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O Pe. Penido e sua obra

Hoje fazem 55 anos que o Monsenhor Teixeira Leite Penido entregou sua alma a Deus. Uma data que me fez lembrar, lá no começo do século, da redescoberta das obras dele em sebos e da circulação de PDFs das mesmas em certas comunidades do Orkut; foi um lampejo de luz no momento em que ela era mais necessária: o de formação da massa crítica de católicos que queriam superar a modorra deixada na Igreja pela teologia da libertação.

Por isso, vou partilhar com os leitores a biografia produzida para a obra Itinerário Místico de São João da Cruz para a editora Molokai (São Paulo, 2019 – via O Fiel Católico):

Por Henrique Sebastião

É claro que a mensagem evangélica visa, além do intelecto, a pessoa toda, pois é esta que vive. Portanto, dependerá muito da atitude que cada pessoa adotará diante dessa vida nova, divina, que se lhe oferece, a aceitação ou a rejeição da Doutrina. A quem deseja a vida cristã, logo se lhe apresentarão argumentos justificativos da crença; a quem não a deseja, não convencerão os mais portentosos milagres, as mais sólidas razões. É a vida que leva à Verdade religiosa. [1]

Considerado por muitos como o primeiro grande filósofo do Brasil, o padre Maurílio Teixeira-Leite Penido foi, certamente e no mínimo, um de seus mais competentes teólogos e o maior tomista brasileiro de todos os tempos.

Chegou a este mundo no dia 2 de novembro de 1895, nascendo no seio de duas famílias abastadas, uma de Juiz de Fora, MG, outra de Petrópolis, RJ, onde nasceu. Foi educado na Europa, onde foi morar com a mãe – em Paris, Roma e Suíça – de 1906 até 1921.

Obteve o Bacharelado em Letras pela Sorbonne, em 1913. Doutorou-se em Filosofia e Teologia pela Universidade de Friburgo (Suíça), onde mais tarde veio a lecionar. Foi ainda professor da Faculdade Nacional de Filosofia do Rio de Janeiro e do Seminário São José, também no Rio.

No campo da Teologia, adquiriu renome mundial por ter resgatado a importância do conceito de analogia na obra de Sto. Tomás de Aquino. Era comumente chamado “o Teólogo da Analogia”. Sua tese de doutorado em Teologia, “A Função da Analogia em Teologia Dogmática” (‘Le Rôle de l’Analogie en Théologie Dogmatique’), é considerada por muitos o que de melhor já se escreveu sobre o tema em todos os tempos. A maioria dos seus textos foram escritos originalmente em francês.

Penido tornou-se referência obrigatória em matéria de analogia para gerações de tomistas no mundo inteiro. Entre os que reconheceram a sua influência e se confessaram devedores das suas contribuições, estão Mandonnet, Maritain e Journet, entre outros, sendo que sua obra foi também citada como referência no assunto pelo grande Étienne Gilson.

Seu livro sobre os Sacramentos, da celebrada série “Iniciação Teológica”, permanece o melhor já editado no Brasil sobre o tema, juntamente com as outras obras primas desta mesma coleção, a saber: “O Mistério dos Sacramentos” (Petrópolis, 1954); “O Mistério da Igreja” (Petrópolis, 1952) e “O Mistério de Cristo” (São Paulo, 1968); estas permanecem referências obrigatórias em Eclesiologia e Cristologia, respectivamente, para todo aquele que pretende seriamente estudar a Teologia. Foi também um exímio teólogo da Mística. Seu principal estudo nesse sentido está consignado neste “O Itinerário Místico de São João da Cruz” (Petrópolis, 1949).

Padre Penido tornou-se logo um autor reconhecido no meio intelectual europeu, em especial no “entre deux guerres” [2]. De fato, até hoje seus escritos enriquecem o currículo do ensino da Filosofia de inúmeras universidades do Velho Mundo, como a de Louvain, Bélgica, e de Friburgo, na Suíça, onde Penido se doutorou e exerceu o magistério, de 1927 a 1938.

Um diferencial importante de sua obra são as ideias expostas de maneira clara, as assertivas lógicas e a comunicabilidade de proposições complexas de maneira fluida, em frases leves, mas sem prejuízo da profundidade do que comunicam. Seus textos não são rígidos, enfadonhos ou monótonos, ainda que trate de temas difíceis. Chega a acrescentar ao que escreve alguns toques de poesia e até certas notas de ironia, no que se aproximava de um dos seus referenciais, Machado de Assis.

De fácil compreensão, porém jamais raso; exaustivamente metódico no desenvolvimento dos temas que escolhia abordar, sabe-se que Padre Penido não publicava o que quer que fosse sem antes redigi-lo várias vezes – nunca menos de três, a julgar por seus manuscritos.

Quando, em 1938, o Cardeal Leme –, instado por Alceu de Amoroso Lima, um fiel admirador –, convidou Penido a organizar e ocupar a Cátedra de Filosofia da recém-fundada Universidade do Distrito Federal, o sacerdote transferiu-se para o Brasil, onde viveria por mais três décadas produzindo obras admiráveis, porém sem jamais ter se adaptado (graças a Deus!) ao lamentável gosto nacional pela superficialidade e pelo improviso.

O próprio Padre Penido ironizou, com fina maestria, essa sua peculiar qualidade:

Nota Baruzi como um dos traços fundamentais de São João da Cruz o horror à dispersão. É, infelizmente, o único ponto em que me assemelho ao Santo. […] A irremediável logorreia de que sofrem os povos de cultura mediterrânea acumula comparações, amontoa epítetos, muitas vezes com arte, quase nunca com acribia [3]. É tão mais fácil deixar-se arrebatar pelo entusiasmo, em vez de averiguar, com minúcia, até que ponto cada vocábulo traduz a realidade objetiva. Afinal de contas, não passam de palavras, sons vazios e tempo perdido. A acribia, ao contrário, é uma virtude. Horror ao vago, ao impreciso, esforço constante por atribuir o maior rigor possível à expressão; trabalho penoso e árido que não seduz a imaginação, menos ainda a afetividade; trabalho compensador, todavia, porquanto contribui a imunizar contra o erro, a penetrar a verdade. [4]

A paixão pela veracidade é a nota dominante em sua obra, acompanhada de uma peculiar segurança e atratividade muito própria. Saudando seu segundo livro, “Le Rôle de l’Analogie en théologie dogmatique” (Felix Alcan, Paris, 1931), Benoit Lavaud escreveu: “…É um raro mérito, cuja ausência muitas vezes deploramos em obras de resto excelentes e luminosas, saber unir, à segurança e à precisão, a elegância sóbria do estilo, e, quando necessário, um pouco de humor” [5].

Cinco anos mais tarde, Jacques Maritain acabava de consagrar o autor, cujo terceiro livro, “Dieu dans le Bergsonisme” (Desclée de Brouwer, Paris, 1936) não hesitava em considerar magistral, sem descuidar de louvar-lhe o estilo: “Com uma apresentação literária impecável e pura, o livro é daqueles que se lêem com apaixonado interesse”; ao que acrescentava Gustave Thibon: “…Se aproveitamos sem reservas a clareza das distinções e das sínteses operadas (é porque) o estilo está à altura do pensamento. Seu autor atingiu um grau de nitidez e de riqueza que poucos escritos filosóficos possuem” [6].

Não há como se exagerar na urgência de uma renovada atenção à riqueza e à profundidade de uma obra sem par entre nossos compatriotas, e em tantos aspectos pioneira. Obra que tanto honrou o nome de nosso país quanto enriqueceu as mais altas instâncias do saber, coisa tão escassamente cultivada entre nós nestes dias em que amargamos o lamentável resultado de anos de primazia dos métodos revolucionários.

Neste esboço de apresentação ao leitor daquele brasileiro que se constituiu em um marco do mais alto teor do nosso pensamento, limitamo-nos a informar (os que dela não se inteiraram ainda) de um fato capital para o desenvolvimento da Filosofia moderna, e certamente um dos mais eletrizantes duelos filosóficos no mundo europeu dos anos novecentos: o trabalho de crítica profunda e detalhada com que nosso conterrâneo, com dois livros e ensaios em revistas especializadas, efetivamente virou pelo avesso a crescente influência de um dos mais originais e celebrados filósofos do século XX, Henri Bergson.

Ao publicar o acima citado “Dieu dans le Bergsonisme”, na efervescente Paris de 1936, Penido não imaginava que aquele seu terceiro livro instantaneamente faria dele uma celebridade europeia. Afinal, voltava a um velho assunto, abordava pela segunda vez o pensamento de um filósofo notável, verdadeira coqueluche já então por quase meio século. Fato por si só raríssimo, sua aguda tese para o doutorado de Filosofia em Friburgo, “La méthode intuitive de M. Bergson: un essai critique” (Felix Alcan, Paris, 1918) foi recebida na mais ilustre casa de saber da Europa com a classificação “Summa cum Laude”.

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Encerramos esta biografia com o vivo e tocante depoimento do nosso querido Mons. Maurício Curi, Vigário Patriarcal na Eparquia da Igreja Católica Greco-Melquita no Cairo:

Quando fui, no ano 1960, para o Seminário São José do Rio Comprido, para cursar a Filosofia, lá vivia o Monsenhor Penido (era assim que o chamávamos). Ele já estava nos últimos anos de sua vida. Eu pouco sabia de seu itinerário teológico na Europa, mas o escolhi para ser meu confessor. Lembro-me bem do que fazia quando eu ia confessar-me: pegava o crucifixo que conservava em sua escrivaninha e o colocava diante de mim. Ainda o vi, em 1966, após a Teologia que cursei fora do Brasil, em Jerusalém, e o encontrei com a mente ainda perfeitamente lúcida e bom conselheiro como sempre. Nossa conversa (ele respondia datilografando à máquina, pois então não podia mais falar) foi sobre a virtude da pobreza e o sacerdote diocesano. Ano passado [2017], quando estive no Rio e me inteirei do fato de que alguns candidatos já estão com a Causa de Beatificação em marcha, perguntei ao meu interlocutor: ‘e ninguém ainda pensou no Monsenhor Penido?’. E essa pessoa, altamente colocada na Hierarquia, respondeu-me, um tanto surpreso com a minha interrogação: ‘Já se pensou, sim, e parece que é uma Academia de Filosofia que está cogitando propor o seu nome’… – Monsenhor Maurício Curi

  1. PENIDO. Iniciação Teológica I, o Mistério da Igreja, Petrópolis: Vozes, 2ªed., 1956, p.22.
  2. O período entre as duas grandes guerras mundiais, que vai de novembro 1918 a setembro de 1939.
  3. Atenção e escrúpulo na pesquisa, crítica e documentação de uma obra. Estilo preciso e rigoroso; escolha minuciosa de palavras.
  4. TOLENTINO, Bruno. Padre Maurílio Teixeira-Leite Penido: palavras precisas, para penetrar a verdade. Núcleo de Fé e Cultura da Pontifícia Universidade de São Paulo, seção Fé e Razão, disp. em:
    https://pucsp.br/fecultura/textos/fe_razao/17_padre_maurideo.html
    Acesso 24/11/2018
  5. Idem.
  6. Ibidem para ambas as citações.
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Personalidade Sociedade

Entendendo a ideologia de gênero em 2 minutos

Depois dessa introdução, os seguintes vídeos do Pe. Paulo Ricardo servem para se aprofundar no tema:

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Arte Brasil profundo Personalidade

A fé de Ariano

Auto-da-compadecidaO professor de direito e confrade vicentino José Luiz Delgado vem, desde a morte de Ariano Suassuna, escrevendo uma série de textos sobre a sua convivência com o mestre do Armorial. O último desses escritos (Jornal do Commercio, Recife 26 de agosto de 2014) apresentou algumas informações sobre a fé católica de Ariano, de sua admiração por Alceu Amoroso Lima e sua relação com Gustavo Corção, e, por isso, transcrevo-o abaixo:

Mais lembranças

Impressionou-me a quantidade de gente, de “populares”, que saiu às ruas simplesmente para ver passar o cortejo fúnebre de Ariano. O “Brasil real”, que tanto ele amava e tanto defendeu, sabia reconhecê-lo, mesmo que não tivesse muito clara ideia do seu valor. Junto-me a esses para também chorá-lo.

No Conselho Municipal de Cultura, a que surpreendentemente me levou – até porque ele convocara ou discípulos e companheiros muito próximos das ideias dele (Raimundo Carrero, romance; Antônio Madureira, música; Gilvan Samico, xilogravura. Marcus Accioly, poesia) ou grandes personalidades, a quem profundamente admiriava (Dr. Murilo Guimarães e José Césio Regueira Costa) – penso que tivemos atuações complementares. Ariano se interessou  muito pelos vivos, promovendo, com editoras sulistas, a publicação de coedições para lançar nacionalmente poderosos talentos locais. E eu cuidei dos mortos… Inventei uma “Coleção Recife” justamente para publicar textos inéditos de autores pernambucanos já falecidos.

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Personalidade

O homem do direito

Texto do Professor José Luiz Delgado, publicado no Jornal do Commercio (Recife, 12 de novembro de 2013) que traça um perfil ético-profissional de Sobral Pinto:

sobralNão estão somente no passado longínquo os grandes homens. Também nos tempos recentes houve homens assim, notáveis, admiráveis, formidáveis, e até cruzamos com eles, e damos testemunho de sua grandeza. Aquele Sobral Pinto, por exemplo, sobre quem os cineastas estão exibindo imperdível documentário, indispensável para que o conheçam as novas gerações.

Com igual combatividade, igual senso de justiça, igual destemor, igual bravura, poucas personagens, ao longo de toda a história, terá a humanidade conhecido. Sobral Pinto  nasceu para brigar, para combater o bom combate, para não se conformar com a arbitrariedade e a injustiça. Nasceu para ser advogado, como os advogados devem ser, implacáveis, indomáveis na defesa dos seus clientes, mas sabendo, como ele mesmo dizia, que o advogado é o primeiro juiz da causa – e não tem, por isso, de defender o cliente a qualquer título, mas, primeiro, lhe mostrará qual a boa justiça do caso concreto, quais os direitos que de fato tem, e aí defendê-los sem cessar, afrontando todas as potestades. Como ninguém, Sobral sabia distinguir as ideias dos clientes dos direitos deles, pelos quais lutava com denodo inexcedível.

O documentário agora exibido dá boa notícia de algumas das principais façanhas de Sobral, na defesa dos injustiçados, tanto judiciariamente quanto mediante as cartas que não cessava de escrever. O caso que deu a ele a maior notoriedade foi, durante o Estado Novo, a defesa dos comunistas Harry Berger e Prestes – este, no início, recusou o seu patrocínio, mas a seguir construiu com Sobral uma das mais bonitas amizades da história, entre homens igualmente bravos mas de ideários opostos. Há alguns anos também foi lançada uma excelente biografia sobre Sobral, de autoria de John W.F. Dulles, mas cobrindo apenas os anos de 1930 a 45: estava o autor trabalhando nos anos subsequentes?

Católico de berço e de fé absoluta e inabalável, é uma glória para a Igreja ter entre seus membros um quixote obstinado e exemplar como Sobral Pinto, que dá ao mundo e aos irmãos de fé a noção exata de como deve ser o comportamento público do católico – com que independência varonil, que desassombro, que absoluta não-subserviência deve arrostar os poderes e as seduções do mundo.

Pesquisando um pouco mais, descobri um diálogo importantíssimo entre Sobral Pinto e Ary Quintela publicado na obra Por que defendo os comunistas:

– Como é que o senhor defendia um inimigo de sua igreja?

– Por uma razão muito simples: o princípio que todo católico tem de seguir é o que está no Evangelho e que Santo Agostinho definiu nessa fórmula maravilhosa: odiar o pecado e amar o pecador. O comunismo nega Deus, afronta Deus. Mas eu compreendo que o comunista fala isso por ser pecador. Nós somos frágeis, logo podemos pecar por fragilidade. Dentro dessa orientação, eu é que estava certo, tanto que, quando se anunciou que eu ia fazer a defesa do Prestes e do Berger, sendo eu a segunda pessoa da Ação Católica Brasileira (ACB) – a primeira era o Alceu Amoroso Lima –, houve muita discussão. Mas eu nunca deixaria de fazer a defesa.

Realmente inspiradora a história desse grande brasileiro católico, todavia estabelecer algum tipo de amizade com um psicopata como Prestes foi um pouco demais.

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Perfil de Kierkegaard

Artigo do Professor Inácio Strider sobre Kierkegaard (Jornal do Commercio, Recife 22 de maio de 2013 – com modificações ortográficas):

KierkegaardKierkegaard: 200 anos

Segundo as más línguas, Sören Kierkegaard (1813-1855) era mais conhecido em Copenhague pelas roupas exóticas que por sua filosofia. Até as babás, quando queriam repreender uma criança por não se vestir bem, diziam que ele era um “Sören Kierkegaard”.

Kierkegaard nasceu em 5 de maio de 1813, ano da bancarrota da Dinamarca. Mesmo com dificuldades, Kierkegaard teve infância e juventude abastadas. Seu pai era um comerciante bem sucedido em Copenhague. A educação que recebeu, juntamente com a de seis irmãos, foi rigorosamente pietista, de acordo com uma tradição da igreja luterana.

Sendo o mais novo, teve aproximação especial com seu pai, que o induziu a se matricular no curso superior de teologia. Inicialmente Kierkegaard demonstrou interesse. Mas, em breve, relaxou, e era mais visto nos cafés do que na universidade. Esta vida boêmia, no entanto, o inquietava. Em determinado dia, como relata em seu diário, fez a seguinte consideração: “Fui o centro das atenções, todos riam das minhas piadas, mas, quando cheguei em casa, fiquei com vontade de me suicidar com um tiro na cabeça”.

Quando em 1838 seu pai faleceu, Kierkegaard prometeu-lhe terminar o curso de teologia. Pouco depois de terminá-lo (1840), noivou com Regine Olsen. Ao que tudo indica, não se julgou apto a assumir a responsabilidade de um matrimônio e, um ano depois, rompeu. O amor a Regine, no entanto, o atormentou durante toda a vida.

Em 1841 viajou a Berlim para se familiarizar com a filosofia de Hegel, falecido em 1831. Assistiu às preleções do filósofo Schelling. Decepcionou-se a tal ponto que, depois de cinco meses e meio, retornou à Dinamarca. Iniciou, então, a sua mais fecunda produção literária e filosófica. Em poucos anos, publicou mais de 20 livros. A obra que deixou chega a 70 volumes.

Seus escritos são transversais. Considerava-se um “escritor religioso”. No entanto, suas ideias influenciaram teólogos, filósofos, sociólogos, psicólogos, antropólogos, políticos e literatos. É considerado o pai da filosofia existencialista, tanto do existencialismo ateu quanto cristão. Seu grande mérito foi restituir ao indivíduo a responsabilidade por sua existência, contra o generalismo, universalismo e coletivismo do idealismo alemão. Sem dúvida, o pai do existencialismo merece homenagens em seu bicentenário!

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Personalidade

Gustavo Corção – 30 anos

Do dia 20 de janeiro deste ano o professor de direito e leigo atuante José Luiz Delgado publicou um artigo no maior jornal de minha cidade (Jornal do Commercio) em lembrança dos 30 anos da morte de Gustavo Corção. Vamos a ele:

corçãoCorção – 30 anos

Somente agora, graças à lembrança de um amigo, me adverti de que há 6 meses, em julho, completaram-se 30 anos da morte de Gustavo Corção. Que passaram completamente em branco, dada a conspiração geral de silêncio contra aquele que foi, provavelmente, o mais poderoso pensador brasileiro do século 20. Pois o mundo relega ao silêncio aqueles que não o cortejam, não se entontecem com seus brilhos, não se deslumbram com seus (falsos) valores. Corção era dessa têmpera. Daqueles raros que somente se deixam fascinar pela verdade, ainda que ela incomode; somente se seduzem pelo absoluto, e por isso subestimam as coisas relativas. Daqueles nítidos, o que é insuportável para o mundo que cultua as contemporizações, os relativismos e a mediocridade, e daqueles que se dispõem ao combate, o que é inadmissível para o mundo das acomodações e das tolerâncias.

Gustavo Corção foi um dos nossos mais formidáveis escritores. Se tivesse ficado apenas no mundo, sob certa forma neutro, da literatura, estaria consagrado como um de nossos mais brilhantes intelectuais. Até no romance (ou quase-romance) se aventurou, escrevendo esse livro fascinante de inquietação que é Lições do abismo. Confessando seu gosto pelo mundo propriamente literário, dizia-se “poeta menos-do-que-menor”, ao qual algumas vezes ia vizitar “às escondidas, como um Nicodemos”, em confabulações das quais trazia “o pouco que põe vida e calor nas obras de meus compromissos”. Quando roubava a seus “deveres de estado” “um sábado de poesia e de cultura”, era capaz de se debruçar, com insuportável finura, sobre, por exemplo, o grande Machado, seu ídolo, e escrever estudos de penetrante compreensão, como o ensaio sobre o Machado cronista que a Aguilar publicou nas obras completas, ou a introdução aos romances machadianos, dos Nossos clássicos da Agir. Havia todo um Corção lírico, um Corção propriamente literário, contido, por exemplo, na excelente seleção de crônicas que Paulo Rodrigues reuniu, Conversa em sol menor – na qual se incluem as muitas notas autobiográficas que foi levado a redigir em resposta a texto infelicíssimo, de página inteira de jornal, de Abade no entando também admirável.

Mas aconteceu com Corção que, todo tomado pela conversão religiosa, deixou-se essencialmente, e quase exclusivamente, ao que chamava “seus deveres de estado”, a militância política, filosófica e religiosa. Toda sua vida intelectual consistiu fundamentalmente num combate de idéias. Foi um ardoroso, contundente, temível esgrimista, que toda gente de fato receava enfrentar. É pena que nesse combate fosse, algumas vezes, exagerado e extremado. Tanto se deslumbrava com certa verdade, que não conseguia considerar os outros lados do problema, ou algumas matizes que suavizariam as avaliações. E, pior, passava facilmente do plano das idéias – no qual era insuperável – para as críticas pessoais, formulando juízos que desconheciam as complexidades das individualidades concretas. Mas, a rigor, não havia desafeições pessoais nisso: era o amor à verdade, seu extremo amor à verdade, que o levava a atacar pessoas de quem esperava muito, ou em cuja igual fidelidade aos supremos valores ele quisera confiar.

Quem conseguir ir além dos seus excessos e da excessiva personalização das disputas, logo verá nele um dos maiores escritores brasileiros de todos os tempos. O verdadeiro Segundo Bruxo do Cosme Velho. Grande pensador, grande crítico de idéias, grande polemista, grande escritor literário. Um dos raros pensadores de primeira linha. Sabia pensar, pensava por conta própria, sabia ir às raízes dos problemas e denunciá-las sem respeito humano algum. E como escrevia bem! Como sabia escrever! Admirável e raro intelectual capaz de realmente repensar os problemas e instigar, interpelar as inteligências. Presente no mundo, militante, combate, empenhado nas coisas deste mundo como somente pode empenhar-se quem sabe que está no mundo sem ser do mundo – que é, aliás, o curioso pano de fundo que ele, sempre arguto, descobriu nas crônicas de Machado.