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Medianeira

Um leitor me mandou a seguinte pergunta:

O que dignifica o título de Medianeira de Todas as Graças? O que você achou do último documento pontifício sobre o assunto?

Começo respondendo pelo final: não tenho como escrever nada mais profundo sobre esse tema agora, pois até a metade do mês que vem estarei muito ocupado com os afazeres do trabalho. Obviamente temos um texto super inoportuno de quem parece viver alheio à devoção a Maria Santíssima (o tal Tucho) e que não quis vencer o problema de estar indo contra o que foi afirmado no passado por Santos e Papas…

Sobre o assunto, recomendo sobremaneira a compra da seguinte obra: Maria Medianeira Universal, um tratado em dois volumes do famoso Pe. José Bover, S.J. Ela deve ser o bastante para dirimir qualquer dúvida sobre o tema. Agora, se você não tiver tempo e dinheiro, vou disponibilizar abaixo um resumo feito pelo mesmo autor e um opúsculo de D. Antônio de Castro Mayer:

De um modo super sintético, para não lhe deixar sem resposta, faço minhas as palavras de D. Antônio Costa, bispo de Frederico Westphalen:

O que significa “Medianeira de todas as Graças”?

• Medianeira vem de mediatrix (latim): aquela que está no meio, que intercede ou facilita a comunicação.

• Na teologia católica, Maria é chamada Medianeira porque, por sua cooperação única no plano da salvação (como Mãe do Verbo Encarnado), todas as graças que vêm de Cristo passam, de algum modo, por sua intercessão materna.

• Isso não significa que Maria seja fonte das graças (a fonte é sempre Cristo), mas que Deus quis associá-la à distribuição das graças, em virtude de sua maternidade divina e de sua perfeita união com a vontade de Deus.

A mediação de Maria é participada, subordinada e materna, enquanto a de Cristo é essencial, redentora e única.

Maria é Medianeira de todas as Graças não porque as cria, mas porque Deus quis que todas passassem por suas mãos de Mãe, para que, por meio dela, cheguemos mais facilmente a Jesus.

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O Credo do Povo de Deus e o Vaticano II

Uma interessante reflexão de Joathas Bello sobre a relação do Credo do Povo de Deus, do Papa Paulo VI, como norte interpretativo do Vaticano II:

Outro texto muito importante para entender o “magistério conciliar” é o “Credo do Povo de Deus” [antes ele tinha comentado sobre a Dominus Iesus], Credo solene de Paulo VI, professado em 1968, que poderia ser dito a “Confissão de Fé do CVII”.

Nele, se vê com bastante clareza o que o CVII declarou como de fé – por participação no magistério infalível (solene ou ordinário universal) -, e o que declarou como seu peculiar ou sui generis “magistério pastoral”, parenético (ad intra) e dialógico (ad extra).

Por exemplo, lá se diz “Cremos na Trindade” (ato de fé), e “rendemos graças à Bondade divina pelos que dão testemunho da unidade divina, embora não reconheçam a Trindade”. Vê-se, pois, com clareza, que a afirmação do teor para o diálogo inter-religioso não faz parte da confissão de fé, mas é uma conclusão filosófica e teológico-pastoral que promove tal diálogo a partir do “comum” (reconhecimento racional da Divindade una).

Diz-se ainda que “Cremos na Igreja una, santa, católica e apostólica, edificada por Cristo sobre Pedro”, e que “cremos na infalibilidade papal ex cathedra e na infalibilidade eclesial”.

Mais adiante se diz “Cremos na Igreja, una na fé, no culto e comunhão hierárquica” (ato de fé), e “reconhecemos fora da sua estrutura muitos elementos de santificação e verdade, que como dons da própria Igreja, impelem à unidade católica”. Vê-se, pois, que a afirmação do teor para o diálogo ecumênico não faz parte da confissão de fé, mas é uma conclusão teológico-pastoral que promove tal diálogo a partir do “comum” (reconhecimento teológico da origem comum da Hierarquia, dos Sacramentos e da Sagrada Escritura, e de que o fim dessas realidades é a unidade católica).

Em seguida, se diz “Cremos que a Igreja é necessária para a salvação” e emenda com a doutrina clássica da possibilidade da salvação em ignorância invencível.

Diz-se que “Cremos na Missa como Sacrifício do Calvário” e que “Cremos na Transubstanciação eucarística”. O CVII não implementou nenhuma nova concepção doutrinal a respeito da Fé eucarística.

Depois, diz-se que “Confessamos que o Reino de Deus começa aqui na terra na Igreja e não é deste mundo, que seu crescimento não pode ser confundido com o progresso da cultura humana e da ciência, mas em conhecer as riquezas insondáveis de Cristo, esperar os bens eternos, responder ardentemente ao amor de Deus, difundir cada vez mais a graça e santidade entre os homens”. E simplesmente afirma que o “mesmo amor impele a Igreja a interessar-se pelo bem temporal dos homens, em promover a justiça, a paz e a união fraterna, e a ajudar especialmente os pobres”, e diz que “esta solicitude não pode ser interpretada como se a Igreja se acomodasse às coisas do mundo”. Vê-se, pois, que a afirmação do teor para o diálogo com a humanidade não faz parte da confissão de fé, mas é uma conclusão teológico-pastoral que promove tal diálogo a partir do “comum” (a promoção da justiça, da paz, da concórdia).

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Percebe-se que a “colegialidade” e a “liberdade religiosa” nem sequer são mencionadas, ou seja, não foram apresentadas com status de “verdades de fé”. Podemos presumi-las como conclusões teológicas para fomentar o “diálogo” hierárquico no interior da Igreja (os sínodos dos bispos foram a aplicação concreta da “colegialidade”), e para a implementação do “diálogo” ad extra.

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Por que estas considerações são importantes? Porque elas demonstram que os problemas conciliares se situam “em torno das questões de fé” [algo análogo se passa com a “reforma litúrgica”], não as atingindo diretamente (mantendo incólume a “substância do depósito da fé”). Isto não minimiza a crise vivenciada, apenas indica com maior rigor a sua natureza. A distorção dessas conclusões teológicas [que não são de fé] oficiais ou pastoralmente programáticas é o mais grave que pode ocorrer na vida da Igreja, mas não é uma defecção oficial da fé [o magistério tem uma estrutura ou umas formalidades que funcionam como efetiva barreira para uma “apostasia oficial”]. A rigor, é mais um problema moral, relacionado ao testemunho do que se confessa, do que doutrinal, relacionado à confissão mesma.

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Sim, ele mentiu

Ainda estou lendo e analisando com cuidado as revelações publicadas nesta semana pela jornalista Diane Montagna acerca da contradição entre o resultado da consulta aos bispos de 2020 sobre a implementação do Summorum Pontificum e o que o Papa Francisco divulgou desse relatório para justificar o seu infame Traditionis Custodes.

Segundo o Rorate Caeli, nem a cismática conferência episcopal alemã, no seu site de notícias, conseguiu, com linguagem eufemística, esconder a verdade:

O Papa Francisco parece ter ignorado o conselho dos bispos previamente consultados em todo o mundo ao restringir a Missa Tradicional em latim. De acordo com documentos agora divulgados, as respostas a uma pesquisa realizada pela Congregação para a Doutrina da Fé sobre a implementação das regras para a liturgia pré-conciliar estabelecidas pelo Papa Bento XVI foram significativamente mais positivas do que as apresentadas pelo próprio Papa. [ênfase adicionada]

Sim: Francisco mentiu. Ele mentiu já que optou por apresentar o relatório secreto dos bispos como causa para seu programa de limitação atual e futura extinção da Missa e dos ritos tradicionais. Em Traditionis Custodes, Francisco disse (4º parágrafo):

Neste momento, tendo considerado os desejos expressos pelo episcopado e ouvido o parecer da Congregação para a Doutrina da Fé…

Mas isso não foi verdade. Ele NÃO considerou os desejos expressos pelo episcopado. Ele considerou seus próprios desejos ideológicos.

Como disse o Rorate Caeli: “tanta dor, tanta perseguição, tantos abusos movidos simplesmente pelos caprichos de uma alma perturbada”.

Ainda sobre esse absurdo, faço minhas as palavras do presidente do Confraria D. Vital, o advogado Jefferson Andrade, que publicou o seguinte no seu FB:

A tirania é o abuso da autoridade concedida por Deus. Esse abuso pode se manifestar de forma material — por meio de prisões arbitrárias, fome, supressão do direito natural à propriedade e outras formas típicas de regimes totalitários no campo temporal. Contudo, é ainda mais grave quando a tirania emana do poder espiritual. Trata-se de uma forma de abuso clerical que impede ou limita os fiéis no acesso à Graça, ou que proíbe ritos e elementos próprios da liturgia religiosa. Esse tipo de abuso é comum no âmbito da Teologia da Libertação.

Recentemente, diversos jornais e canais denunciaram a fraude na consulta feita aos bispos sobre a experiência da Tradição, decorrente do documento Summorum Pontificum, de Bento XVI. A jornalista Diane Montagna trouxe a matéria que em pouco tempo repercutiu. O Papa Francisco, sem justificativa clara, determinou que fosse realizada uma pesquisa sobre os efeitos diocesanos do referido documento. A fraude se deu nos resultados da consulta, que teriam indicado reprovação por parte do episcopado; no entanto, a realidade demonstrava bons frutos, além de não recomendar qualquer limitação ou revogação.

Diante da fraude e de sua tentativa de ocultamento, o Papa Francisco publicou um documento tirânico: Traditionis Custodes. Esse texto buscou, na prática, “matar de inanição espiritual” os fiéis ligados à Missa Tridentina. Diante dessa trágica e lamentável realidade, não restará alternativa ao Papa Leão XIV senão anular ex officio esse documento, cuja base foi a mentira e o abuso clerical.

O pior de tudo é que mesmo após tudo isso vir a lume, os neoconservadores brasileiros, atualmente engajados numa cruzada contra o CDB, não aprenderão nada. Jamais vão se perguntar se a caída do CDB nas mãos da FSSPX não é o resultado da tirania francisquista…

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Os direitos da tradição e os limites do positivismo papal

Tradução do texto de uma palestra dada pelo Dr. Peter Kwasniewski na conferência Paix Liturgique, Roma, em 28 de outubro de 2022 e que foi mais tarde publicada pela Catholic Family News. Esta palestra representa basicamente aquilo que penso sobre o tema da obediência no atual contexto de crise da Igreja, me afastando de neoconservadores e sedevacantistas, embora que sem aderir a todas as consequências práticas defendidas e tomadas pelo autor.

Sempre que os tradicionalistas se opõem ou rejeitam uma determinação papal específica sobre a liturgia — seja a criação de novos livros litúrgicos ou a limitação severa do uso de ritos costumeiros — nossos oponentes neoconservadores [e também os sedevacantistas] estão prontos para nos atacar com uma bateria de textos extraídos de papas como São Pio X ou Pio XII, ou do Vaticano II, ou de manuais neoescolásticos, no sentido de que “o papa tem o direito de mudar a liturgia, instituir este ou aquele rito como quiser” etc., porque, como o Vaticano I ensina, ele tem jurisdição suprema, universal e imediata sobre a Igreja. Obviamente, há alguma verdade em tal afirmação, mas ela não prova tanto quanto aqueles que a dizem pensam que prova.

Primeiro, qualquer declaração como essa é governada por certas normas implícitas. Por exemplo, que o Papa pode instituir ou alterar ritos nunca foi tomado como significando que ele pode abolir um rito completamente, por exemplo, um dos ritos orientais da Igreja sobre o qual ele é tecnicamente o chefe supremo com autoridade jurídica universal e imediata. E se ele fizesse isso, os católicos bizantinos estariam totalmente dentro de seus direitos de ignorar sua ação completamente e continuar como se nada tivesse mudado. Há abusos ou usos indevidos de autoridade que cancelam sua ação, e somos capazes de formular critérios para tais casos.

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A polêmica dos catecismos

Excelente vídeo do Rafael Brodbeck sobre a celeuma, despropositada a meu ver, sobre um livro editado pelo CDB que critica o catecismo de João Paulo II.

O livro do CDB de fato merece ser analisado, mas os que quiseram fazer isso foram apressados e perderam a mão, recrudescendo divisões.

Alguns dos argumentos do livro divulgados pelos editores são ridículos, como o de exigir de quem não é católico a crença no Deus Trindade; ora, aqui há uma confusão primária sobre o conceito filosófico e o teológico de Deus que abordei nesta postagem. Temos ainda a questão do subsiste, que já foi alvo de interpretação autoritativa da Igreja, salvo engano, no fim da década de 1990, e sobre a qual não deveria existir celeuma; as seguintes fotos ilustram isso (e as publico sem chancelar outros críticas feitas pelo seu autor):

Outros pontos parecem ser mais fundamentados, como o relativo à diluição do caráter sacrificial da Missa e o relativo à pena de morte.

De uma forma ou de outra, ver uma matilha de neoconservadores atacando o CDB de modo tão histérico leva a algumas perguntas: Há alguma coordenação entre eles? Estão agindo como instrumentos da “CNBB do B”, que desde o ano passado tenta cooptar “influenciadores”? Minha resposta a essas questões e outras semelhantes é negativa. Acredito que aqui temos um problema de fundo psicológico, pois para essas pessoas, ou para quem os formou, o catecismo de João Paulo II foi a pitada de ortodoxia existente durante certo período, de modo que atacá-lo, contestá-lo, é como agir contra um sequestrador “bonzinho” no meio de um ato criminoso (a famosa “síndrome de Estocolmo”). Ou seja, o emocional impede a análise objetiva e a ponderação sobre as acusações feitas pelo CDB. Não aprenderam nada com o “pontificado” anterior…

Particularmente, após a modificação de Bergoglio, não recomendo mais o CIC, mas o uso de modo acessório; prefiro, na verdade, Boulanger a qualquer outro.

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Francisco rompeu com a Tradição?

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Da obediência à injustiça

Um cristão deve acatar obedientemente todas as disposições particulares injustas na Igreja (desde que não sejam imorais, que não mandem o pecado ou abusem da dignidade humana e batismal, evidentemente).

Assim, um fiel terá que aceitar a perseguição de seu superior: um bispo, deve aceitar uma renúncia injusta imposta por um mau Papa; um teólogo ortodoxo, aceitar ser removido de sua cátedra por um bispo herético; um monge, aceitar um trabalho humilhante do abade invejoso; um leigo, aceitar ser retirado do seu trabalho fecundo numa pastoral por um pároco arrogante, etc.

Todas esses reveses devem ser acatados como cruzes, e esta aceitação humilde é fonte de santidade para o fiel perseguido e a Igreja. O superior peca e não se santifica com estas ordens deliberadamente imprudentes, mas a obediência é para a santificação dos subordinados.

Mas se o superior ordena algo que afeta o bem comum da Igreja, então não faz o menor sentido a obediência, que, em tais casos, é reduzida a obediência servil, não fiducial.

Por isso, o rechaço da conduta abusiva de superiores que são predadores sexuais não é de modo algum um ato de “desobediência”, mas de virtude!

Por isso, também, a “desobediência” dos tradicionalistas na questão da Missa é um ato heroico de Fé teologal e de santa obediência à Lei Divina.

Quando um Papa age contrariamente ao bem comum da Igreja, por exemplo, proibindo uma Tradição apostólica ou ensinando um erro heretizante no magistério ordinário meramente autêntico – tais atos têm de poder ser discerníveis ao menos pelos fiéis mais doutos e virtuosos, pois do contrário a Fé seria uma agnose fideísta e uma gnose papólatra -, então ele não atua em consonância com seu ofício, ele não exerce um verdadeiro ato magisterial ou disciplinar, isto é, não age como pontífice, e não se encontra, portanto, nestes atos, sob a proteção do adágio (que é uma norma canônica – que supõe o ato ou conduta justos – e não um dogma) “ninguém julga a Santa Sé”.

Joathas Bello

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O enigma da crise