Tradução e adaptação de um artigo de Jane Stannus:
“Destrua os Quatro Velhos”. Este slogan era central na chamada Revolução Cultural chinesa, lançada em Pequim em 1966. Quais eram os “Quatro Velhos”? Velhas ideias, velha cultura, velhos hábitos e velhos costumes. A destruição começou simplesmente renomeando ruas (qualquer semelhança com o que ocorre hoje no Ocidente, por pressões do “politicamente correto”, não é mera coincidência), lojas e mesmo pessoas, que mudaram seus nomes chineses tradicionais por maluquices do tipo “Vermelho Determinado”.
A violência logo se seguiu. Guardas vermelhos invadiram as residências dos mais ricos para destruir livros, pinturas e objetos religiosos. Prédios históricos foram demolidos ou tiveram sua visitação vetada. Cemitérios nos quais estavam os restos mortais de notáveis da época pré-revolucionária foram vandalizados, suas tumbas dessacralizadas. Antigos costumes em torno do matrimônio, de festivais e da vida familiar proibidos. Templos e igrejas foram derrubados ou vertidos para algum uso secular.
Por que? Por que tudo isso foi necessário?
Porque, segundo o entendimento de Mao, as tradições do passado tinham de ser destruídas para dar lugar a novas ideias, a uma nova cultura, novos hábitos e novos costumes. Em resumo: o comunismo marxista é tão estranho a qualquer sociedade tradicional, que as pessoas identificadas com ela, seja cultural ou religiosamente, são psicologicamente incapazes de aceitá-lo. Uma comparação entre a campanha contra os “Quatro Velhos” e a campanha travada contra a Missa romana tradicional nos últimos 50 anos não é inteiramente justa, pois o elemento de violência física está ausente. No entanto, devemos lembrar que a Revolução Cultural começou sem violência: simplesmente renomeando tudo, atribuindo uma nova identidade a tudo, isolando as pessoas de sua herança cultural e religiosa.
Portanto, ninguém, católico ou não, que se considera conservador, pode ver a tentativa estranha e autossabotadora da Igreja Católica de se livrar de sua Missa tradicional em latim sem preocupação.
Todos os historiadores sérios estão cientes da enorme influência da Igreja no desenvolvimento da civilização ocidental. No coração da Igreja Católica arde, como uma fornalha, a Missa gregoriana, seu ato de adoração definidor e sua fonte de energia. Essa Missa foi a força que construiu catedrais, mosteiros, hospitais e universidades. Ela trouxe a era da cavalaria e a era do barroco. Foi a inspiração unificadora que fez com que a Europa surgisse das ruínas do Império Romano, moldando toda a sociedade ocidental como resultado.
É óbvio para qualquer analista objetivo que as celebrações nesse rito são uma parte essencial da história e da identidade do catolicismo. Então, por que o Vaticano, por mais de meio século, vez ou outra, tem tentado se livrar desse tesouro – como é o caso do mais recente Motu Proprio (Traditioni custodes) do Papa Francisco?
Neste documento, Francisco dá ordens calculadas para eliminar gradualmente a Missa gregoriana segundo a conveniência dos bispos, deixando os católicos comuns separados de sua forma tradicional de culto.
Esse é apenas o último revés em uma série de altos e baixos para a Missa antiga nos últimos 50 anos. Em 1969, Paulo VI promulgou o rito moderno que a maioria dos católicos ocidentais frequentam hoje. Ele foi projetado por uma comissão cujo mandato era garantir a acessibilidade tanto para católicos quanto para protestantes modernos, e para expressar certas ideias que haviam sido favorecidas na década de 1960, durante o Concílio Vaticano II. O uso do antigo rito era proibido, com raras exceções.
A maioria das pessoas aceitou isso, algumas cheias do otimismo róseo que era uma marca registrada do catolicismo daquela época, outras por um espírito de obediência que, em retrospecto, pode ter sido exagerado além de seus requisitos legais.
Mas um punhado resistiu. Eles acreditavam que o Vaticano não tinha o direito de isolar os católicos de suas tradições sagradas. Seus padres continuaram a oferecer a velha Missa: não, diziam eles, em desafio ao Papa, mas por lealdade à Igreja de todos os tempos.
Sob a pressão desse movimento crescente, o Vaticano manerou seu posicionamento, pelo menos em algumas coisas. Então, em 2007, o Papa Bento XVI lançou ondas de choque pela Igreja ao afirmar – como os que resistiram sempre disseram – que a Missa tradicional não estava proibida e, ainda mais, nunca tinha sido. “O que as gerações anteriores consideravam sagrado, continua sagrado e grande para nós também, e não pode ser de repente totalmente proibido ou mesmo considerado prejudicial”, escreveu ele. A estrela tradicionalista estava em ascensão.
Avancemos para 2021 e os freios voltaram a ser acionados: a Missa só pode ser rezada com permissão especial, os bispos devem desencorajá-la, todos os católicos devem retornar gradualmente ao uso do rito paulino… Adeus velhos hábitos!
Alguém pode pensar que a Igreja tem questões mais urgentes, como os escândalos sexuais e financeiros, a ameaça de cisma na Alemanha e a perseguição aos católicos na China… No entanto, para Francisco, a antiga identidade da Igreja – preservada por uma minoria – é que é bola de demolição.
Essa repressão burra, contudo, já nasceu morta. Não estamos mais em 1969, e a reviravolta sobre o tema (Bento diz sim, Francisco diz não) mostra uma falta de seriedade do Vaticano que se refletirá na resposta dos tradicionalistas.
Como os resistentes da década de 70, eles argumentarão que a Igreja não tem o direito de condenar sua própria tradição sagrada. Eventualmente, um Papa favorável aparecerá. Afinal, a Igreja Católica pensa em termos de séculos.
Mas, por enquanto, aqueles que não gostam do totalitarismo deveriam sentir seus alarmes internos disparando. A Revolução Cultural nos ensina que o desprezo por nossos velhos resulta na perda do senso coletivo de identidade. Precisamos de nosso passado, como uma criança precisa saber quem foram seus pais, como uma nação precisa saber sua história. Precisamos – temos direito a – nossas tradições sagradas. Os não católicos que olham para a Igreja têm o direito de esperar que a Igreja mantenha sua identidade, seja a protetora da civilização e da moral que sempre foi.
Quem somos nós, separados de nossa Missa Antiga, de nossa identidade ancestral?
Os chineses poderiam nos dizer. Nós somos tudo o que a força mais poderosa do dia decidir. E isso é assustador.
OBS: A foto de capa é de um mapa de Pequim em 1968 no qual ruas e pontos de referência foram renomeados durante a Revolução Cultural.
A foto interna é de uma escultura feita durante a revolução cultura chinesa (1968), na qual um guarda vermelho com uma metralhadora e um livro vermelho, se coloca em cima de uma pessoa ajoelhada. O homem carrega um chapéu dizendo: batam no velho professor, um cartaz que informa: autoridade acadêmica reacionária.
2 respostas em “Os quatro velhos e a batalha pela Missa romana tradicional”
E por falar em China, seria legal a China deixar Sua Santidade o Dalai Lama voltar para o Tibete.
Esse seu comentário não tem relação com o texto, mas, de qualquer forma, penso que isso nunca vai acontecer. A perseguição religiosa e cultural na China está em alta!