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Catequese

A Comunhão dos Santos

Transcrição de aula do meu confrade e ex-aluno Silas Ben Hur sobre a Comunhão dos Santos (destaco a originalidade na qual ele encadeia as verdades reveladas para explicar a circulação dos bens espirituais entre os membros da Igreja):

A COMUNHÃO DOS SANTOS

Introdução

Meus amigos, é Tempo Pascal. São cinquenta dias nos quais as missas e ofícios da Igreja nos fazem ter um vislumbre do tempo feliz que se sucedeu desde que o túmulo de Cristo foi achado vazio, resumível em uma exclamação: Cristo ressuscitou! Não sei se é a Igreja que nos leva àqueles dias ou se são eles que vêm até nós; só sei que com ela vivenciamos dias repletos de uma alegria que parece não ter fim. Imaginem esta alegria no primeiro século, naquele tempo em que a Igreja estava só começando! Entre os primeiros cristãos, quase três mil, já no dia em que a Igreja começou, as manifestações desta alegria eram as mais belas e cativantes.

No livro dos Atos dos Apóstolos, nós lemos o seguinte: E perseveravam na doutrina dos apóstolos e na comunhão, no partir do pão e nas orações. Em cada alma havia temor; e muitos prodígios e sinais eram feitos por intermédio dos apóstolos. Todos os que creram estavam juntos e tinham tudo em comum. Vendiam as suas propriedades e bens, distribuindo o produto entre todos, à medida que alguém tinha necessidade. Diariamente perseveravam unânimes no templo, partiam pão de casa em casa e tomavam as suas refeições com alegria e singeleza de coração, louvando a Deus e contando com a simpatia de todo o povo. Enquanto isso, acrescentava-lhes o Senhor, dia a dia, os que iam sendo salvos. (Atos 2,43-47)

Não havia paróquia na época, eles se reuniam no templo de Jerusalém ou nas próprias casas; nelas comiam juntos; “ágape” era o nome daquelas refeições; nelas aconteciam as missas também.

Mais adiante, nós lemos: Da multidão dos que creram era um o coração e a alma. Ninguém considerava exclusivamente sua nem uma das coisas que possuía; tudo, porém, lhes era comum. Com grande poder, os apóstolos davam testemunho da ressureição do Senhor Jesus, e em todos eles havia abundante graça. Pois nenhum necessitado havia entre eles, porquanto os que possuíam terras ou casas, vendendo-as, traziam os valores correspondentes e depositavam aos pés dos apóstolos; então, se distribuía a qualquer um à medida que alguém tinha necessidade. (Atos 4,32-35)

Os bens de alguns eram comuns a todos aqueles que precisassem. O motivo não podia ser outro: Cristo vivia neles, o mesmo Cristo que havia dito: Ajuntai para vós outros tesouros no céu, onde traça nem ferrugem corrói, e onde ladrões não escavam, nem roubam. (Mateus 6,20)

Notem bem: entre os cristãos, os bens de alguns são comuns a todos os que deles têm falta. Essa partilha generosa vai muito além do socorro a quem passa fome, sede ou frio: abrange os bens espirituais! São nada menos que os bens que entesouramos no céu; estes bens, acumulados pelos que agora vêem a Deus, socorrem os que estão neste mundo e ainda não alcançaram a santidade. Santos e pecadores, por distantes uns dos outros que estejam, tanto quanto o céu está distante da terra, a fé em Cristo não só os aproxima; ela os faz um. É isto o que torna possível que eles tenham “tudo em comum”.

Esta ordem na qual o bem espiritual de um irmão se comunica ao outro, é esta ordem providenciada por Deus que temos em mente quando rezamos no Credo: “Creio no Espírito Santo, na santa Igreja católica, na comunhão dos santos”. E é sobre ela que eu vou falar hoje. Então, que Deus me ajude.

Os bens espirituais da Cabeça

Bom, para começar: o que é a Igreja?

O Corpo de Cristo; ótimo!

Quem descreveu a Igreja assim pela primeira vez foi São Paulo Apóstolo, em suas cartas. Longe de ser mera figura didática, as implicações disso são sérias.

Na carta aos Efésios, ele diz assim: Cristo é o cabeça da igreja, sendo este mesmo o salvador do corpo. (Efésios 5,23)

Aqui São Paulo explicou perfeitamente o seguinte: Extra Ecclesiam nulla salus. Não há salvação fora da Igreja.

O motivo é simples: a relação de Jesus com as pessoas que ele salva é a relação da cabeça com seu corpo. A cabeça é salvadora do corpo. Só é salvo quem faz parte dele, então. Vejam que a Igreja é um Organismo Divino e Humano ao mesmo tempo.

Agora, como é que Cristo salva? Uma vez que Cristo é a cabeça da qual o corpo depende, a Igreja só existe por causa de Cristo. Foi Cristo quem começou a comunicar seus próprios bens espirituais. Foi ele quem deu início à Comunhão dos Santos.

Mais adiante nós lemos: Ninguém jamais odiou a própria carne; antes, a alimenta e dela cuida, como também Cristo o faz com a igreja; porque somos membros do seu corpo. (vv. 29-30)

Muito bem: Cristo alimenta a igreja e cuida dela; é o mesmo que dizer que Cristo comunica à Igreja seus bens espirituais. Entre os bens comunicados aos membros da Igreja, de fato estão primeiramente os bens que a cabeça comunica ao corpo. Então, comecemos pela cabeça: quais são os meios pelos quais Cristo nos comunica seus bens espirituais?

Os Sacramentos; exatamente!

E quais são os bens espirituais que Cristo comunica nos sacramentos?

No mesmo texto, nós lemos: Cristo amou a igreja e a si mesmo se entregou por ela, para que a santificasse, tendo-a purificado por meio da lavagem de água pela palavra, para a apresentar a si mesmo igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante, porém santa e sem defeito. (vv. 25-28)

Os bens comunicados pelos sacramentos, que santificam, são os ilimitados méritos de Cristo, entesourados por sua entrega por amor. É pela sua Paixão que alguém se torna um Santo. Essa realidade nós chamamos economia sacramental: Cristo dispensa, distribui seus méritos pelos sacramentos.

Como é o esquema? Cristo roga a Deus Pai, o qual envia o Espírito Santo. Eu não vou entrar em detalhes quanto a isso, mas em cada sacramento a ação do Espírito Santo está presente; é ele quem santifica.

Vejam a relação da Santíssima Trindade com os Sacramentos!

São Paulo resumiu muito bem: O amor de Deus é derramado em nosso coração pelo Espírito Santo, que nos foi outorgado. (Romanos 5,5)

Ele diz ainda: Deus prova o seu próprio amor para conosco pelo fato de ter Cristo morrido por nós. (Romanos 5,8)

Quer dizer: o amor que Deus prova pela morte de Cristo, o mesmo amor, caridade, que nos põe em estado de graça, este amor é derramado pelo Espírito Santo, que nos é dado. É dando o Espírito Santo que Deus me salva e faz Santo.

E daí? Daí que é assim que uma pessoa aparentemente fora da Igreja de Cristo pode acabar se salvando. Veja: ela não tem acesso aos sacramentos como nós. Ela não tem acesso visível à ação do Espírito Santo. Mas o mesmo Espírito Santo que derrama o amor divino pelos sacramentos pode derramá-lo nessa pessoa. Como? Não sei. Deus sabe: a ação divina é livre e depende inteiramente de sua vontade. O que eu sei é que, quando essa pessoa se salva, é pela ação do Espírito Santo. A salvação fora da Igreja visível, da Comunhão dos Santos visível, no fim das contas, tem tudo a ver com ela. Percebam que, na salvação de alguém, com ou sem sacramentos, há um padrão: a ação do Espírito Santo. É ele quem santifica uma pessoa, tornando-a parte da Comunhão dos Santos.

Será que, assim, estamos admitindo que, no fim das contas, há salvação fora da Igreja? Se não, por que insistimos em dizer que fora dela não há salvação? Por que, assim, deixa-se bem clara a tragédia que seria sair da Igreja, para quem faz parte dela visivelmente.

Além disso, pense num pagão, ou mesmo um irmão separado nosso, que deixa de entrar na Igreja não por negligência em buscar a verdade ou rejeição consciente a ela, mas porque um cristão filho da Igreja que passou pela vida dessa pessoa, tendo tido a oportunidade de evangelizá-lo, não o fez: outra tragédia! Já é difícil salvar-se com sacramentos. Muito mais difícil é salvar-se sem eles!

Os bens espirituais dos membros do Corpo

Bom, falamos dos bens espirituais comunicados pela Cabeça por meio dos sacramentos. Vamos agora falar dos bens que os membros do Corpo comunicam entre si.

São Paulo disse: Embora muitos, somos um só corpo em Cristo e membros uns dos outros. (Romanos 12,5)

São Paulo disse ainda: Os membros cooperem em favor uns dos outros. De maneira que, se um membro sofre, todos sofrem com ele; e, se um deles é honrado, com ele todos se regozijam. (1ª Coríntios 12,25-26)

E que bens espirituais são esses? São os méritos dos Santos: tudo o que fizeram de bom e suportaram de mau. E isso vale para nós também! Todo o bem que fazemos e todo o mal que suportamos contribuem para esse tesouro de méritos, ajudam os outros membros a se salvarem.

Os monges, os que seguem alguma regra religiosa, são justamente pessoas que se dedicam mais à contribuição para esse tesouro. São pessoas não que fogem dos sofrimentos “do mundo lá fora”, mas que recolhem-se para trabalhar pela própria salvação e pela dos outros com intensidade bem acima da média.

Essa comunicação de méritos está intimamente relacionada ao sacrifício. Assim como Cristo, o Bom Pastor – festa do Domingo passado – deu a vida por nós, suas ovelhas, e, assim, criou um tesouro inesgotável de méritos, nós, cristãos, damos a vida por nossos irmãos; oferecemos um sacrifício; é um sacrifício no qual a oferenda somos nós mesmos.

São Paulo disse: Rogo-vos, pois, irmãos, pelas misericórdias de Deus, que apresenteis o vosso corpo por sacrifício vivo, santo e agradável a Deus. (Romanos 12,1)

Aqui vemos o caráter sacerdotal de um Santo. É por isso que São Pedro diz: Vós sois sacerdócio real. (1ª Pedro 2,9)

É na condição de sacerdote que o Santo oferece a vida por mim, quando eu peço suas orações.

São Paulo disse assim: Andai em amor, como também Cristo nos amou e se entregou a si mesmo por nós, como oferta e sacrifício a Deus, em aroma suave. (Efésios 5,2)

O Santo faz com a vida dele o que Cristo fez com a própria vida. Esse sacerdócio real é o sacerdócio da santidade. É assim que um Santo intercede por nós: ele nos ajuda a sermos Santos também. Providência divina!

Essa capacidade de se entregar por amor, o homem foi criado com ela. O homem é capaz de entregar suas operações naturais, energias, qualidades, em favor do outro.

Essa capacidade foi ferida com a Queda, o pecado original, mas jamais foi perdida. Ela é renovada em cada pessoa pelo batismo. Veja: ela não foi restaurada ao estado que tinha antes da Queda; ela foi elevada.

São Paulo disse: Se alguém está em Cristo, é nova criatura; as coisas antigas já passaram; eis que se fizeram novas. (2ª Coríntios 5,17)

Agora, essa capacidade foi elevada quando? Quando o Verbo se fez carne. É por isso que nós temos tanta gratidão à Mãe de Deus. A humanidade de nosso Salvador tem origem na humanidade da Virgem Maria. A Carne que comungamos foi tomada da carne dela. Ela pegou uma qualidade natural que possuía enquanto mulher, a capacidade de gerar e parir uma criatura, seu filho, e a usou para colaborar com a transformação da humanidade inteira em nova criatura, somente!

Foi aí que o sacerdócio humano foi elevado. Ou seja: Cristo foi o primeiro sacerdote real com a natureza humana elevada; o primeiro, por causa da união entre as naturezas divina e humana, realizada nele quando se encarnou. Ele abriu o caminho para nós. É por isso que veneramos os Santos. São a imagem da natureza humana participante da divina, por Cristo. Ele não apenas emitiu raios de divindade. Cristo, Deus em Pessoa, escolheu participar de nossa humanidade.

E é aqui que entra em cena um outro aspecto imprescindível da encarnação do Verbo. Deus quis se tornar um ser humano, mas um ser humano do sexo masculino. Isto é da mais alta importância. É enquanto homem que Cristo batiza, manda o Espírito Santo, consagra pão e vinho em Corpo e Sangue, perdoa pecados.

É enquanto homem que ele abençoa casamentos; o matrimônio é natural, mas foi elevado a sacramento na Encarnação, pois remonta à união entre Cristo e a Igreja, sua Esposa. Quando o Verbo se fez carne, aquele Organismo Divino e Humano, que é a Igreja, passou a existir, em Cristo, Deus e Homem.

Já dizia São Paulo: Grande é este mistério. (Efésios 5,32)

É enquanto homem que Cristo unge doentes. É enquanto homem que ele ordena seus apóstolos, soprando neles, dando-lhes o poder de perdoar pecados e retê-los, e dizendo a eles: Fazei isto em memória de mim.

Quando um padre celebra os sacramentos, ele o faz não em sua pessoa, que pelo batismo foi santificada, mas na pessoa de Cristo. Ao ministrar sacramentos, comunica não seus méritos próprios, mas os inesgotáveis méritos de Cristo. A relação entre um padre e sua paróquia não é entre membros do Corpo, mas entre a Cabeça e esses membros. E essa relação entre Cabeça e Corpo não é outra senão a relação entre Esposo e Esposa. O padre é o próprio Esposo da Igreja entre nós.

É por isso que só homens são ordenados. O sacerdócio ordenado tem um caráter icônico distinto do sacerdócio real. O padre é ícone de Cristo, só que enquanto homem, varão, macho, pois é enquanto Esposo da Igreja que Cristo lhe comunica seus méritos pelos sacramentos.

O sacerdócio ordenado está, então, intimamente ligado à figura do esposo e, evidentemente, à do pai. O Esposo da Igreja é o mesmo que aos filhos dela ensina a sagrada doutrina, a fé dos Apóstolos. Não foi à toa que São Paulo disse: E não permito que a mulher ensine, nem que exerça autoridade de homem; esteja, porém, em silêncio. (1ª Timóteo 2,12) A homilia, o sermão na paróquia, está reservada a um homem, o padre, por esse motivo.

Então, percebam que, enquanto todos são sacerdotes reais, só alguns são sacerdotes ordenados. E quem foi o primeiro sacerdote ordenado? Para ser exato, Melquisedeque, mas não vamos entrar neste assunto, certo? Vamos pular esta parte. O que precisamos saber é que é de Cristo que falou o salmista quando disse: Tu és sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedeque. (109,4)

Desde o tempo de Israel, na tribo de Levi, os sacerdotes ordenados são tirados do meio do povo para o serviço sagrado, com a diferença de que o eram segundo a ordem de Aarão. Quando Deus se fez homem, ele elevou o sacerdócio ordenado. Cristo foi o primeiro homem a dizer: Filho, os teus pecados estão perdoados. (Marcos 2,5). Alguns judeus reclamaram: Por que fala ele deste modo? Isto é blasfêmia! Quem pode perdoar pecados, senão um, que é Deus? (v. 7) De fato, só Deus pode. Mas agora, quando Cristo perdoava, era um homem que estava perdoando. Cristo foi o primeiro homem que pegou pão e vinho e os transformou em Corpo e Sangue de Deus.

Então prestem bem atenção nisso: enquanto Santos, homens e mulheres podem ser ícones de Cristo. Enquanto Padres, só homens podem sê-lo. O motivo disso não está numa diferença de dignidade entre homem e mulher. A dignidade de ambos está em sua natureza humana, criada à imagem de Deus e renovada em Cristo pela união com a natureza divina. Ou seja, é a mesma dignidade. No mundo espiritual, o maior não é quem tem esta ou aquela função, este ou aquele sexo. O maior é o mais santo. Por isso mesmo, o maior ícone de Cristo que exerceu o sacerdócio real, o sacerdócio da santidade, foi quem?

Nossa Senhora, uma mulher! É por isso que nós a veneramos tanto, que pedimos tanto o socorro de suas preces. Nossa Senhora é a plena realização de tudo o que a natureza humana tem o poder de conseguir com a ajuda da graça divina, seja homem, seja mulher.

São Paulo disse: Todos vós sois filhos de Deus mediante a fé em Cristo Jesus; porque todos quantos fostes batizados em Cristo de Cristo vos revestistes. Dessarte, não pode haver judeu nem grego; nem escravo nem liberto; nem homem nem mulher; porque todos vós sois um em Cristo. (Gálatas 3,28)

Falando nisso, uma fonte de dificuldade com nossos irmãos protestantes é eles não conseguirem expressar que, quanto mais santa é uma pessoa, maior é o poder de suas orações. Eu digo “expressar” porque no fundo eles acreditam nisso. Quantas vezes eu, que já fui protestante, vi irmãos pedindo oração de todos, mas mais intensamente aos pastores, aos irmãos mais velhos, mais respeitados no meio da comunidade. É algo tão intuitivo, que eles não negam a sério.

Mas você ainda vê vestígios disso na Bíblia; nem precisava, mas existem. O que eu achei mais interessante foi esse: Não intercedas em favor desse povo. Mesmo que Moisés e Samuel se apresentassem diante de mim, meu coração não se voltaria para esse povo. (Jeremias 14,11; 15,1) Essa afirmação não faria sentido se Deus não se agradasse mais das preces de uns que das de outros. Que outro motivo haveria para isso senão a santidade?

Mais uma coisa: tudo isso, sacerdócio da santidade e sacerdócio da ordem, só foi possível graças à Paixão de Cristo; foi a partir do sacrifício dele na Cruz. Foi ele o sacerdote que o ofereceu por nós, e a oferenda foi ele próprio. Somente ele podia fazer isto. Foi por um homem que a humanidade toda decaiu; tinha que ser por um homem que a humanidade toda se elevasse. Ninguém podia fazer isto, nem a Virgem Maria, nem todos os Santos. E o que Deus fez? Ele se fez homem. Não é à toa que Cristo disse: Deus amou o mundo de tal maneira, que deu seu Filho. (João 3,16) Ele amou o mundo tanto!

Então, aqui, um e somente um, é sacerdote. É exatamente com isso em mente que São Paulo disse: Há um só Deus e um só Mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus, homem. (1ª Timóteo 2,5)

Então, nós temos três verdades dependentes entre si:

  1. Todos são sacerdotes: os Santos, batizados, homens ou mulheres, com a natureza humana unida à divina, dos quais Cristo foi o primeiro;
  2. Apenas alguns são sacerdotes: os Padres ordenados, ministros dos santos mistérios, os sacramentos, dos quais Cristo foi o primeiro;
  3. Um, e somente um, é sacerdote: Nosso Senhor Jesus Cristo.

Tudo começa em Cristo. Perceba, então, que pedir a intercessão dos Santos não é negar que só Jesus é o Mediador. A dificuldade dos nossos irmãos protestantes de entender isto se deve à não-consideração de distinções que deviam estar bem claras.

Eu tenho a impressão, também, de que isso é a raiz de movimentos dentro do Protestantismo pela ordenação de mulheres. “Se a mulher pode ser tão santa ou mais que o homem, porque não pode ser admitida à posição de pastora do rebanho de Cristo?”, devem pensar. “Se todos somos um em Cristo e não há homem nem mulher, por que não?” Certamente confundem o sacerdócio real com o ordenado. Nada disso nos deixa perplexos; só ordenamos homens, mas a mais santa criatura para nós é uma mulher.

Outro exemplo que podemos dar de como não há incompatibilidade nenhuma entre a mediação universal dos santos e a mediação única de Jesus é o fato de que, semelhantemente, Cristo é o único Salvador, mas nós salvamos: Meus irmãos, se algum entre vós se desviar da verdade, e alguém o converter, sabei que aquele que converte o pecador do seu caminho errado salvará da morte a alma dele e cobrirá multidão de pecados. (Tiago 5,19-20)

A Tradição e os bens espirituais

Bom, falemos agora de como temos acesso a esses bens espirituais, tanto da Cabeça, quanto do Corpo. Os sacramentos não são ministrados “puros”. O Padre não chega lá na nave da paróquia com pão e vinho, diz “isto é o meu corpo” e “este cálice é a nova aliança no meu sangue”, dá a comunhão e vai embora. Não, há toda uma preparação, com orações e leituras da Bíblia: a Missa. A todas estas preces e lições que os Santos e Padres colocaram para serem rezadas ou cantadas na Missa nós chamamos de Liturgia, que foi se estendendo para as outras horas do dia e da noite: é o Ofício Divino, hoje chamado Liturgia das Horas.

Coisa semelhante ocorre com os outros Sacramentos: Batismo, Crisma, Penitência, Matrimônio, Ordem e Extrema Unção.

Há toda uma coleção de ritos celebrados pela Igreja para as mais diversas situações: sacramentais, bênçãos para objetos, lugares, ocasiões; encomendação de mortos, com as chamadas Exéquias e depois com a sepultura eclesiástica.

Há as orações públicas da Igreja que não necessariamente se enquadram na Liturgia, como as Ladainhas.

Há também as devoções, populares ou não, praticadas individualmente ou coletivamente pelos fiéis: algumas mais conhecidas como o Rosário e a Via Sacra; outras, menos, como as Quinze Orações de Santa Brígida.

Há ainda as Indulgências, com as quais temos grande ajuda na purificação de nossos pecados, a partir do tesouro de méritos de Cristo e dos Santos.

Tudo isso é herança, em maior ou menor grau, da Tradição.

Os participantes da Comunhão dos Santos

Somos nós, que peregrinamos aqui, brigando contra nossas paixões e os demônios que nos assolam: somos a Igreja Militante.

São os que vêem a Deus no Céu, os Santos: são a Igreja Triunfante.

E são nossos irmãos e irmãs que nos precederam na fé e partiram antes de nós, na esperança da ressurreição, mas que ainda não vêem a Deus devido a não terem completado a purificação de seus pecados: são a Igreja Padecente.

Cristianismo “uns aos outros”

Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos: se tiverdes amor uns pelos outros. (João 13,35) Atenção para a expressão “assim como eu vos amei”.

Amai-vos cordialmente uns aos outros com amor fraternal, preferindo-vos em honra uns aos outros. (Romanos 12,10)

Tende o mesmo sentimento uns para com os outros; em lugar de serdes orgulhosos, condescendei com o que é humilde; não sejais sábios aos vossos próprios olhos. (12,16)

Sede servos uns dos outros, pelo amor. (Gálatas 5,13)

Levai as cargas uns dos outros, e assim cumprireis a lei de Cristo. (6,2)

Sede uns para com os outros benignos, compassivos, perdoando-vos uns aos outros, como também Deus, em Cristo, vos perdoou. (Efésios 4,32)

Confessai os vossos pecados uns aos outros e orai uns pelos outros, para serdes curados. Muito pode, por sua eficácia, a súplica do justo. (Tiago 5,16)

A Eucaristia e a Comunhão dos Santos

Porventura, o cálice da bênção que abençoamos não é a comunhão do sangue de Cristo? O pão que partimos não é a comunhão do corpo de Cristo? Porque nós, embora muitos, somos unicamente um pão, um só corpo; porque todos participamos do único pão. (1ª Coríntios 10,16-17)

Conclusão

Aqui cabem três lições para guardarmos. A primeira: Deus é amigo da humanidade, mesmo pecadora. Mas os amigos de Deus são os santos. É um Deus amoroso que partilha conosco sua natureza; por isso, é nosso amigo. Mas só colhemos o fruto dessa participação pelo esforço em responder a esse amor. Esforço por um maior controle sobre nossos vícios, uma maior humildade para reconhecer nossos erros e fugir deles, por menores que nos pareçam, uma maior mansidão com os erros dos outros, por maiores que nos pareçam, disposição em servir o outro, paciência com o sofrimento, por atroz que seja, um maior cuidado com nossas palavras, para que elas aproximem as pessoas de Deus, e nunca as afastem dele; até os nossos pensamentos devem mudar radicalmente.

São Paulo, aos Filipenses: Finalmente, irmãos, tudo o que é verdadeiro, tudo o que é respeitável, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama, se alguma virtude há e se algum louvor existe, seja isso o que ocupe o vosso pensamento. O que também aprendestes, e recebestes, e ouvistes, e vistes em mim, isto praticai, e o Deus da paz será convosco. (Filipenses 4,8-9)

Segunda lição: A santidade é uma possibilidade. E é por isso mesmo que a santidade é um dever.

São Paulo aos Coríntios: Fostes comprados por preço. (1ª Coríntios 6,20).

A santidade foi tornada possível porque alguém nos comprou por um preço. E que preço é este que nós valemos? Que preço é este que Deus, que amou tanto os pecadores, quis pagar?

São Paulo, no livro dos Atos dos Apóstolos: é o preço que vale, vejam só, a Igreja de Deus, a qual ele comprou com o seu próprio sangue. (Atos 20,28) Um alto preço: nada menos que o sangue de Cristo.

A santidade é possível e, por isso mesmo, é um dever; um dever de honra.

Aliás, a santidade não é possível apenas no sentido de que o caminho para ela foi aberto por Cristo, mas também no de que esse caminho foi percorrido por pessoas, inúmeras: são os Santos. Eles são a prova dessa possibilidade.

Na Carta aos Hebreus: Portanto, também nós, visto que temos a rodear-nos tão grande nuvem de testemunhas, desembaraçando-nos de todo peso e do pecado que tenazmente nos assedia, corramos, com perseverança, a carreira que nos está proposta, olhando firmemente para o Autor e Consumador da fé, Jesus, o qual, em troca da alegria que lhe estava proposta, suportou a cruz. (Hebreus 12,1-2)

Quando você vê como os Santos se aprofundaram na amizade com Deus, é impossível que a admiração que passamos a ter por eles não venha acompanhada do desejo de ser como eles. “Meu Deus, eu quero ser assim também! Eu quero fazer parte desse povo. Eu quero ter tudo em comum com os Santos. E – Por que não? – Quem dera todo o mundo fizesse parte também.”

E aí cabe a terceira lição: pense naquelas pessoas com quem você estuda, ou trabalha, ou tem algum lazer; que você ama, aquelas por quem você tem algum afeto, aquelas com as quais você se importa, a quem você quer bem; as que você só conhece…

Não é raro que a única luz de Cristo com a qual elas terão um maior contato na vida seja a sua. E não é raro que a única prece, vinda de um coração puro, a ser oferecida a Deus por aquela pessoa, seja a sua, algum dia.

Pense nas pessoas que podem se converter ao ver a luz de Cristo brilhando, em você, para o mundo, a luz do Cristo ressuscitado, simbolizada no Círio Pascal, aquela vela enorme do Sábado Santo, a luz que Cristo deu a você quando você foi batizado, simbolizada por aquela velinha acesa.

Pense nas pessoas que podem chegar a conhecer a alegria da salvação pelas palavras que saem da sua boca, por seus atos de virtude, por uma mudança na sua conduta: se fazia algo de errado, não faz mais, toma mais cuidado; muda, de verdade.

Pense nas pessoas que podem se salvar por causa das suas preces a Deus em favor delas; preces estas, vindas de um coração que, com esforço, ficou mais parecido com o coração de um amigo de Deus.

Pessoas que podem se salvar porque você, no esforço de imitar a Cristo, oferece, de verdade, o seu coração a Deus e, com esse espírito de auto-entrega, de renúncia da própria vontade, por amor a Deus e aos outros, com esse espírito, você reza por essas pessoas.

Veja a responsabilidade que Deus confiou a nós: Ninguém se salva sem levar consigo outras pessoas; ninguém se salva sozinho. Comunhão dos Santos é isso.

Escutemos o que Cristo disse antes de sua Paixão: Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos. (João 15,13)

Ave Maria.

Todos os Santos e Santas de Deus, rogai por nós.

Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém.

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6 respostas em “A Comunhão dos Santos”

Tem não, isso é tudo. Mas quero que ele escreva alguns textos para o site (só que é médico e tem pouco tempo livre).

Thiago

Bom dia

Qual o conceito de santo no Catolicismo Apostólico Romano?

Luiz

No IX artigo do Credo, esta palavra designa: a) aqueles cuja santidade é fato consumado, os eleitos; b) aqueles cuja santidade é como que latente, em potência, abrangendo assim as almas do Purgatório (que hão de entrar no Céu) e os fiéis da terra (que estão sendo santificados pelos sacramentos). De modo geral, podemos dizer que santo é aquele que tornou o Evangelho algo concreto nas circunstâncias de sua vida, que se revestiu das virtudes de Cristo.

Bom texto, mas “união entre naturezas divina e humana em Cristo” dá a entender união hipostática; essa união não é a mesma que a união moral nos santos pela graça; e não é a Encarnação que a inicia: Adão foi criado unido a Deus pela graça santificante (natureza elevada), e após perdê-la, recebeu-a novamente pela Fé no Cristo que viria e, assim, todos os antigos Profetas e Patriarcas.

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