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Frutos do "novo Pentecostes"

Hoje meu pároco não pôde celebrar a última Missa do dia e, em substituição a ele, veio o reitor de uma instituição de ensino superior católica (formado em centros de estudo da França e Itália). Pois bem, esse sacerdote só fez abusos atrás de abusos. Eu vi o seguinte (tem a parte que não vi, pois estava dando uma de porteiro e segurança da igreja): não elevou o Corpo e o Sangue após a consagração e não se ajoelhou para adorar; quase negou a Comunhão a um jovem que se ajoelhou para recebê-la; não purificou o cálice, as âmbulas e as patenas; e, por fim, foi atender a confissão de um seminarista que, depois, me disse que achava que ela tinha sido inválida por falta de forma!

Um amigo que teve aulas de teologia com esse padre (que, em passado recente, negou um pedido de colocação de crucifixos nas salas da instituição de ensino da qual é reitor para “não chocar” os não-católicos) contou que aula dele é uma sucessão de heresias ou de colocações com “bombas-relógio” escondidas (nada mais modernista). De negação da Trindade como categoria teológica a considerar Nietzsche como referencial filosófico tem de tudo.

São precisamente esses os frutos das reformas pós-conciliares! E ninguém venha dizer que isso é radicalismo de minha parte ou que esse padre não passa de uma excessão. Vou explicar porque não é assim: dada sua formação, ele representa o paradigma daquilo que a educação teológica católica quer produzir hoje.

Aí, quando pessoas assim ocupam cargos na burocracia romana e soltam absurdos como o da validade da Anáfora de Addai e Mari, os neoconservadores querem que nos calemos por prudência… é o fim da picada.

Pelo menos, pude rir um pouco quando o rapaz a que ele quase negou a Comunhão, após a Missa, cumprimentou o tal sacerdote pedindo sua benção e beijando sua mão. Que susto ele levou

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Uma trela

Um confrade aqui de Recife, me contou que deu uma andada pelo centro da cidade e colocou como intenção de ação de graças em várias Missas de igrejas diferentes o seguinte:

“Pela retirada das excomunhões dos bispos sagrados por D. Marcel Lefebvre.”

A reação dos comentaristas ou sacerdotes ao lerem tal intenção foi hilária: começavam a abaixar a voz e olhar para o papel com atenção (como se estivessem lendo algo errado) e, depois, a olhar para a assembléia, procurando o lefebvrista infiltrado.

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Do Breviário à Liturgia das Horas

breviario

A Liturgia das Horas recebeu vários nomes na história. O mais difundido foi o de Breviário, que indicava a reunião em um só volume, para facilitar a recitação individual, de todos os elementos necessários para celebrar o Ofício Divino, como salmos, leituras, hinos, etc. Esse nome, todavia, também encerrava uma mentalidade privatista e reducionista da prece eclesial que sempre se quis corrigir (pelo menos desde Trento), mas que o caminhar turbulento da Igreja sempre adiava.

Depois do Vaticano II, recuperaram seu significado as expressões Ofício Divino e Liturgia das Horas. Ofício quer dizer serviço cultual e ação litúrgica (ou seja, pública), e divino indica em honra de quem se realiza a celebração. Essa expressão é equivalente à Opus Dei (Obra de Deus), segundo a expressão de São Bento (Regra 43, 3):

“Nada se anteponha à obra de Deus.”

O segundo nome faz alusão à prece eclesial distribuída segundo as horas do dia.

Nesse sentido, o Ofício Divino é verdadeira liturgia, exercício do sacerdócio de Jesus Cristo para a santificação dos homens e para o culto a Deus (Sacrosanctum Concilium 7), e, conseqüentemente, celebração de toda a Igreja, ou seja, oração de Cristo ao Pai com seu corpo eclesial (SC 84). Por esse motivo dever-se-á preferir sempre a celebração comunitária, com assistência e participação ativa dos fiéis, à recitação indivial e quase particular (SC 26-27).

Antecedentes do Ofício Divino

A origem da oração das horas deve ser buscada na oração do Divino Mestre e das comunidades católicas primitivas, que observavam os ritmos da oração judaica.

A oração judaica na época do Novo Testamento

Jesus nasceu num povo que sabia orar, no seio de uma família piedosa que observava com amor e fidelidade os preceitos do Senhor.

“Completados que foram os oito dias para ser circuncidado o menino, foi-lhe posto o nome de Jesus, como lhe tinha chamado o anjo, antes de ser concebido no seio materno.

Concluídos os dias de sua purificação segundo a Lei de Moisés, levaram-no a Jerusalém para o apresentar ao Senhor, conforme o que está escrito na lei do Senhor: ‘Todo primogênito do sexo masculino será consagrado ao Senhor‘ (Êx. XIII, 2); para oferecerem o sacrifício prescrito pela lei do Senhor, um par de rolas ou dois pombinhos.” (Lucas II, 21-24)

Num mundo politeísta, que desprezava a oração como absurda e inútil, e que reduziu a religião a um conjunto de práticas sangrentas e obscenas, Jesus participava na prece do povo instruído na oração pelo próprio Deus através da Revelação.

A prática judaica da prece compreendia três momentos de oração durante o dia: ao cair da tarde, ao amanhecer e ao meio dia.

“Pela tarde, de manhã e ao meio-dia lamentarei e gemerei; e ele ouvirá minha voz.” (Salmo LIV, 18)

“Ouvindo essa notícia, Daniel entrou em sua casa, a qual tinha no quarto de cima janelas que davam para o lado de Jerusalém. Três vezes ao dia, ajoelhado, como antes, continuou a orar e louvar Deus.” (Daniel VI, 11)

Desses momentos, dois estavam unidos aos sacrifícios perpétuos, que eram oferecidos todos os dias no Templo.

“O Senhor disse a Moisés: ‘Ordena o seguinte aos israelitas: cuidareis de apresentar no devido tempo a minha oblação, o meu alimento, em sacrifícios de agradável odor consumidos pelo fogo.’

‘Dir-lhes-ás: eis o sacrifício pelo fogo que oferecereis ao Senhor: um holocausto quotidiano e perpétuo de dois cordeiros de um ano, sem defeito. Oferecerás um pela manhã e outro entre as duas da tarde, juntando, à guisa de oblação, um décimo de efá de flor de farinha amassada com um quarto de hin de óleo de olivas esmagadas. Este é o holocausto perpétuo tal como foi feito no monte Sinai, um sacrifício pelo fogo de suave odor para o Senhor. A libação será de um quarto de hin para cada cordeiro; é no santuário que farás ao Senhor a libação de vinho fermentado. Oferecerás, entre as duas tardes, o segundo cordeiro; e farás a mesma oblação e a mesma libação como de manhã: este é um sacrifício pelo fogo, de suave odor para o Senhor.’ ” (Números XXVIII, 2-8)

Desse modo, a oração era santificada pelo sacrifício.

Ao se deitar e ao se levantar se recitava o Shemá Ysrael (Escuta Israel), a profissão de fé no Deus único.

“Ouve, ó Israel! O Senhor, nosso Deus, é o único Senhor. Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todas as tuas forças. Os mandamentos que hoje te dou serão gravados no teu coração. Tu os inculcarás a teus filhos, e deles falarás, seja sentado em tua casa, seja andando pelo caminho, ao te deitares e ao te levantares. Atá-los-ás à tua mão como sinal, e os levarás como uma faixa frontal diante dos teus olhos. Tu os escreverás nos umbrais e nas portas de tua casa.” (Deuteronômio VI, 4-9)

“Se obedecerdes aos mandamentos que hoje vos prescrevo, se amardes o Senhor, servindo-o de todo o vosso coração e de toda a vossa alma, derramarei sobre a vossa terra a chuva em seu tempo, a chuva do outono e a da primavera, e recolherás o teu trigo, o teu vinho e o teu óleo; darei erva aos teus campos para os teus animais, e te alimentarás até ficares saciado. Tende cuidado para que o vosso coração não seja seduzido e vos desvieis do Senhor para servir deuses estranhos, rendendo-lhes culto e prostrando-vos diante deles. A cólera do Senhor se inflamaria contra vós e ele fecharia os céus: a chuva cessaria de cair, e não haveria mais colheita, no vosso solo, de modo que não tardaríeis a perecer nesta boa terra que o Senhor vos dá. Gravai, pois, profundamente em vosso coração e em vossa alma estas minhas palavras; prenderas às vossas mãos como um sinal, e levaras como uma faixa frontal entre os vossos olhos. Ensinai-as aos vossos filhos, falando-lhes delas seja em vossa casa, seja em viagem, quando vos deitardes ou levantardes. Escreve-as nas ombreiras e nas portas de tua casa, para que se multipliquem os teus dias e os dias de teus filhos na terra que o Senhor jurou dar a teus pais, e sejam tão numerosos como os dias do céu sobre a terra.” (Deuteronômio XI, 13-21)

“O Senhor disse a Moisés: ‘Dize aos israelitas que façam para eles e seus descendentes borlas nas extremidades de suas vestes, pondo na borla de cada canto um cordão de púrpura violeta. Fareis essas borlas para que, vendo-as, vos recordeis de todos os mandamentos do Senhor, e os pratiqueis, e não vos deixeis levar pelos apetites de vosso coração e de vossos olhos que vos arrastam à infidelidade. Desse modo, vós vos lembrareis de todos os meus mandamentos, e os praticareis, e sereis consagrados ao vosso Deus. Eu sou o Senhor vosso Deus, que vos tirei do Egito para ser o vosso Deus. Eu sou o Senhor vosso Deus.’ ” (Números XV, 37-41)

Jesus também o recitava.

“Jesus respondeu-lhe: ‘O primeiro de todos os mandamentos é este: Ouve, Israel, o Senhor nosso Deus é o único Senhor; amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu espírito e de todas as tuas forças.’ ” (Marcos XII, 29-30)

Ao meio dia se diziam as bênçãos da Thepillah. Essa prece pertencia ao culto da sinagoga (que, salvo engano, só surgiu no exílio babilônico).

A liturgia judaica incluía, além disso, uma ampla variedade de hinos, salmos e orações para as festas, para as peregrinações ao Templo e para a liturgia doméstica, na qual se destacavam as bênçãos ao cair da tarde (lucernário) e ação de graças da ceia. Nesse ambiente de oração Jesus viveu, de modo que “o louvor a Deus ressoa no coração de Cristo com palavras humanas de adoração, propiciação e intercessão” (Instrução Geral sobre a Liturgia das Horas 3).

A oração de Jesus

“Cristo Jesus, ao assumir a natureza humana, trouxe para este exílio terreno aquele hino que é cantado por todo o sempre nas habitações celestes” (IGLH 3; SC 83). A oração de Nosso Senhor em sua vida terrena foi a expressão do colóquio eterno do Verbo com o Pai no Espírito Santo, e o anúncio da mediação sacerdotal que continua agora nos Céus.

a) A pureza de intenção.

“Quando orardes, não façais como os hipócritas, que gostam de orar de pé nas sinagogas e nas esquinas das ruas, para serem vistos pelos homens. Em verdade eu vos digo: já receberam sua recompensa. Quando orares, entra no teu quarto, fecha a porta e ora ao teu Pai em segredo; e teu Pai, que vê num lugar oculto, recompensar-te-á.” (Mateus VI, 5-6)

“Ele lhes dizia em sua doutrina: Guardai-vos dos escribas que gostam de andar com roupas compridas, de ser cumprimentados nas praças públicas e de sentar-se nas primeiras cadeiras nas sinagogas e nos primeiros lugares nos banquetes. Eles devoram os bens das viúvas e dão aparência de longas orações. Estes terão um juízo mais rigoroso.” (Marcos XII, 38-40)

b) A união da mente com a voz, para não se cair na censura de Isaías XXIX, 13.

“Este povo somente me honra com os lábios; seu coração, porém, está longe de mim. Vão é o culto que me prestam, porque ensinam preceitos que só vêm dos homens.” (Mateus XV, 8)

c) A confiança no Pai.

“Quando orares, entra no teu quarto, fecha a porta e ora ao teu Pai em segredo; e teu Pai, que vê num lugar oculto, recompensar-te-á. Nas vossas orações, não multipliqueis as palavras, como fazem os pagãos que julgam que serão ouvidos à força de palavras.” (Mateus VI, 7-8)

“Portanto, eis que vos digo: não vos preocupeis por vossa vida, pelo que comereis, nem por vosso corpo, pelo que vestireis. A vida não é mais do que o alimento e o corpo não é mais que as vestes? Olhai as aves do céu: não semeiam nem ceifam, nem recolhem nos celeiros e vosso Pai celeste as alimenta. Não valeis vós muito mais que elas? Qual de vós, por mais que se esforce, pode acrescentar um só côvado à duração de sua vida? E por que vos inquietais com as vestes? Considerai como crescem os lírios do campo; não trabalham nem fiam. Entretanto, eu vos digo que o próprio Salomão no auge de sua glória não se vestiu como um deles. Se Deus veste assim a erva dos campos, que hoje cresce e amanhã será lançada ao fogo, quanto mais a vós, homens de pouca fé? Não vos aflijais, nem digais: Que comeremos? Que beberemos? Com que nos vestiremos? São os pagãos que se preocupam com tudo isso. Ora, vosso Pai celeste sabe que necessitais de tudo isso.” (Mateus VI, 25-32)

“Jesus voltou-se então para seus discípulos: Portanto vos digo: não andeis preocupados com a vossa vida, pelo que haveis de comer; nem com o vosso corpo, pelo que haveis de vestir. A vida vale mais do que o sustento e o corpo mais do que as vestes. Considerai os corvos: eles não semeiam, nem ceifam, nem têm despensa, nem celeiro; entretanto, Deus os sustenta. Quanto mais valeis vós do que eles? Mas qual de vós, por mais que se preocupe, pode acrescentar um só côvado à duração de sua vida? Se vós, pois, não podeis fazer nem as mínimas coisas, por que estais preocupados com as outras? Considerai os lírios, como crescem; não fiam, nem tecem. Contudo, digo-vos: nem Salomão em toda a sua glória jamais se vestiu como um deles. Se Deus, portanto, veste assim a erva que hoje está no campo e amanhã se lança ao fogo, quanto mais a vós, homens de fé pequenina! Não vos inquieteis com o que haveis de comer ou beber; e não andeis com vãs preocupações. Porque os homens do mundo é que se preocupam com todas estas coisas. Mas vosso Pai bem sabe que precisais de tudo isso.” (Lucas XII, 22-30)

Outros ensinamentos dizem respeito à necessidade da oração (Lucas XXII, 40; VI, 28), à oração em seu nome (João XIV, 13-14), à oração de petição (Mateus V, 44; VII, 7), à humildade (Lucas XVIII, 9-14 e à perseverança (Lucas XI, 5-13).

Mas o ensinamento mais original e importante é o que se refere ao próprio conteúdo da oração. Esse conteúdo está condensado numa palavra: Abba, Pai!, expressão da relação filial a título único entre o Filho Jesus Cristo e o Pai. A revelação dessa relação foi seguida da doação do Espírito Santo, que torna possível a filiação divina adotiva e que todos os discípulos do Divino Mestre possam invocar a Deus. Por isso, o Pai-Nosso é o supremo modelo da oração cristã.

“Um dia, num certo lugar, estava Jesus a rezar. Terminando a oração, disse-lhe um de seus discípulos: Senhor, ensina-nos a rezar, como também João ensinou a seus discípulos. Disse-lhes ele, então: Quando orardes, dizei: Pai, santificado seja o vosso nome; venha o vosso Reino; dai-nos hoje o pão necessário ao nosso sustento; perdoai-nos os nossos pecados, pois também nós perdoamos àqueles que nos ofenderam; e não nos deixeis cair em tentação.” (Lucas XI, 1-4)

A Didaché, em fins do século I, é testemunha da substituição do Shemá pelo Pai-Nosso nos círculos judeu-católicos, também três vezes ao dia.

“Também não rezeis como os hipócritas, mas como o Senhor mandou no seu Evangelho: Nosso Pai no céu, que teu nome seja santificado, que teu reino venha, que tua vontade seja feita na terra, assim como no céu; dá-nos hoje o pão necessário (cotidiano), perdoa a nossa ofensa assim como nós perdoamos aos que nos têm ofendido e não nos deixeis cair em tentação, mas livra-nos do mal, pois teu é o poder e a glória pelos séculos.

Assim rezai três vezes por dia.” (Didaché 8, 2-3)

A oração na Igreja primitiva

Os Apóstolos, instruídos pelo Senhor depois da Ressurreição (Atos I, 3), também ensinaram a orar e organizaram no Espírito de Jesus a oração das primeiras comunidades da Igreja. Desde os primeiros momentos a “perseverança nas orações” foi uma característica da comunidade que se transformou em Pentecostes.

“Perseveravam eles na doutrina dos apóstolos, na reunião em comum, na fração do pão e nas orações.” (Atos II, 42)

Como Nosso Senhor, os primeiros cristãos acorriam ao Templo e à sinagoga, embora depois celebrassem a “fração do pão” em suas casas.

“Unidos de coração freqüentavam todos os dias o templo. Partiam o pão nas casas e tomavam a comida com alegria e singeleza de coração, louvando a Deus e cativando a simpatia de todo o povo. E o Senhor cada dia lhes ajuntava outros que estavam a caminho da salvação.” (Atos II, 46-47)

Observavam o costume de rezar privadamente ou em comum no cômodo principal, em certas horas do dia e também da noite.

“Refletiu um momento e dirigiu-se para a casa de Maria, mãe de João, que tem por sobrenome Marcos, onde muitos se tinham reunido e faziam oração.” (Atos XII, 12)

“Pela meia-noite, Paulo e Silas rezavam e cantavam um hino a Deus, e os prisioneiros os escutavam.” (Atos XVI, 25)

A oração era dirigida geralmente ao Pai celestial. Mas com o passar do tempo sobreveio na comunidade eclesial a consciência de que o Divino Mestre não somente é mediador e “lugar” único para adorar o Pai em Espírito e verdade (João II, 19-22, IV, 23-24), mas também termo da oração cristã. Exemplo disso são as doxologias, os agradecimentos ao Pai pela obra realizada em Cristo, e os hinos cristológicos.

A Liturgia das Horas na história

A história do Ofício Divino significa a perseguição, ao longo dos séculos, do ideal (Lucas XVIII, 1):

“É preciso orar sempre.”

As primeiras tentativas de organização (séculos I– IV)

Os primeiros séculos da história católica oferecem pouquíssima informação sobre a oração em certas horas. Contudo, sabe-se que a Missa dominical acabou tendo uma vigília estendida, que consistia em leituras e cantos de Salmos.

A partir do século III os testemunhos são cada vez mais abundantes e mencionam, junto com os ofícios matutino e vespertino, sem dúvida comunitários, as horas terça, sexta e nona, fixas e determinadas na recordação da Santíssima Trindade e em memória dos momentos da Paixão de Cristo e de alguns acontecimentos narrados nos Atos dos Apóstolos.

Na etapa que se seguiu à paz de Constantino o desenvolvimento do Ofício foi favorecido. Dois foram os modelos organizados:

1. O eclesial: celebrado nas catedrais e paróquias, era centrado nas celebrações da manhã e da tarde, isto é, nas laudes e nas vésperas presididas pelo bispo ou por um presbítero, com assistência do restante do clero e do povo.

2. O monástico: marcado pelo desejo de dedicar o maior tempo possível do dia à oração, seguindo os conselhos evangélicos e buscando o equilíbrio entre a oração e o trabalho. Assim, foram introduzidas, junto com as laudes e as vésperas e as horas intermediárias, a hora prima, as completas e as vigílias noturnas.

Finalmente, a organização monástica configurou todo o Ofício.

Detalhando o desenvolvimento monástico

Para os estudiosos, a oração que precedia a Eucaristia pós-apostólica, eventualmente, ficou organizada em quatro partes: uma que acabou originando a parte preparatória do Sacrifício (a Missa dos Catecúmenos do rito gregoriano), uma que se tornou as Vésperas do final da tarde, uma da qual nasceu as Matinas da meia noite e, finalmente, uma que se tornou as Laudes do começo da manhã. Esse grupo, originalmente noturno, constituiu as “Grandes Horas”, as outras cinco, as “Horas Menores”. As Matinas poderiam ser chamadas de “pai de todas as horas” e as Vésperas e Laudes de “irmãs gêmeas”, dada sua estrutura similar.

Mais tarde, o grupo diurno, Terça, Sexta e Noa foi instituído para a santificação ao longo do dia. Elas também são como gêmeas por terem uma estrutura idêntica.

Por fim, as Completas e a Prima foram criadas para servirem de oração noturna e matutina no dormitório. Elas ainda mantém um sabor monástico maior que as outras horas e podem ser consideradas um irmão e uma irmã, pois embora sejam semelhantes, não possuem uma estrutura idêntica.

Desse modo, originalmente, as horas do Ofício tinham uma correspondência com as horas do dia (segundo nossos parâmetros) um tanto diversa da que hoje possuem.

Nas minhas pesquisas encontrei a seguinte tabela:

Matinas – meia-noite

Laudes – 3 da madrugada

Prima – 6 da manhã

Terça – 9 da manhã

Sexta – meio-dia

Vésperas – 6 da tarde

Completas – 9 da noite

Ela não faz referência à Noa.

Ainda segundo essa mesma fonte, após alguns séculos, as horas adquiriram a seguinte configuração nas casas religiosas:

Matinas e Laudes – 2 e 3 da madrugada

Prima – ao se acordar

Terça – 9 da manhã

Sexta – meio-dia

Noa – 3 da tarde

Vésperas – ao anoitecer

Completas – antes de dormir

Comentando

Como se pode notar, no apanhado que fiz, há uma certa falta de sistemática na consideração do surgimento das horas. Todavia, acredito que a seguinte ordem é plausível:

1) Laudes e Vésperas

2) Matinas

3) Terça, Sexta e Noa

4) Completas

5) Prima

Sete vezes por dia eu Vos louvei, no meio da noite me levantei para Vos louvar.

Por fim, o esquema ficou assim:

Matinas (com seus três noturnos) – durante a noite

Laudes – 5 da manhã

Prima – 7 da manhã

Terça – 9 da manhã

Sexta – meio-dia

Noa – 3 da tarde

Vésperas – 5 da tarde

Completas – 8 da noite

OBS:

1) Em alguns ritos orientais (como o siríaco) o modelo eclesial, com duas horas, é que se consolidou como referência.

2) No modelo eclesial também se conhecia a oração noturna e as orações ao longo do dia, só que, em geral, elas não eram litúrgicas, posto que não assumidas pela igreja local sob a autoridade do bispo.

Do Ofício completo e solene ao Ofício particular

Nos séculos VI-IX o Ofício era a oração da Igreja local, do clero e do povo. Quando ainda não se havia generalizado a celebração diária da Eucaristia, as horas do Ofício serviam para a santificação dos dias da semana. Aconteceu, então, uma grande criação de elementos não-bíblicos: antífonas, hinos, responsórios e orações, paralela à que acontecia na Missa e nos ritos dos sacramentos.

Durante esses anos, as liturgias receberam sua estrutura definitiva.

Nós sabemos pouco sobre o Ofício Romano primitivo, mas podemos distinguir entre os das igrejas presbiterais e os das basílicas (cuidadas por comunidades mais ou menos regulares). Esse último Ofício serviu, provavelmente, de modelo ao da Regra de São Bento. Nessas comunidades das basílicas, o Ofício era composto de Salmos, antífonas, leituras da Sagrada Escritura e dos Padres, responsórios, e, em certas igrejas, como nos mosteiros, de hinos. Também nesse tempo, os aniversários dos mártires e confessores começaram a ser celebrados nas suas tumbas por meio de um Ofício votivo sem relação com o Ofício do dia.

A partir de tal base, no tempo de São Gregório Magno, a liturgia das basílicas foi aperfeiçoada (lecionário das Matinas e música para as antífonas e responsórios), ganhando sua estrutura essencial (até o pós-Vaticano II) e se espalhou para o resto de Roma e além: a Gália, a Inglaterra e a Alemanha. O Ofício das basílicas romanas tendia a virar o Ofício do clero nos diferentes países.

Pelo meio do século VIII, o curso completo das Horas, incluindo as Matinas, se tornou a prática geral, e os clérigos foram obrigados a participar dela inteiramente. O tipo de vida canônica necessária para essa celebração recebeu sua organização principalmente de São Chrodegang e do Concílio de Aix-la-Chapelle. Com Pepino, o Pequeno, a monarquia franca favoreceu e, mais tarde, Carlos Magno impôs ao seu Império, os usos romanos. Amalario e a schola cantorum da diocese de Metz tiveram um papel importante na correção e difusão do Antifonário romano.

Desse modo, com seu conteúdo fixado, a Liturgia das Horas cantada pelas comunidades, monásticas ou diocesanas, era solene na sua forma e requeria muitos livros (o Psalterium, o Antiphonale, o Collectarium, o Hymnarium, o Lectionarium, etc.) e ministros (que desempenhavam papéis diferentes durante a celebração); a congregação participava recitando Salmos e respostas decorados ou respondendo aos Salmos por refrãos. Nesse quadro, adaptações e adições passaram a ocorrer (como Salmos suplementares para cada Hora, Ofícios para a Virgem e os defuntos, comemorações diversas, preces, etc.).

Tudo isso, apesar das boas intenções, foi um desastre. As complicações nas rubricas, a quantidade de livros e o tempo necessários para se celebrar as Horas acabou afastando o clero dedicado ao cuidado direto das almas do Ofício (quanto ao povo, nem se fala). A decadência era patente e já no século X apareceram tentativas de reforma (com a redução da salmodia e das leituras nas Matinas).

Desse modo, foi natural que surgisse o Breviário.

Ela era uma experiência de juntar todas as partes do Ofício num formato “breve” – um ou mais volumes com todos os elementos dispostos numa seqüência racional. Encontramos os primeiros Breviários compilados pelos monges de Monte Cassino nos século X e XI. Embora certos Breviários mais antigos incluam alguns elementos musicais do Ofício, no geral, eles só continham o texto (enquanto os elementos musicais ficavam em outros livros, como o Antiphonale).

Mas a verdadeira difusão do Breviário só veio com seu uso pela Curia papal e, mais tarde, pela sua adoção pelos mendicantes, em especial os franciscanos.

A solução praticada na capela do Palácio de Latrão, em Roma, de usar uma abreviação (aprovada por Inocêncio III) dos livros litúrgicos empregados na Basílica foi imitada em outros lugares. O exemplar mais antigo, conhecido como Breviário de Santa Clara, se intitula assim: Incipit ordo et officium breviarii ecclesiae Curiae, quem consuevimus observare tempore Inocentii tertii papae el aliorum pontificum. Esse breviário, adotado por São Francisco em 1223 (dada sua portabilidade) e revisado por Haymo de Faversham (geral da ordem em 1240), com a imprensa, se espalhou por toda a Europa (os breviários não-romanos acabaram com sua publicação proibida).

No Breviário da Curia Romana poucas mudanças foram feitas nos textos antigos, mas numerosas seções ad libitum desapareceram. Além disso, novas tendências na vida espiritual tiveram grande influência no seu desenvolvimento posterior; elas se manifestaram na multiplicação das festas e legendas históricas e na diminuição do número de leituras e de outros elementos.

Todavia, a vantagem real do livro litúrgico único trouxe consigo o inconveniente da introdução da recitação particular. Já no século XIII canonistas e teólogos passaram a justificar a prática da recitação privada e o que no começo foi exceção se transformou em norma.

Mais tarde, no século XV, como conseqüência da Devotio Moderna, acentuou-se na espiritualidade sacerdotal a orientação intimista e subjetiva, que tendia a fazer da própria Missa e do Ofício o cumprimento de uma obrigação pessoal. Desse modo, as ordens e as congregações religiosas que foram fundadas a partir do século XVI não tinham o Ofício Divino como oração comum. E, por outro lado, a introdução das vigílias, oitavas, comemorações e ofícios duplos e semiduplos complicou novamente a celebração das Horas.

O sentimento de que uma reforma profunda devia ocorrer voltou a crescer.

Tentativas de renovação

Fazia-se necessária uma renovação do Ofício. Esse sentimento não atingia apenas o clero, obrigado a ele, mas os leigos mais instruídos também se incomodavam com a maneira como as coisas estavam; daí a multiplicação de “Pequenos Breviários” para os fiéis.

Nesse clima, surgiram algumas iniciativas mais ou menos efêmeras, como uma levada a cabo pelos teatinos, e uma que teve mais impacto, feita pelo cardeal Quiñones.

O “Breviarium Sanctae Crucis”

O Papa Clemente VII, que tinha como um dos programas de seu governo a reorganização da oração oficial, encomendou ao espanhol Francisco Quiñones, cardeal da Santa Cruz, de Jerusalém, e ex-geral dos franciscanos, o encargo de reformar as Horas, reconduzindo-as, até onde fosse possível, à sua forma antiga e, mantendo-se fiel aos princípios que marcaram o Ofício ao longo do tempo, suprimir pontos complicados e prolixos (de maneira que os clérigos não tivessem mais desculpas para descuidar da Liturgia das Horas).

Quiñones iniciou seu trabalho em 1529 e com a ajuda de Diego Meyla e Gaspar de Castro, terminou sua tarefa em 1534, pouco antes da morte do Papa; mas não o publicou até 1535, acompanhado de um breve do novo Pontífice, Paulo III. O autor o apresentou como um projeto, intitulado: Breviarium romanum ex sacra potissimum Scriptura et probatis Sanctorum historiis, collectum et concinnatum.

A acolhida do clero, em geral, foi muito positiva. As críticas e censuras feitas, no geral pelo teólogos da Sorbone, em Paris, foram levadas em conta pelo cardeal para a segunda edição do seu Breviário, a definitiva, saída em julho de 1536, com uma aprovação de Paulo III que permitia seu uso para a recitação privada por sacerdotes que tinham obtido autorização da Santa Sé. Isso respondia plenamente ao critério usado por Quiñones na sua compilação: ela não devia servir para o uso público, em igrejas, mas só para os clérigos que já estavam obrigados à recitação individual.

Conforme isso, suprimiu todas as partes do Ofício que derivavam sua origem ou tinham em vista o uso público, ou seja, as antífonas, os versículos, os responsórios, as lições breves e os capítulos, conservando apenas alguns hinos e uma parte das antífonas dos noturnos das Matinas.

Em relação à estrutura do novo Breviário, podemos destacar:

a) Uma nova distribuição dos Salmos, de maneira que em cada semana se pudesse recitar o saltério inteiro sem nenhuma repetição. Para isso, em cada hora canônica, não excluídas as Matinas, havia apenas três Salmos; mas nas Laudes, em lugar do terceiro Salmo, se devia ler um cântico. Segundo a tradição, o cântico das Laudes era o Benedictus, o das Vésperas o Magnificat e os das Completas o Nuc dimittis. Finalmente, tanto nas festas de Nosso Senhor quanto nas da Santíssima Virgem, embora de primeira classe, se deviam recitar os Salmos assinalados no saltério para o dia em que caia a comemoração. Assim, por exemplo, se a Assunção cai numa sexta-feira, nas Matinas se dizia os Salmos 21 (Deus, Deus meus, respice…), o 68 (Salvum me fac) e o 70 (In te speravi…), que expressam as tristezas e amarguras da Paixão.

b) A reforma das lições da Sagrada Escritura, de modo que se lessem no curso do ano todos os livros ao menos em suas partes principais. Desse modo, as lições, mesmo reduzidas a três, no único noturno, eram bem maiores que as do futuro Breviário tridentino. A primeira era tomada do Antigo Testamento, a segunda do Novo testamento e a terceira variava: nas festas dos Santos era algo sobre suas vidas e nos domingos, férias e festas de Nosso Senhor e da Santíssima Virgem era uma leitura dos Padres correspondente ao Evangelho da Missa correspondente. No que se refere as lições históricas dos Santos, o cardeal teve o cuidado de descartar tudo quanto tinha sabor de lenda, levando em conta o estado da crítica histórica no seu tempo.

c) A abreviação do Ofício, de modo que sua duração, no máximo possível, resultasse uniforme em cada dia da semana (a antiga Liturgia das Horas era muito maior no domingo). Para tanto suprimiu uma série de coisas, mas eu não posso relacionar quais pois não entendi a colocação sobre isso na fonte em que estou pesquisando (M. Righetti, Historia de la Liturgia. Tomo I. Madrid, BAC, 1955, n. 349, pp. 1144-1147). Quem puder, pode tentar:

Abrevió el oficio, de manera que su duración, en cuanto fuese posible, resultase uniforme en cada día de la semana, porque el antiguo oficio era mucho más largo el domingo que los otros días de la semana. Suprimió los salmos y los oficios adicionales, substituyendo al pequeño oficio de la Virgen una simple conmemoración, y al oficio de los difuntos, la fórmula todavía en uso: Et fidelium animae…

A boa acolhida do Breviarium Sanctae Crucis pode ser atestada pelo fato de que, entre 1536 e 1558, quando Paulo IV proibiu sua reimpressão, ele teve mais de 100 edições, com milhares de cópias cada. Essa grande aceitação se explica, especialmente, pela elegância da forma, que o fazia aceitável pelos mais calorosos humanistas, e por sua brevidade, que, por um lado, o tornava compatível com a tibieza de muitos, e, por outro, não desagradava aos piedosos que tinham pouco tempo disponível devido aos deveres de seu ministério. O Breviário de Quiñones contribiu para fazer ainda mais freqüente entre os sacerdotes a recitação privada do Ofício (mesmo que não tenham faltado catedrais e mosteiros que o adotaram para a recitação colegial).

Todavia, é preciso reconhecer que pessoas sábias e experimentadas não dissimularam sua reprovação, como Domingo Soto e Juan de Arce, consultores do Concílio de Trento. Para eles o novo Breviário continha uma reação demasiada às venerandas tradições que a oração litúrgica da Igreja seguia a mais de 12 séculos. Além disso, o critério adotado por Quiñones (sugerido, diga-se de passagem, por Clemente VII) de propor um formulário de oração para o uso privado, parecia que tirava da recitação particular seu caráter oficial – o que era uma crítica infundada, pois um Breviário, seja que forma assuma, é oração pública da Igreja devido a delegação que ela dá a seus ministros.

Com a reforma piana, que aboliu qualquer rito da Missa ou versão do Ofício com menos de 200 anos, a obra do cardeal Quiñones foi abandonada, mas influenciou a Oração Matutina e a Vespertina do clássico Livro de Oração Comum anglicano (versão brasileira de 1950):

Ordem para a Oração Matutina

Ordem para a Oração Vespertina

Breviarium Pianum

Como a obra de Quiñones encontrou a resistência descrita, a questão da reforma do Breviário ficou em aberto, mas alguma tinha de ser feita (tanto que as propostas mais ridículas possíveis, em especial vindas dos “humanistas”, ganharam certo destaque – como uma que pedia a substituição das leituras dos Padres pela dos autores clássicos), seja pelos motivos que eu já citei ao longo desses posts, seja porque o santoral continuava a crescer, obscurecendo a centralidade dos mistérios da vida de Cristo no Ofício.

Desse modo, São Pio V, em 1568, de acordo com a reforma proposta pelo Concílio de Trento, impôs um novo Breviário universalmente (só respeitando, como já foi dito, os existentes a mais de 200 anos). A comissão que formulou o novo esquema do Ofício se guiou pelos seguintes princípios:

1) Não inventar um novo Breviário.

2) Ser guiada pela tradição eclesiástica.

3) Manter tudo de bom que foi adicionado ao longo do tempo, mas, ao mesmo tempo, corrigir os inúmeros erros que levantavam tantas reclamações.

Seguindo essas linhas, a nova Liturgia das Horas foi caracterizado pela redução do calendário, da hora da Prima, das preces e dos ofícios suplementares e que, com as inovações da imprensa, teve rápida difusão. O Saltério, foco do Ofício, foi valorizado novamente (da maneira que estava a recitação semanal era quase impossível e certos Salmos nunca eram recitados) e as legendas dos Santos e as homilias foram cuidadosamente revisadas.

Com o passar dos séculos, o Breviário tridentino passou por pequenas modificações.

A principal delas começou durante o pontificado de Sixto V (e terminou sob Clemente VIII), consistindo na mudança dos textos bíblicos, que adotaram a Vulgata revisada, e emendas nas rubricas: ao Comum dos Santos foi adicionada a das Santas Mulheres não Virgens, o rito de certas festas foi alterado e algumas festas adicionadas. A Bula Cum Ecclesia que aplicou as alterações é datada de 10 de maio de 1602.

Outro conjunto de mudanças foi promovido por Urbano VIII. Ele nomeou uma comissão que revisou as lições e homilias segundo os manuscritos mais antigos. Até aí tudo bem, só que esse Papa acabou indo muito além, pois, como humanista e poeta, ele considerava o Breviário com um estilo trivial e uma prosódia irregular, e acabou decidindo por uma grande revisão gramatical (segundo os parâmetros clássicos) e métrica. As correções feitas pelos puristas de sua equipe (no geral, jesuítas) chegaram ao número de 952, alterando profundamente o caráter de alguns hinos que, embora ganhassem um estilo mais literário, perderam boa parte de seu antigo charme e fervor.

Essa revisão acabou sendo muito criticada, pelo desrespeito aos antigos textos, como se a pureza gramatical pudesse substituir o sabor do latim expressado por um Ambrósio, Prudentius, Sedulius, Sidonius Apollinaris, Paulinos de Aquileia ou Venantius Fortunatus. E até o latim mais bárbaro de um Rhabanus Maurus tem sua razão de ser.

Qualquer semelhança com as opções de certas “reformas” pós-Vaticano II não é mera coincidência.

O estrago só não foi maior porque os revisores, ao se depararem com um número imenso de hinos que para eles tinham pouco valor poético (o interessante é que os progressos na filologia demonstraram que os hinos “corrigidos” seguiam regras rítmicas, só que, na época, elas ainda não tinham sido sistematizadas – um claro exemplo do que o formalismo pode fazer com a liturgia), mas já eram lugar comum na cultura católica, decidiram por uma via média, não os eliminando ou substituindo.

Nada foi feito após Urbano VIII, a não ser a adição de novos ofícios, fazendo, novamente, a comemoração dos Santos ganhar espaço.

Todavia, entre ele e a reforma de São Pio X encontramos uma grande confusão que passarei a abordar em seguida.

Breviários de espírito galicano e/ou jansenista

Na metade do século XVIII, encontramos outra tentativa de reforma ampla.

Inicialmente, o Breviário romano revisado por São Pio V foi recebido na França sem oposição. Contudo, no reinado de Luiz XIV, o espírito de resistência e antagonismo a Roma inspirou idéias tendentes a modificar o Ofício. Elas vieram dos partidos que faziam profissão pública do galicanismo e do jansenismo (que não são a mesma coisa) e, deve-se ressaltar, não eram de todo negativas (numa perspectiva objetiva).

Um dos primeiros esquemas modificativos foi o do chamado “Breviário de Paris”, publicado em 1680. Nele a história dos Santos e as homilias foram corrigidas e muitas outras partes sofreram pequenas alterações. Em 1736 a diocese de Paris lançou outro Breviário (que ficou em uso até a metade do século XIX), fruto do trabalho (pelo menos em parte) de jansenistas e influenciado pelo de Quiñones. Embora tal versão do Ofício não pretendesse ser ideal, acabou relegando muitas tradições litúrgicas.

Em outras dioceses da França breviários produzidos com os mesmos pressupostos foram postos em uso.

A baderna francesa teve reflexo em outros países (Itália e Alemanha).

Uma reação a tudo isso surgiu entre 1830 e 1840, inspirada pelo trabalho do eminente liturgista D. Guérranger, Abade de Solesmes, que, nas suas Instituições Litúrgicas, expôs os erros de construção desses breviários e provou que seus autores agiram sem mandato. Os argumentos apresentados tiveram tanto sucesso que, em 20 anos, um grande número de dioceses deixou de usar sua Liturgia das Horas galicana: em 1791, 80 dioceses tinham abandonado a liturgia romana; em 1875 Orléans foi a última a voltar ao uso romano.

Fora da França também teve lugar um processo semelhante de volta à unidade litúrgica.

Em Roma

Enquanto jansenistas e galicanos criavam uma nova liturgia, Bento XIV, seguindo e exemplo de seus antecessores, determinou uma reforma cuidadosa do Breviário. Para isso uma congregação especial foi instituída, mas, embora o trabalho dela tenha sido de reconhecido valor (servindo de parâmetro para estudos futuros), na prática, deu em nada. Pio VI, Pio IX e Leão XIII também tentaram, sem sucesso, colocar a reforma do Ofício como objetivo de seus reinados.

Só São Pio X conseguiu efetivar esse intento.

A reforma de São Pio X

Dentro desse quadro, ao sucessor de Leão XIII pareceu que o tempo da reforma tinha chegado.

Pela Constituição Apostólica Divino Afflatu, de 1 de novembro de 1911, São Pio X fez uma mudança no Saltério do Breviário Romano. Os Salmos foram impressos juntos e distribuídos de maneira que possam ser recitados ou cantados a cada semana (quando muito longos, foram divididos, para que cada dia do Ofício tenha aproximadamente o mesmo número de versos). Desse modo, restaurava-se o uso original da Liturgia das Horas romana, novamente alterado pelo crescimento das comemorações dos santos desde o tridentino, que fazia alguns salmos serem recitados raramente.

As porções do Ofício que requerem rubricas, ao invés de serem impressas junto com os Salmos, como os invitatórios, os hinos para as diferentes épocas, bênçãos, absolvições, capítulos, sufrágios, preces dominicais, o Benedictus, o Magnificat, o Te Deum, etc., passaram a ter um lugar próprio sob o nome de Ordinário.

Infelizmente, a reforma não pôde ser completa e uma comissão especial foi formada para o exame do calendário, a revisão histórica das lições, a retirada das lições não autenticadas, a correção dos textos, novas rubricas gerais e um Comum para certas classes de santos, como os confessores, santas mulheres e outros, em ordem a comemorar todos num dia, ao invés de um dia para cada.

Mudanças pós-São Pio X e até o Ofício Paulino

Entre essa última reforma e a Liturgia das Horas do rito de Paulo VI uma série de modificações (em especial sob João XXIII) ocorreu no Ofício romano tradicional (elas são muito criticadas pelos tradicionalistas mais radicais que, até hoje, usam o Breviário segundo as rubricas de São Pio X).

Primeiramente, em 1945, no reinado de Pio XII, uma nova versão do Saltério latino, feito pelo Pontifício Instituto Bíblico, foi difundida. A recepção dela foi péssima, tanto que alguns editores adotaram a tal versão e outros não (em livros maiores, como num Pontifical da metade dos anos 50 que tive em mãos, os Salmos foram publicados nas duas versões, em colunas paralelas, para o celebrante escolher a que lhe agradava mais).

No que se refere ao reinado de João XXIII, podemos destacar as seguintes modificações:

1. Redução das Matinas a três lições na maioria dos dias. Isso reduziu em 1/3 as porções da Sagrada Escritura, 2/3 das vidas dos Santos e boa parte dos comentários dos Padres (as Matinas, é claro, formavam uma boa parte do Ofício).

2. Substituição de formulas eclesiásticas por fórmulas de estilo escriturístico.

3. Remoção das festas dos Santos do domingo. Das 32 que a reforma de São Pio X previa, apenas nove ficaram (duas de São José, três de Nossa Senhora, a de São João Batista, a dos Apóstolos São Pedro e São Paulo, a de São Miguel e a de Todos os Santos).

4. Preferência do ofício ferial sobre as festas dos Santos. João XXIII suprimiu 10 festas do calendário (onze na Itália, com a festa de Nossa Senhora de Loreto), reduziu a classificação de 29 festas e transformou 9 festas em simples comemorações (assim, o ofício ferial podia tomar precedência). Quase todas as oitavas e vigílias foram abolidas e outros 24 dias em memória de Santos foram substituídos pelo ofício ferial. Com as novas regras para a Quaresma (que só manteve as festas de primeira e segunda classe) nove festas (como a de Santo Tomás de Aquino, a de São Gregório, São Patrício, São Gabriel, etc) , embora no calendário, nunca eram celebradas.

5. Vários milagres foram retirados da biografia dos Santos e várias festas foram supressas por não se adequarem à chamada crítica histórica.

6. Uma das duas festas da Cátedra de São Pedro foi abolida (18 de Janeiro), bem como a oitava de São Pedro.

7. Reforma da quinta-feira santa, da sexta-feira santa e do sábado santo (mas não sei os detalhes).

8. As rubricas de João XXIII obrigavam o sacerdote, quando recitando em privado, a dizer Domine exaudi orationem meam ao invés de Dominus vobiscum.

9. Fim das longas petições chamadas preces e de alguns outros elementos como as Antífonas de Nossa Senhora e o Credo Atanasiano.

Como se pode notar, as reformas de João XXIII procuraram deixar o Breviário mais curto e sem repetições. Alguns críticos dizem que isso é um sinal da influência do liturgicismo, que refletiria os parâmetros anteriormente rejeitados de Quiñones e dos breviários galicanos e jansenistas . Todavia, como vimos, uma linha de reflexão que observa no tamanho desmedido do Ofício um desvio de seu sentido original é algo constante na vida da Igreja (o que ocorre é que, talvez, João XXIII tenha passado dos limites).

A Reforma do Ofício após o Vaticano II

Para entender a reforma que o Concílio Vaticano II pediu para o Ofício e o que, de fato, foi feito, a leitura dos seguintes documentos é imprescindível:

1. Sacrosanctum Concilium (de 4 dezembro de 1963), capítulo IV, artigos 83-101.

2. A Constituição Apostólica Laudatis canticum (de 1 de novembro de 1970).

3. A Instrução Geral sobre a Liturgia das Horas.

Em primeiro lugar, devemos notar que o Vaticano II tinha em vista uma revisão do Ofício que levasse em conta uma pessoa engajada num trabalho pastoral ativo, que não celebra as Horas num coro.

Levando isso em conta e remetendo ao que falei no começo deste estudo, é bom saber que durante o Concílio duas tendências entraram em confronto: uma (representada especialmente por bispos do “Terceiro Mundo”) que pretendia a valorização do modelo eclesial (que possui um ethos instrutivo) e outra que, admitindo modificações, não abria mão do modelo monástico (de caráter eminentemente cultual). Os beneditinos, a despeito de seu número reduzido, conseguiram que o modelo monástico fosse mantido como parâmetro para toda a Liturgia das Horas (com seus agradecimentos e intersessões); um Ofício cultual foi considerado a melhor ferramenta apostólica.

Sendo assim, a noção de santificação de vários momentos do dia foi mantida, embora a Prima tenha sido abolida, as Matinas (vigílias) terem se transformado no Ofício de Leituras (que, fora do contexto monástico, pode ser recitado a qualquer hora do dia) e das três “Horas Menores” apenas uma poder ser escolhida (isso, também, fora de um contexto monástico). Os “momentos” obrigatórios, portanto, passaram de oito para cinco (só que um pode ser recitado quando for mais conveniente).

Agora, o partido em favor do modelo eclesial não perdeu totalmente, pois as Laudes (oração da manhã) e as Vésperas (oração do anoitecer) foram valorizadas. A oração da manhã celebra as duas criações, a segundo a natureza e a segundo a graça; a do anoitecer reflete sobre a presença de Deus na nossa vida. Essas duas horas foram chamadas “os dois polos do Ofício quotidiano” (SC 89a).

Seguindo, ainda, a via monástica, a reforma pós-conciliar manteve a abrangência de todo o Saltério no Ofício (no modelo eclesial é evidente que isso não se dá), só que, fugindo do uso romano, o novo ciclo é de quatro semanas. Desse modo, nem uma hora tem mais de três Salmos ou três seções de um Salmo (no Breviário tradicional podem ser até cinco).

Uma grande atenção foi dada à seleção e distribuição das porções da Sagrada Escritura (retirados da Neo Vulgata) , bem como aos escritos dos Padres e de outros autores eclesiásticos.

O destaque da Escritura é mais um ponto de contato com o modelo monástico, visto que os monges sempre possuíram uma leitura contínua da Bíblia junto à Liturgia das Horas. No Ofício de Leituras temos uma boa oferta de trechos bíblicos e há um suplemento opcional (não sei se existe em português) que estabelece um ciclo bianual de leituras de passagens bíblicas que raramente encontramos na liturgia.

Já os textos dos Padres e dos outros autores que dedicaram suas vidas a edificação da Igreja militante, e que possuem um inestimável valor catequético, litúrgico, poético, místico e pastoral, sofreram um aumento cuidadoso e passaram a incluir uma quantidade maior de autores orientais.

Os hinos também foram revisados e, em muitos casos (em latim), restaurados à sua forma pré-Urbano VIII (embora alguns deles tenham sido encurtados).

Em relação à vida dos Santos, o conteúdo foi revisado segundo os padrões históricos vigentes nos nossos dias (para alguns, aqui houve uma abertura ao naturalismo).

Como dissemos, agradecimentos e intersessões são a base do Ofício, mas o elemento contemplativo não foi esquecido. No que se refere aos Salmos, por exemplo, o título de alguns deles (como o 86) e o versículo do Novo Testamento que os acompanha foram cuidadosamente escolhidos para incentivar a meditação. O mesmo se diga da manutenção das antífonas e da pausa opcional após a recitação de um Salmo. A oração que muitas vezes segue um Salmo acompanha esse esforço de incentivo a reflexão; ela tem origem numa prática dos monges orientais que, após a recitação, prostravam-se em silêncio, para adicionar a contemplação à sua oração vocal, o silêncio, então, era quebrado por uma pequena oração que vinculava o Salmo recitado ao Mistério de Cristo e/ou da Igreja.

Por fim, como novidades temos as orações de intercessão que acompanham as Laudes e as Vésperas e a oração do Pai Nosso ao final delas (com várias maneiras de ser introduzida), o que, junto com a oração na Missa, promove a repetição do Pai Nosso três vezes ao dia, uma prática da Igreja primitiva.

Comentário

A reforma pós-Conciliar do Ofício foi feliz em vários pontos, em especial na recuperação de um maior número de leituras dos Padres e da Escritura, perdidos pelas mudanças de João XXIII, e por buscar mecanismos que ajudam sua recitação pelo fiel comum (eu, particularmente, acho que ela podia ainda ser mais simples).

Por outro lado, a crítica histórica na vida dos Santos, a tradução da Neo Vulgata (que, mesmo em latim, para muitos, tornou o texto de vários Salmos efeminados e politicamente corretos) e o ciclo mensal do Saltério são modificações que, no mínimo, devem ser melhor discutidas.

Conclusão

Ao longo da História vimos como, na “consciência da Igreja”, a importância do Ofício nunca deixou de ser lembrada (mesmo quando isso só tinha um valor formal) e também notamos como certos problemas se repetem pelos séculos.

Agora, com a convivência, no Ocidente, de duas grandes versões Ofício adaptadas à mentalidade moderna (a tradicional, segundo as rubricas de João XXIII, e a pós-Vaticano II – pelo menos oficialmente pois, como disse, o Breviário de São Pio X tem muitos entusiastas), acho que não há desculpa para que um trabalho pastoral que vise sua divulgação não seja feito.

Bibliografia

Só para se ter uma idéia, sem seguir nenhuma regra da ABNT:

A Liturgia na Igreja, Julian Lopez Martin (Paulinas).

Breviarium Romanum ex decreto Sacrosancti Concilii Tridentine, pars aestiva, 1922 (Ratisbonae).

Enciclopédia Católica (Catholic Encyclopedia) 1917: verbete Breviary e Reform of the Roman Breviary.

Enciclopédia Católica (Catholic Encyclopedia) 1967: verbetes Quinõnes, Francisco; Roman Divine Office e Roman Breviary.

Historia de la Liturgia, Tomo I, M. Righetti, 1955 (BAC) in Enciclopédia Franciscana: verbete Francisco de Quiñones.

Liturgia diária das Horas, setembro de 2008 (Paulus).

Liturgical Revolution, Pe. Francesco Ricossa (The Roman Catholic, February–April 1987)

Liturgy of the Hours, dia 2 de outubro, 3:23h.

Livro da Oração Comum

Missal Quotidiano e Vesperal D. Gaspar Lefebvre, 1936 (Desclée de Brouwer & Cie).

Some Essential Elements of the Vatican II Renewal of the Liturgy of the Hours, Rev. Sam Anthony Morello, O.C.D., STL, 1983.

The Divine Office — Its History and Development

The Saint Mark´s Lion (unofficial news letter of Saint Mark´s Parish, Denver, Colorado – uma paróquia ortodoxa de rito ocidental pertencente à Igreja Ortodoxa Antioquena ) maio de 2003, volume CXXVIII, nº 5.

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Espiritualidade Pastoral

Combatendo os escrúpulos

Sinais de que a pessoa é escrupulosa

1) Medo de estar cometendo pecados ao fazer coisas que mesmo pessoas devotas não consideram uma ofensa a Deus.

2) Freqüentemente mudar a opinião por razões triviais (ou por nenhuma razão) sobre se algo é pecaminoso ou não.

3) Medo constante ou ansiedade sobre o pecado, sem que se consiga descobrir uma razão exata de tal temor.

4) Medo constante sobre as próprias confissões, mesmo quando um sacerdote plenamente ortodoxo diga que não há nada de errado com elas.

5) Teimar com o padre (ortodoxo) na confissão (pensando que você está certo sobre algo ser pecaminoso e ele errado). Isso leva à busca de diferentes sacerdotes sem que se ouça, realmente, os conselhos e instruções deles.

6) Perguntar repetidamente se um ato é pecaminoso ou não, mesmo o padre já tendo respondido essa pergunta várias vezes.

7) Confessar repetidamente (“só para garantir”) coisas que o padre já explicou como não sendo contrárias à Lei Divina.

Alguns conselhos

1) Considere a escrupulosidade uma doença de que você deve se livrar com a ajuda do diretor espiritual.

2) Peça a Deus auxílio para se livrar dos escrúpulos. Faça uma prece nessa intenção diariamente.

3) Odeie os escrúpulos e atue contra eles. Não alimente pensamentos sobre o que lhe dá escrúpulos.

4) Veja Deus como Bem Supremo e Pai Amoroso.

5) Ofereça as atividades diárias pelo seu avanço em direção à vontade de Deus.

6) Nas preces diárias, agradeça a Deus por todas as coisas maravilhosas que Ele lhe deu: família, amigos, bênçãos temporais, etc. Agradeça a Ele por ser capaz de ir à Missa e receber a Comunhão. Agradeça a Ele por poder se confessar, já que esta é a maneira pela qual Ele nos mostra sua misericórdia e amor.

7) Evite a ociosidade. Quando estiver só faça algo para se distrair e ocupar a mente.

8) Deixe o padre se preocupar com você (afinal, ele foi ordenado para isso).

9) Lembre-se que só com paciência e oração a escrupolisade pode ser vencida.

10) Memorize as seguintes regras:

a. Eu devo odiar meus escrúpulos.

b. Eu posso fazer tudo que as pessoas devotas fazem.

c. Eu não cometi nenhum pecado mortal a não ser que não haja dúvida que ele foi mortal mesmo.

d. Eu só sou obrigado a confessar o que é pecado mortal.

e. Devo aceitar essas regras e seguir os conselhos do sacerdote.

Indo à Confissão

1) Examine sua consciência por não mais que cinco ou dez minutos.

2) Diga ao padre que você é escrupuloso.

3) Não mencione pecados passados, a não ser que você tenha certeza que ele foi mortal e não foi confessado antes.

4) Sempre confie no padre (mas é evidente que nos tempos atuais isso depende de se ter escolhido antes um sacerdote ortodoxo).

5) Nunca confesse um pecado duvidoso (pergunte ao padre se foi pecado ou não).

6) Se o sacerdote lhe diz que algo que você pensou, disse ou fez não é pecado, acredite e não se preocupe mais.

7) Confesse apenas as espécies e o número dos pecados mortais. Se você não sabe o numero exato, dê um aproximado.

8) Se não há pecados mortais a serem confessados, fale apenas sobre um ou dois tipos de pecados veniais cometidos.

9) Aceite o julgamento do padre sobre algo ser ou não pecado.

10) Faça o que o sacerdote recomendar.

Indo à Comunhão

1) Apenas a dúvida sobre ter cometido ou não um pecado mortal não deve lhe afastar da Santa Comunhão.

2) A menos que você tenha certeza de ter cometido um pecado mortal, faça um ato de contrição e comungue.

Finalmente

Deus é infinitamente bom e misericordioso, Ele quer que você Lhe faça companhia no Paraíso. Com a ajuda Dele a escrupolosidade será vencida.

Vá em paz.

(Fonte)
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Personalidade

Gustavo Corção – 30 anos

Do dia 20 de janeiro deste ano o professor de direito e leigo atuante José Luiz Delgado publicou um artigo no maior jornal de minha cidade (Jornal do Commercio) em lembrança dos 30 anos da morte de Gustavo Corção. Vamos a ele:

corçãoCorção – 30 anos

Somente agora, graças à lembrança de um amigo, me adverti de que há 6 meses, em julho, completaram-se 30 anos da morte de Gustavo Corção. Que passaram completamente em branco, dada a conspiração geral de silêncio contra aquele que foi, provavelmente, o mais poderoso pensador brasileiro do século 20. Pois o mundo relega ao silêncio aqueles que não o cortejam, não se entontecem com seus brilhos, não se deslumbram com seus (falsos) valores. Corção era dessa têmpera. Daqueles raros que somente se deixam fascinar pela verdade, ainda que ela incomode; somente se seduzem pelo absoluto, e por isso subestimam as coisas relativas. Daqueles nítidos, o que é insuportável para o mundo que cultua as contemporizações, os relativismos e a mediocridade, e daqueles que se dispõem ao combate, o que é inadmissível para o mundo das acomodações e das tolerâncias.

Gustavo Corção foi um dos nossos mais formidáveis escritores. Se tivesse ficado apenas no mundo, sob certa forma neutro, da literatura, estaria consagrado como um de nossos mais brilhantes intelectuais. Até no romance (ou quase-romance) se aventurou, escrevendo esse livro fascinante de inquietação que é Lições do abismo. Confessando seu gosto pelo mundo propriamente literário, dizia-se “poeta menos-do-que-menor”, ao qual algumas vezes ia vizitar “às escondidas, como um Nicodemos”, em confabulações das quais trazia “o pouco que põe vida e calor nas obras de meus compromissos”. Quando roubava a seus “deveres de estado” “um sábado de poesia e de cultura”, era capaz de se debruçar, com insuportável finura, sobre, por exemplo, o grande Machado, seu ídolo, e escrever estudos de penetrante compreensão, como o ensaio sobre o Machado cronista que a Aguilar publicou nas obras completas, ou a introdução aos romances machadianos, dos Nossos clássicos da Agir. Havia todo um Corção lírico, um Corção propriamente literário, contido, por exemplo, na excelente seleção de crônicas que Paulo Rodrigues reuniu, Conversa em sol menor – na qual se incluem as muitas notas autobiográficas que foi levado a redigir em resposta a texto infelicíssimo, de página inteira de jornal, de Abade no entando também admirável.

Mas aconteceu com Corção que, todo tomado pela conversão religiosa, deixou-se essencialmente, e quase exclusivamente, ao que chamava “seus deveres de estado”, a militância política, filosófica e religiosa. Toda sua vida intelectual consistiu fundamentalmente num combate de idéias. Foi um ardoroso, contundente, temível esgrimista, que toda gente de fato receava enfrentar. É pena que nesse combate fosse, algumas vezes, exagerado e extremado. Tanto se deslumbrava com certa verdade, que não conseguia considerar os outros lados do problema, ou algumas matizes que suavizariam as avaliações. E, pior, passava facilmente do plano das idéias – no qual era insuperável – para as críticas pessoais, formulando juízos que desconheciam as complexidades das individualidades concretas. Mas, a rigor, não havia desafeições pessoais nisso: era o amor à verdade, seu extremo amor à verdade, que o levava a atacar pessoas de quem esperava muito, ou em cuja igual fidelidade aos supremos valores ele quisera confiar.

Quem conseguir ir além dos seus excessos e da excessiva personalização das disputas, logo verá nele um dos maiores escritores brasileiros de todos os tempos. O verdadeiro Segundo Bruxo do Cosme Velho. Grande pensador, grande crítico de idéias, grande polemista, grande escritor literário. Um dos raros pensadores de primeira linha. Sabia pensar, pensava por conta própria, sabia ir às raízes dos problemas e denunciá-las sem respeito humano algum. E como escrevia bem! Como sabia escrever! Admirável e raro intelectual capaz de realmente repensar os problemas e instigar, interpelar as inteligências. Presente no mundo, militante, combate, empenhado nas coisas deste mundo como somente pode empenhar-se quem sabe que está no mundo sem ser do mundo – que é, aliás, o curioso pano de fundo que ele, sempre arguto, descobriu nas crônicas de Machado.

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Satanás sabia que Jesus era o Homem-Deus?

jesus_demons-cropped1Pergunta recebida de um leitor:

Se o demônio tivesse perfeita noção de que Jesus era o Filho de Deus feito homem, procuraria um meio de evitar sua morte na cruz, para o gênero humano não ser redimido. Ora, ele tinha elementos concretos para concluir ser Jesus o Redentor prometido. Por que, então, instigou os pontífices e fariseus a condená-Lo e exigir a sua crucifixão?

Para responder a essa questão temos de ir devagar e usarei (com pequenas modificações) um artigo publicado na revista Arautos do Evangelho (março de 2006, pp. 20-21), por sua vez baseado num da revista L´Ami du Clergé (1923, pp 285-86).

No episódio da tentação no deserto, o Demônio parecia reconhecer em Jesus o Filho de Deus humanado, pois lhe disse (Mateus IV, 3):

“Se és Filho de Deus, ordena que estas pedras se tornem pães.”

E pouco depois (Mateus IV, 6):

“Se és Filho de Deus, lança-Te abaixo, pois está escrito…”

E pouco depois (Mateus IV, 6):

“Se és Filho de Deus, lança-Te abaixo, pois está escrito…”

Em outras passagens da Sagrada Escritura, ele faz, pela boca dos possessos, afirmações categóricas:

“Por que te ocupas de mim, Jesus, Filho do Deus Altíssimo?” (Lucas VIII, 28)

“Tu és o Filho de Deus!” (Marcos III, 11)

“Sei quem és: o Santo de Deus!” (Marcos I, 24)

Qual é, porém, o significado exato do título de “Filho de Deus”, dado a Jesus pelo Demônio? Segundo explicam alguns exegetas, não é possível saber com certeza se Satanás, chamando Jesus de “Filho de Deus”, tinha perfeito conhecimento de sua natureza divina, ou se tinha apenas a intuição de uma natureza mais ou menos sobre-humana cuja relação com a Divindade permanecia ainda bastante obscura.

Pela exegese da Sagrada Escritura parece impossível resolver esse dilema. Vamos, então, buscar respostas na Teologia.

Sabemos que o Demônio não conhece naturalmente os segredos dos corações, nem os contingentes futuros, nem os mistérios da graça no que estes têm de sobrenatural e divino. O mistério da Encarnação não está, pois, ao seu alcance.

Os fatos externos, porém, estão. E ele pode, a partir dos fatos exteriores que conhece por meio das luzes naturais, deduzir com grande probabilidade a verdade dos mistérios da graça. Desse modo, o Demônio tem uma coisa qualquer de “fé”. A penetração de sua inteligência fá-lo descobrir os indícios manifestos da verdade. Contudo, como ensina o Aquinate, essa “fé”, porque é forçada pela evidência dos sinais, não é obra da graça, não é fé no sentido estrito do termo.

Por outro lado, sua índole orgulhosa se inclina sempre a recusar adesão aos mistérios da graça. Santo Tomás acrescenta que a “fé” dos demônios é contrária à sua disposição de espírito (Suma Teológica, II-II, q. 5, a. 2, ad 3);

“Desagrada aos demônios o fato de os sinais da fé serem tão evidentes que os obriguem a crer.”

Donde é forçoso concluir que eles estão em revolta até mesmo contra essa evidência e são levados a se apegar a tudo que possa obscurecê-la.

Apliquemos, agora, esses princípios ao caso proposto.

Quando Nosso Senhor foi concebido pelo Espírito Santo no seio puríssimo da Virgem, o casamento desta com São José podia ainda esconder à percepção perspicaz de Satanás a realidade da Encarnação. Só mais tarde lhe foram fornecidos os indícios para descobrir este mistério. No momento da tentação no deserto, podia ele já suspeitar que Cristo era o Filho de Deus. Com efeito, a voz do Pai já se fizera ouvir no Batismo de Jesus, no Jordão (Mateus III, 17; Lucas III, 22; I Pedro I, 17):

“Este é meu Filho bem-amado.”

Todavia, essa não é uma prova peremptória da Encarnação. Para começar, essas palavras vinham mesmo de Deus? Depois, tinha ela o sentido da filiação divina natural, e não adotiva? Assim, a fórmula da qual se serve o Diabo durante a tentação do Salvador, revela uma hesitação (Mateus IV, 6):

“Se és Filho de Deus…”

O Demônio tinha, sem dúvida, razões para supor que Jesus era o Cristo, o Messias, o Filho de Deus. Contudo, ele podia ter algumas incertezas, e a disposição natural devia levá-lo a formulá-las para si mesmo. Afirma Santo Agostinho (De Civitate Dei, 1, XI, c. 21):

“Ele O tentou para averiguar se era o Cristo.”

Entretanto, à medida que o Divino Mestre avançava em sua vida pública, os sinais se multiplicavam, testemunhando o caráter transcendental do Filho de Deus. Esses sinais não poderiam escapar à inteligência do Demônio. Assim, nas diferentes ocasiões em que este é obrigado a publicar uma verdade imposta a seu espírito, ele o faz com mais convicção do que no momento da tentação no deserto. Diz a Jesus (Marcos I, 24):

“Sei quem és: o Santo de Deus!”

Mais ainda, chama-O, sem hesitação aparente, de “Filho de Deus”, “Filho do Deus Altíssimo” (Marcos V, 7; Lucas VIII, 28).

“Tertualiano e outros exegetas pensavam que o Demônio dava-Lhe este título por lisonja. Entretanto, é preferível crer que ele o fazia com toda sinceridade, se bem que a contragosto, pois Deus permitira que até mesmo o Inferno rendesse testemunho a Cristo.” (Filion, Evangile selon S. Marc, Paris, 1895, p. 34)

Contudo, não há plena persuasão nesse testemunho. Pois, segundo São Tomás, eco da Tradição Católica, se os demônios “tivessem conhecido perfeitamente e com certeza que Jesus era o Filho de Deus e quais seriam os frutos de sua Paixão, jamais buscariam a crucifixão do Senhor da Glória” (Suma Teológica, I, q. 64, a. 1, ad. 4). De fato, é grande a sagacidade dos demônios para compreender a força dos argumentos a favor da divindade do Salvador; mas é grande também a sua perspicácia para descobrir objeções, e, dada a sua disposição de não crer, isto é, de não se deixar convencer senão à força e em último extremo, concebe-se que eles tenham duvidado até o fim.

Escreve Santo Tomás (Suma Teológica III, q. 44, a. 1, ad 2):

“À vista dos milagres, o demônio conjecturou que Ele era o Filho de Deus. (…) E se ele O chamava de Filho de Deus, fazia-o movido mais por desconfiança que por certeza.”

Satanás tinha, pois, a intuição, diríamos quase convicção, de que Jesus era Filho natural de Deus. Entretanto, julgando a verdade apenas por sinais exteriores e com espírito preconcebido, ele conservava dúvidas sobre o mistério da Encarnação, apesar de não ter podido deixar de reconhecer em Nosso Senhor a transcendência sobre-humana que as locuções “o Santo de Deus” e “o Filho de Deus” exprimiam energicamente.

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Bíblia

João XXI, 23

Pergunta recebida:

Jo XXI, 23: Correu por isso o boato entre os irmãos de que aquele discípulo não morreria. Mas Jesus não lhe disse: Não morrerá, mas: Que te importa se quero que ele fique assim até que eu venha?

Como entender essa passagem?

Temos de entender João XXI, 23 junto com o versículo 22.

As palavras de Nosso Senhor “que ele fique até que eu venha” foram interpretadas por alguns no sentido de que João não morreria até o fim dos tempos, para lutar contra o Anticristo junto com Elias e Enoque. Mas isso é um erro. O sentido do versículo 22 é dado pelos versículos 19 e 24, ou seja, contrapõe a morte violenta de Pedro à permanência de João como testemunha para a Igreja primitiva. Testemunha que tinha de sobreviver à destruição do Templo (“até que eu venha” – que eu venha para encerrar de vez a “economia” da Antiga Aliança), sendo um marco para o fim da Revelação Pública.

Sendo assim, o versículo 23 é a correção do próprio João ao entendimento equivocado de seus discípulos (correção de João registrada pelos discípulos, já que o capítulo XXI é um apêndice).

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Apologética Bíblia

João XXI, 23

Pergunta recebida:

“Jo XXI, 23: Correu por isso o boato entre os irmãos de que aquele discípulo não morreria. Mas Jesus não lhe disse: Não morrerá, mas: Que te importa se quero que ele fique assim até que eu venha?

Como entender essa passagem?”

Temos de entender João XXI, 23 junto com o versículo 22.

As palavras de Nosso Senhor que ele fique até que eu venha foram interpretadas no sentido de que João não morreria até o fim dos tempos, para lutar contra o Anticristo junto com Elias e Enoque. O sentido do versículo 22 é dado pelos versículos 19 e 24, ou seja, contrapõe a morte violenta de Pedro à permanência de João como testemunha para a Igreja primitiva. Testemunha que tinha de sobreviver à destruição do Templo (até que eu venha – que eu venha para encerrar de vez a “economia” da Antiga Aliança), sendo um marco para o fim da Revelação Pública.

Sendo assim, o versículo 23 é a correção do próprio João ao entendimento equivocado de seus discípulos (correção de João registrada pelos discípulos, já que o Capítulo XXI é um apêndice).