Recentemente colhi o seguinte depoimento de Lincoln Haas Hein no Facebook sobre as Primas e Completas do Ofício Parvo na vida do leigo (fiz uma sistematização com um comentário do autor ao seu post original e pequenas harmonizações no estilo):

Comentei com um amigo após algumas pesquisas algo que vale a pena ser divulgado aqui sobre as Horas litúrgicas de Prima e Completas no Ofício Parvo de Nossa Senhora:
Pesquisando sobre o Ofício seja o Parvo seja a Liturgia das Horas, vi que era costume muito difundido antes do Concílio os leigos rezarem a Prima como oração da manhã ao acordar e as Completas como oração antes de dormir (algo que fazia mais sentido do que rezar Laudes e Vésperas dentro do contexto da vida cotidiana laical).
A Hora Prima tradicionalmente significa uma consagração do dia e do trabalho pedindo a proteção de Deus e um relembrar das obrigações cotidianas (enquanto as Laudes são mais dedicadas ao puro louvor, a uma consagração do cosmos e a adoração) – nos ambientes monásticos e religiosos geralmente estava associada a um capítulo matinal que distribuía tarefas e pode por um leigo ser associada a uma meditação breve sobre os bons propósitos para o dia que se inicia, e sobre as questões e trabalhos que deve resolver ou lidar (colocando tudo nas mãos do Senhor pela manhã).
Os três salmos da Prima do Ofício Parvo romano são particularmente interessantes:
1- O primeiro pede proteção contra os maus – contra o mundo e o demônio;
2- O segundo pede conversão – contra a carne e as concupiscências; também recorda a encarnação e a segunda vinda de Cristo: muitos trechos dele são usados em antífonas das missas no tempo do advento. É um salmo de esperança.
3- O terceiro é um salmo curto que no rito romano após São Pio X e no rito novo substitui os tradicionais laudade (148, 149, e 150) como salmo de louvor nas Laudes em um dos dias da semana. É um salmo que fala da fidelidade de Deus em sua verdade e misericórdia: é quase um paralelo louvando em Deus o que se diz em outro salmo “Verdade e amor são os caminhos do Senhor para quem guarda sua Aliança e seus preceitos” e assim relembra o nosso dever de corresponder ao amor e fidelidade divinas com verdadeiros e sinceros atos de fidelidade e amor. É um salmo que serve tanto para combater o demônio e o orgulho da vanglória dando louvor a Deus quanto para ter algo do louvor das Laudes renovado.
Já nas Completas há o exame de consciência do dia que passou e há uma entrega confiante em Deus para que proteja e guarde durante as horas do sono. No Ofício Parvo romano rezam-se os salmos graduais do 128 ao 130:
1- O primeiro é alegoricamente uma lembrança da paixão e sofrimentos de Cristo, uma recordação da justiça divina e uma imprecação contra os inimigos de Cristo e da Igreja – serve bem para pôr a alma diante da responsabilidade de não ofender a Cristo, diante da lembrança da morte e do inferno assim como para alimentar a esperança. Renova em outra chave o combate ao mundo e ao demônio que estava implícito no primeiro salmo das Primas.
2- O segundo é o De profundis, um dos salmos penitenciais, além de servir a esse propósito de emenda pelas faltas cotidianas fala de vigilância noturna (“mais que os vigias pela aurora espere Israel pelo Senhor”): mesmo dormindo velamos se nos pomos a dormir com esperança em Deus confiando. Há um apotegma que se um monge não pudesse jejuar por razões de saúde poderia com a força das vigílias fervorosas conhecer a glória que se esconde na vida monástica de busca por Deus. Renova em outra chave o combate à carne/concupiscências que estava implícito no segundo salmo das Primas.
3- O último é uma afirmação de busca pela humildade, inclusive citado na regra de São Bento. Serve para colocar a percepção da nossa pequenez diante da imensidão divina e assim tem algo do louvor do terceiro salmo de prima e renova de maneira bem explícita o combate ao orgulho e vanglória e ao demônio que inspira revolta contra Deus.
Vale lembrar que os salmos graduais são os salmos da “ascenção” e “subida”, da peregrinação e procissão ao Templo de Jerusalém. Em sentido espiritual cristão os Padres e São Bento interpretam eles como apontando o itinerário cristão de elevação espiritual para viver no verdadeiro terceiro templo que é o Corpo de Cristo como pedras vivas e espirituais. Com estes três salmos das Completas do Ofício Parvo romano (128 a 130) temos em miniatura o essencial dos graduais: as profundezas miseráveis de onde somos retirados pela bondade divina e elevados à vida sobrenatural; a cruz como caminho e busca de vida no templo, enfrentamento dos inimigos e encontro com Deus no santo dos santos (o coração aberto de Cristo); a humildade como condição de habitação na morada de Deus; a confiança em Deus e desconfiança em nós mesmos pois “se o senhor não edificar, em vão trabalham os que a constroem” e assim a importância da humilhação e confiança que aparecem nesses salmos.
Com este pequeno conjunto de seis salmos (juntando os da Prima e os das Completas) temos os seis dias da nova criação do homem para repousar no sábado do nunc dimittis que é nesta vida, à luz da fé, a salvação em Cristo; a morte como sono místico; enquanto aguardamos a vinda do oitavo dia que é a glória final.
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Para saber mais sobre o Ofício Parvo clique aqui.
3 replies on “Prima e Completas do Ofício Parvo na vida laical”
Salve Maria!
Extremamente inteligente e útil o seu artigo, obrigado e parabéns pela clareza! Tranquilizou-me quanto a minha correria do dia a dia em uma cidade grande, como Belo Horizonte, e necessidade de consagrar o devido tempo para Deus e Sua SSma Mãe. Marcar estas duas horas como o fio condutor do dia para um leigo ativo pareceu-me razoavelmente bem propício e, em certo sentido, flexível.
Resta-me ainda saber: se nestas duas horas canônicas eu cumpriria um dos critérios do privilégio sabatino?
Viva Cristo Rei
Dr Wandré Machado
Prezado Wandré, realmente não sei se essas duas Horas sozinhas cumpririam o necessário para o privilégio sabatino. Na dúvida, é melhor considerar que o privilégio se refere a todo o Ofício. Vou pesquisar mais sobre o tema.
Wandré, boas notícias: segundo artigo da Enciclopédia Católica, a obrigação de recitar todo o Ofício Parvo e a da abstinência de carne nas quartas e sábados pode ser substituída, a critério do confessor, por um outro exercício de piedade (vide um Decreto da Congregação das Indulgências de 11 de junho de 1901); ou seja, essa alternativa, que se concretiza de várias formas, pode perfeitamente ser a recitação da Prima e das Completas do Ofício de Nossa Senhora.