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Hesicasmo

Em dezembro de 2011 a consócia Maria de Lysle, da antiga comunidade Apologética Católica do Orkut, traduziu o verbete da Enciclopédia Católica sobre o hesicasmo, um assunto que vez ou outra causa tensão em certos círculos católicos, em especial após os contatos com os cismáticos orientais terem se tornado mais constantes. Eu guardei esse texto e agora o publico (é bom ressaltar, contudo, que alguns “ortodoxos” contestam o que ele diz sobre os exercícios respiratórios):

A história do sistema místico defendido pelos monges de Athos, no século XIV, representa um dos mais curiosos capítulos da história da Igreja Bizantina. Em si mesmo uma especulação obscura, resultou na mais áspera extravagância mística, tornou-se o lema de um partido político, e, incidentalmente, implicou novamente na eterna controvérsia com Roma. Ele é o único grande movimento místico da Igreja Ortodoxa. Ehrhard o descreve corretamente como uma “reação nacional da teologia grega contra a invasão da escolástica ocidental” (Krumbacher, Byzat Litt, p. 43). A melhor forma de descrever o movimento é primeiro explicar o ponto em questão e depois a sua história.

O sistema hesicasta

Hesicastas (hesychastes – quietistas) designam pessoas, quase todas monges, que defendiam a teoria de que é possível, através de um sistema ascético, desprender-se das preocupações do mundo, sob a direção de um mestre adequado, oração, e especialmente do completo relaxamento do corpo e da vontade, contemplar a luz mística, que não é outra coisa senão a luz incriada de Deus. A contemplação desta luz é o mais alto objetivo do homem na terra; e desse modo um homem torna-se  unido a Deus da forma mais íntima possível. A luz vista pelos hesicastas é a mesma que se manifestou na Transfiguração de Cristo. Não é um mero fenômeno criado mas a eterna luz de Deus mesmo. Não é a divina essência; nenhum homem pode ver Deus face a face neste mundo (João 1,18) mas sim a divina ação ou operação. Pois em Deus a ação (energeia, actus, operatio) é realmente distinta da essência (ousia). Havia um processo adequado para ver a luz incriada, o corpo deveria permanecer imóvel por um longo tempo, o queixo pressionado contra o peito, a respiração presa, os olhos voltados para dentro, e assim por diante. Então, no tempo próprio, o monge começava a ver a luz maravilhosa. A semelhança deste processo de auto sugestão com o dos faquires, sanyasis e outros povos do Oriente é óbvia.

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Apologética Religião comparada

A reencarnação é racional? [2]

Texto de Karlos Guedes

Uma crença religiosa que parece não ter muitos adeptos no mundo cristianizado é o espiritismo. Entretanto, em terras tupiniquins, ela tem uma popularidade impar. Some-se ao desprezo pela moral, a falta de transcendência e de rigor dogmático. Esta heresia goza da incrível capacidade de sincretismo. Talvez nessas considerações seja possível entender a simpatia por ela aqui no Brasil.

O princípio basilar do espiritismo é o da reencarnação, ou seja, a crença de que, após a morte, a alma de um ser humano retorna ao mundo material em outro corpo. Há também a metempsicose, variação desta doutrina, que é o retorno sob a forma de outras espécies.

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Política Religião comparada Sociedade

Tolerância, verdade e cristianismo

Tentando salvar algumas das jóias que postei no Orkut ao longo do tempo, encontrei, por acaso, um texto de Pedro Sette Câmara que hoje só está acessível pelo registro que fiz (no já distante 2005…) e que se ajusta bem ao momento atual de perseguição aos cristãos no Iraque:

Um dos tempos mais interessantes da história foi o da convivência entre cristãos, judeus e muçulmanos na Espanha medieval. Ricardo Costa, historiador carioca radicado em terras capixabas, fala de como as três religiões conviviam e como isto se reflete na obra de Ramón Llull. O mais interessante é o seguinte: a tolerância entre as três religiões não se deu por causa do desejo comum de “paz mundial”, nem para “defender valores”; não foi uma espécie de “unidade imanente das religiões”. Nenhuma das religiões jamais deixou de se considerar a explicação total do mundo, nem passou a aceitar ser explicada por uma das adversárias. Os judeus não aceitaram a vinda do Messias, os cristãos não deixaram de culpar os judeus pela morte de Jesus, e os muçulmanos não deixaram de ver a ambos como simples “povos do Livro”, meros antecessores da sua posição privilegiada porque última da “profecia” (“Maomé: precursor de Joachim de Fiore?” Aí está minha tese para o dia em que eu decidir fazer um mestrado em teologia). O que manteve a convivência foi, ao que parece, uma abdicação comum – Ricardo que me corrija – do uso da força em nome da conversão.

Se isto é verdade, o “fundamentalismo” parece ser uma das bases da tolerância. Claro que aqui falo do “fundamentalismo” no sentido lato contemporâneo, isto é, o termo pejorativo que indica simplesmente as pessoas que agem de acordo com suas próprias convicções. Uma coisa, afinal, é ter uma convicção e defendê-la apaixonadamente; outra, completamente diversa, é acreditar que se deve submeter as pessoas a alguma crença ou prática através da força física. Uma pessoa que realmente tem uma convicção, testada e experimentada dentro da própria alma, sempre crê que a verdade tem um poder próprio, intrínseco, e fica admirada e desapontada com a incapacidade que outros possam ter de não atinar com ela. Deste admiração nasce o desejo de ampliação dos meios retóricos, de estudar mais; pois, sendo impossível que a verdade não tenha este poder, o impedimento à persuasão dos outros só pode estar na sua transmissão. Já o desejo de impor as próprias crenças por meio da força física (ou da erística, da programação neurolingüística e outros meios psicológicos escusos) nasce de uma fonte completamente diversa, que é justamente a fragilidade da convicção pessoal, necessitada portanto de mil confirmações exteriores. Para o cognitivamente frágil, o sucesso da imposição da crença fica valendo como “prova” da sua “veracidade”, enquanto que para o forte a sua certeza interior basta: mais fácil negar a presença dos objetos sensíveis do que a verdade vista com os olhos do intelecto.

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Religião comparada

O que é religião

Primeira aula de um curso que o Professor Luiz Gonzaga de Carvalho deu sobre as religiões do mundo e na qual ele trata do conceito de religião no âmbito de uma pesquisa sobre religião comparada:

 

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Contrarrevolução Religião comparada

O renascimento da religião na Rússia

Um pequeno documentário feito pelo SPORTV sobre o renascimento da prática religiosa na Rússia:

Igreja Ortodoxa da Rússia mantém tradições e beleza

Quiçá possamos aprender algo com esse processo para reconquistar o Ocidente e depois expandir a fé verdadeira naquelas paragens.

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Ética e moral Bíblia Religião comparada Sociedade

Twelve propositions on same-sex relationships and the church

Twelve propositions on same-sex relationships and the church

Um texto bem corajoso. Não concordo com a conclusão, mas os argumentos são realistas e honestos.

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Religião comparada

A devoção copta a São José

coptaUm artigo sobre a devoção copta a São José que traduzi e adaptei do blog Ex Fide:

Embora a devoção a São José, nos últimos séculos, tenha sido mais proeminente no Ocidente, é sempre bom lembrar que no Oriente é que encontramos os primeiros indícios de culto ao pai adotivo de Nosso Senhor Jesus Cristo, em especial no Egito. O primeiro dia em comemoração a São José foi mantido pelos coptas desde o início do século IV, é a festa de São José o Carpinteiro, em 20 de julho, encontrada nos seus calendários mais antigos.

A presença do Casto Esposo de Maria na devoção dos coptas é um provável reflexo do seu papel numas das narrativas bíblicas mais queridas por esses cristãos: o exílio da Sagrada Família do Egito. Muitas lendas populares circulam esse exílio, e vários mosteiros, igrejas e santuários foram construídos nos locais onde se supõe que São José, Maria Santíssima e o menino Jesus tenham passado. Até hoje, pode-se visitar na Igreja de São Sérgio (cidade antiga do Cairo) uma gruta onde a Sagrada Família se abrigou. Também pode-se pegar a estrada através de Ain Shams, um poeirento subúrbio da capital egípcia, para sentar-se sobre a árvore onde se acredita que a Virgem descansou com Nosso Senhor Jesus Cristo. O exílio sempre foi um tema caro aos iconógrafos coptas, como se pode ver na foto acima. A Sagrada Família entrando no Egito, acolhida pela alegria dos peixes saltitantes do Nilo, e com São José à frente, guiando um burro, ou atrás de Nossa Senhora e do Menino, é uma imagem comum do exílio.

Vê-se, portanto, que a devoção copta a São José está calcada no papel dele na Sagrada Família. É o seu silêncio que chama a atenção; ele não era o centro, mas estava sempre lá, ao lado de Maria e de Jesus. Que essa lição também sirva para nós, católicos, como bem disse o Papa Bento XVI (Angelus, 18 de dezembro de 2005):

O seu silêncio é permeado de contemplação do mistério de Deus, em atitude de total disponibilidade à vontade divina. Em síntese, o silêncio de São José não manifesta um vazio interior mas, ao contrário, a plenitude de fé que ele traz no coração, e que orienta todos os seus pensamentos e todas as suas acções. Um silêncio graças ao qual José, em uníssono com Maria, conserva a Palavra de Deus, conhecida através das Sagradas Escrituras, comparando-a continuamente com os acontecimentos da vida de Jesus; um silêncio impregnado de oração constante, de oração de bênção do Senhor, de adoração da sua santa vontade e de confiança sem reservas na sua providência. Não se exagera, se se pensa que precisamente do ‘pai’ José, Jesus adquiriu no plano humano aquela vigorosa interioridade, que é o pressuposto da justiça autêntica, da ‘justiça superior’, que um dia Ele ensinará aos seus discípulos (cf. Mt 5, 20).

Deixemo-nos ‘contagiar’ pelo silêncio de São José! Temos tanta necessidade disto, num mundo muitas vezes demasiado ruidoso, que não favorece o recolhimento, nem a escuta da voz de Deus.

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Religião comparada

Islã

Apresento um ótimo texto do confrade Ricardo sobre o islamismo (qualquer esforço de apologética católica não pode prescindir do estudo comparado das outras religiões ou grupos cristãos – a grafia “Islam” é própria do autor):

pic_islamIslam

Tendo em vista os tópicos sobre religiões não-cristãs que foram criados na comunidade Apologética Católica do Orkut, pensei em fazer um estudo sobre o Islam.

Posso falar, a partir de pesquisas e estudos em Religiões comparadas e no Islam em particular que tenho desempenhado há anos, que estou convencido de que o conhecimento do Islam que aparece em nossos melhores livros de apologética (como o de Boulanger) é mais do que deficiente: é insignificante ao ponto de não fornecer sequer um conhecimento superficial, mas correto, sobre esta religião.

Sem mais apresentações, posso dizer que o estudo do Islam é de suma importância desde os primórdios desta religião. Pois a expansão fulminante da jihad fez com que, em mais ou menos 100 anos, a religião nascida na Arábia estendesse seus domínios da Espanha até o norte da Índia. Das quatro sedes apostólicas da Cristandade (Jerusalém, Antioquia, Alexandria e Roma), somente Roma não foi dominada pelos exércitos muçulmanos. Constantinopla, mais tarde, também foi conquistada. A mensagem religiosa do Islam é monoteísta e acentuadamente semita, portanto próxima do cristianismo. No mundo contemporâneo, o Islam ainda tem uma força impressionante. Então, o objetivo deste artigo é procurar entender este fenômeno e relacioná-lo com o cristianismo.

O estudo começa com as fontes da “revelação” islâmica. Islam significa submissão (a Deus). É dito entre os muçulmanos que todas as coisas estão “em estado de islam”, já que Deus controla tudo, mas os seres humanos entram nesse estado ativamente, e não passivamente, através da fé e da prática da religião (din) revelada aos profetas.