À época em que os documentos do Concílio Vaticano II foram redigidos e aprovados, a “lex orandi” da Igreja Latina era a Missa Romana “de sempre” ou “tridentina” (sic) – de fato, os documentos “dialógicos” aprovados em 1965 (NA, DH e GS) já foram escritos durante o início da reforma litúrgica. Era esta Missa, celebrada no início de cada jornada de trabalho, a “lei espiritual” que supostamente animava a mente e o coração dos Padres conciliares.
Além disso, a intenção conciliar expressa (cf. Discurso inaugural de João XXIII de 11/10/62) era a de aprofundar e atualizar a doutrina certa e imutável, mas não a de trazer nenhum tipo de mudança substancial (o que seria uma intenção heterodoxa); e a expressão viva mais palpável dessa doutrina era aquela Missa Romana de sempre (e não o rito paulino, que então não existia).
Ademais, diz o magistério pós-conciliar que o CVII deve ser lido “à luz da Tradição”, e isto significa, também, “à luz da Missa de sempre”.
De modo que é simplesmente impossível, por ilógico, defender a continuidade do CVII com a Tradição e negar à Missa Romana de sempre o caráter de “lex orandi” da Igreja em quaisquer tempos pós-conciliares; tal significaria: a) que o novo rito seria uma traição à Missa da Tradição e ao próprio CVII; b) ou, considerando-se que o rito novo seja simultaneamente uma lei excludente da Missa Romana e uma expressão fidedigna do verdadeiro “espírito conciliar”, que o próprio CVII já estaria traindo a Tradição durante sua realização, com a maioria dos Padres conciliares já intencionando o rito a ser fabricado com sua nova lei espiritual; c) ou que Francisco considera que o rito novo e o CVII são incompatíveis com a [Missa da] Tradição.
O caminho da “continuidade” não tem realmente condições de prosperar – a prova é o pontificado de Francisco -, mas, para ser defendido, deve ser trilhado com coerência interna, assumindo, a propósito de Traditionis Custodes, alguma das conclusões: a) ou o rito novo é uma expressão de ruptura; b) ou o CVII é ele mesmo uma ruptura com a Tradição; c) ou Francisco é um hermeneuta da ruptura.
O que passa disto é hipocrisia.
– Joathas Bello