Na semana retrasada, depois de quase três meses entre greves (dos técnicos e depois dos professores), ocupações e enrolações típicas das universidades federais, voltei às aulas (sou advogado e estudo geografia) para concluir uma parte das disciplinas. Obviamente, não pude deixar de notar os estragos feitos no edifício onde se situa a sede de meu curso e falar, com colegas e professores, sobre o que ocorreu em outros dois prédios próximos.
Ficando no que me diz respeito diretamente, a contradição foi flagrante: pessoas que proclamam lutar por uma causa republicana, depredaram o bem público. E isso não foi nenhuma surpresa, é um comportamento esperado a partir da tolerância contumaz da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) com grupelhos e indivíduos ligados a um envelhecido radicalismo de esquerda; com facilidade eu poderia fazer uma lista de episódios de intolerância ideológica que presenciei ou que aconteceram comigo no último ano e que são perfeitamente representados neste trecho de um artigo de Cláudio de Moura Castro (Quem os representa?, Veja, 14 de dezembro de 2016), no qual ele descreveu a balbúrdia provocada por sindicalistas numa conferência dada por a professores:
O mais revelador é que em momento algum foi discutido o que escrevi no ensaio. Desde Platão, com seus diálogos, sabemos que é na troca de argumentos logicamente bem construídos que evolui o nosso pensamento. É missão da escola ensinar a ler com rigor um texto e contrapor a ele argumentos cabíveis, com igual rigor. Portanto, não se pode esperar menos de quem representa os professores. Todavia, nada, nada foi dito sobre meus argumentos ou mesmo sobre o ensaio. Nem um só contra-argumento, só insultos: “Fora, Castro! Fora, VEJA!”
O pior é que essas pessoas consideram a si mesmas como legítimas representantes da maioria silenciosa, tomando por base a ideia de que são uma espécie de “elite do proletariado”, a vanguarda das causas populares, enfim, pensam que sabem o que é melhor para todos nós. Mas não sabem… e nem refletem o modo como a maior parte dos alunos se posiciona no mundo.
De maneira geral, não concordei com as principais alegações que foram usadas para justificar as ocupações (reforma do ensino médio e PEC da limitação de gastos públicos). Contudo, na convivência com alguns dos que estavam no movimento, passei a ver com “simpatia condescendente” as atitudes tomadas por eles, já que outras coisas, urgentes, como cortes ou diminuições de bolsas previamente concedidas, colocam em risco a conclusão dos cursos de muitos alunos.
Tendo esse último direcionamento, participei de palestras e atividades culturais em alguns dos prédios. Mas, passando o tempo, notei que no caso do Centro de Filosofia e Ciências Humanas algo de negativo começou a transbordar (depredações) e que isso deveria ser um sinal do que já ocorria dentro numa intensidade maior.
Me afastei, então, do que estava acontecendo, considerando tudo uma perda de tempo com risco de descontrole. E isso foi confirmado já no meio de novembro, quando, numa aula de campo em Lençóis (BA), foram divulgadas na turma que eu acompanhava fotos de alguns departamentos vandalizados. Estavam esperando o quê? Organização da parte de quem tem como norte as decisões de assembleias plebiscitárias? A democracia demagógica é naturalmente desorganizada, porque a ideia de organização em qualquer grau que seja, exclui, também em qualquer grau, a ideia de igualdade: organizar é diferenciar e é, em consequência, estabelecer graus e hierarquias.
Depois do mal feito ter sido escancarado, veio a repetição infantil: ninguém viu, ninguém fez, tudo foi justificado. Ser adulto, ao contrário, é assumir responsabilidades (proporcionais, óbvio) por aquilo que se escolhe. É evidente e ensinado pela experiência que é fácil a corrupção onde a responsabilidade de poucos é substituída pela irresponsabilidade de muitos, ou seja, não tinha como ser diferente. A minoria igualitária existe na mesma sintonia de uma multidão amorfa: a da irresponsabilidade, da irracionalidade; ela não pode representar ninguém.
Por fim, acredito que tudo que aconteceu foi politicamente inócuo, socialmente desrespeitador e péssimo para a imagem da UFPE.