulas-espetáculo a degradação de nossas “raízes” culturais. Vejo nisto tudo um daqueles mitos aos quais me referi num artigo anterior, necessários à construção da “memória comum”, dos “marcos fundadores”.
Fui aluno de Ariano e, mesmo crítico de sua estética armorial, não posso deixar de registrar o imenso e erudito professor que ele foi, que teatralizava suas aulas com a verve de um ator picaresco. Aliás, o melhor exemplo que conheci de uma existência estetizada!