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Medianeira

Um leitor me mandou a seguinte pergunta:

O que dignifica o título de Medianeira de Todas as Graças? O que você achou do último documento pontifício sobre o assunto?

Começo respondendo pelo final: não tenho como escrever nada mais profundo sobre esse tema agora, pois até a metade do mês que vem estarei muito ocupado com os afazeres do trabalho. Obviamente temos um texto super inoportuno de quem parece viver alheio à devoção a Maria Santíssima (o tal Tucho) e que não quis vencer o problema de estar indo contra o que foi afirmado no passado por Santos e Papas…

Sobre o assunto, recomendo sobremaneira a compra da seguinte obra: Maria Medianeira Universal, um tratado em dois volumes do famoso Pe. José Bover, S.J. Ela deve ser o bastante para dirimir qualquer dúvida sobre o tema. Agora, se você não tiver tempo e dinheiro, vou disponibilizar abaixo um resumo feito pelo mesmo autor e um opúsculo de D. Antônio de Castro Mayer:

De um modo super sintético, para não lhe deixar sem resposta, faço minhas as palavras de D. Antônio Costa, bispo de Frederico Westphalen:

O que significa “Medianeira de todas as Graças”?

• Medianeira vem de mediatrix (latim): aquela que está no meio, que intercede ou facilita a comunicação.

• Na teologia católica, Maria é chamada Medianeira porque, por sua cooperação única no plano da salvação (como Mãe do Verbo Encarnado), todas as graças que vêm de Cristo passam, de algum modo, por sua intercessão materna.

• Isso não significa que Maria seja fonte das graças (a fonte é sempre Cristo), mas que Deus quis associá-la à distribuição das graças, em virtude de sua maternidade divina e de sua perfeita união com a vontade de Deus.

A mediação de Maria é participada, subordinada e materna, enquanto a de Cristo é essencial, redentora e única.

Maria é Medianeira de todas as Graças não porque as cria, mas porque Deus quis que todas passassem por suas mãos de Mãe, para que, por meio dela, cheguemos mais facilmente a Jesus.

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Educação Santos

Educação agostiniana

Uma apresentação do itinerário educacional de Santo Agostinho e suas consequências:

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Crise Eclesiologia

O Credo do Povo de Deus e o Vaticano II

Uma interessante reflexão de Joathas Bello sobre a relação do Credo do Povo de Deus, do Papa Paulo VI, como norte interpretativo do Vaticano II:

Outro texto muito importante para entender o “magistério conciliar” é o “Credo do Povo de Deus” [antes ele tinha comentado sobre a Dominus Iesus], Credo solene de Paulo VI, professado em 1968, que poderia ser dito a “Confissão de Fé do CVII”.

Nele, se vê com bastante clareza o que o CVII declarou como de fé – por participação no magistério infalível (solene ou ordinário universal) -, e o que declarou como seu peculiar ou sui generis “magistério pastoral”, parenético (ad intra) e dialógico (ad extra).

Por exemplo, lá se diz “Cremos na Trindade” (ato de fé), e “rendemos graças à Bondade divina pelos que dão testemunho da unidade divina, embora não reconheçam a Trindade”. Vê-se, pois, com clareza, que a afirmação do teor para o diálogo inter-religioso não faz parte da confissão de fé, mas é uma conclusão filosófica e teológico-pastoral que promove tal diálogo a partir do “comum” (reconhecimento racional da Divindade una).

Diz-se ainda que “Cremos na Igreja una, santa, católica e apostólica, edificada por Cristo sobre Pedro”, e que “cremos na infalibilidade papal ex cathedra e na infalibilidade eclesial”.

Mais adiante se diz “Cremos na Igreja, una na fé, no culto e comunhão hierárquica” (ato de fé), e “reconhecemos fora da sua estrutura muitos elementos de santificação e verdade, que como dons da própria Igreja, impelem à unidade católica”. Vê-se, pois, que a afirmação do teor para o diálogo ecumênico não faz parte da confissão de fé, mas é uma conclusão teológico-pastoral que promove tal diálogo a partir do “comum” (reconhecimento teológico da origem comum da Hierarquia, dos Sacramentos e da Sagrada Escritura, e de que o fim dessas realidades é a unidade católica).

Em seguida, se diz “Cremos que a Igreja é necessária para a salvação” e emenda com a doutrina clássica da possibilidade da salvação em ignorância invencível.

Diz-se que “Cremos na Missa como Sacrifício do Calvário” e que “Cremos na Transubstanciação eucarística”. O CVII não implementou nenhuma nova concepção doutrinal a respeito da Fé eucarística.

Depois, diz-se que “Confessamos que o Reino de Deus começa aqui na terra na Igreja e não é deste mundo, que seu crescimento não pode ser confundido com o progresso da cultura humana e da ciência, mas em conhecer as riquezas insondáveis de Cristo, esperar os bens eternos, responder ardentemente ao amor de Deus, difundir cada vez mais a graça e santidade entre os homens”. E simplesmente afirma que o “mesmo amor impele a Igreja a interessar-se pelo bem temporal dos homens, em promover a justiça, a paz e a união fraterna, e a ajudar especialmente os pobres”, e diz que “esta solicitude não pode ser interpretada como se a Igreja se acomodasse às coisas do mundo”. Vê-se, pois, que a afirmação do teor para o diálogo com a humanidade não faz parte da confissão de fé, mas é uma conclusão teológico-pastoral que promove tal diálogo a partir do “comum” (a promoção da justiça, da paz, da concórdia).

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Percebe-se que a “colegialidade” e a “liberdade religiosa” nem sequer são mencionadas, ou seja, não foram apresentadas com status de “verdades de fé”. Podemos presumi-las como conclusões teológicas para fomentar o “diálogo” hierárquico no interior da Igreja (os sínodos dos bispos foram a aplicação concreta da “colegialidade”), e para a implementação do “diálogo” ad extra.

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Por que estas considerações são importantes? Porque elas demonstram que os problemas conciliares se situam “em torno das questões de fé” [algo análogo se passa com a “reforma litúrgica”], não as atingindo diretamente (mantendo incólume a “substância do depósito da fé”). Isto não minimiza a crise vivenciada, apenas indica com maior rigor a sua natureza. A distorção dessas conclusões teológicas [que não são de fé] oficiais ou pastoralmente programáticas é o mais grave que pode ocorrer na vida da Igreja, mas não é uma defecção oficial da fé [o magistério tem uma estrutura ou umas formalidades que funcionam como efetiva barreira para uma “apostasia oficial”]. A rigor, é mais um problema moral, relacionado ao testemunho do que se confessa, do que doutrinal, relacionado à confissão mesma.

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Apologética

Por que me tornei católica?

A jornada de Talita Kelly de diversas denominações protestantes (em especial da presbiteriana) ao catolicismo:

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Crise

Sim, ele mentiu

Ainda estou lendo e analisando com cuidado as revelações publicadas nesta semana pela jornalista Diane Montagna acerca da contradição entre o resultado da consulta aos bispos de 2020 sobre a implementação do Summorum Pontificum e o que o Papa Francisco divulgou desse relatório para justificar o seu infame Traditionis Custodes.

Segundo o Rorate Caeli, nem a cismática conferência episcopal alemã, no seu site de notícias, conseguiu, com linguagem eufemística, esconder a verdade:

O Papa Francisco parece ter ignorado o conselho dos bispos previamente consultados em todo o mundo ao restringir a Missa Tradicional em latim. De acordo com documentos agora divulgados, as respostas a uma pesquisa realizada pela Congregação para a Doutrina da Fé sobre a implementação das regras para a liturgia pré-conciliar estabelecidas pelo Papa Bento XVI foram significativamente mais positivas do que as apresentadas pelo próprio Papa. [ênfase adicionada]

Sim: Francisco mentiu. Ele mentiu já que optou por apresentar o relatório secreto dos bispos como causa para seu programa de limitação atual e futura extinção da Missa e dos ritos tradicionais. Em Traditionis Custodes, Francisco disse (4º parágrafo):

Neste momento, tendo considerado os desejos expressos pelo episcopado e ouvido o parecer da Congregação para a Doutrina da Fé…

Mas isso não foi verdade. Ele NÃO considerou os desejos expressos pelo episcopado. Ele considerou seus próprios desejos ideológicos.

Como disse o Rorate Caeli: “tanta dor, tanta perseguição, tantos abusos movidos simplesmente pelos caprichos de uma alma perturbada”.

Ainda sobre esse absurdo, faço minhas as palavras do presidente do Confraria D. Vital, o advogado Jefferson Andrade, que publicou o seguinte no seu FB:

A tirania é o abuso da autoridade concedida por Deus. Esse abuso pode se manifestar de forma material — por meio de prisões arbitrárias, fome, supressão do direito natural à propriedade e outras formas típicas de regimes totalitários no campo temporal. Contudo, é ainda mais grave quando a tirania emana do poder espiritual. Trata-se de uma forma de abuso clerical que impede ou limita os fiéis no acesso à Graça, ou que proíbe ritos e elementos próprios da liturgia religiosa. Esse tipo de abuso é comum no âmbito da Teologia da Libertação.

Recentemente, diversos jornais e canais denunciaram a fraude na consulta feita aos bispos sobre a experiência da Tradição, decorrente do documento Summorum Pontificum, de Bento XVI. A jornalista Diane Montagna trouxe a matéria que em pouco tempo repercutiu. O Papa Francisco, sem justificativa clara, determinou que fosse realizada uma pesquisa sobre os efeitos diocesanos do referido documento. A fraude se deu nos resultados da consulta, que teriam indicado reprovação por parte do episcopado; no entanto, a realidade demonstrava bons frutos, além de não recomendar qualquer limitação ou revogação.

Diante da fraude e de sua tentativa de ocultamento, o Papa Francisco publicou um documento tirânico: Traditionis Custodes. Esse texto buscou, na prática, “matar de inanição espiritual” os fiéis ligados à Missa Tridentina. Diante dessa trágica e lamentável realidade, não restará alternativa ao Papa Leão XIV senão anular ex officio esse documento, cuja base foi a mentira e o abuso clerical.

O pior de tudo é que mesmo após tudo isso vir a lume, os neoconservadores brasileiros, atualmente engajados numa cruzada contra o CDB, não aprenderão nada. Jamais vão se perguntar se a caída do CDB nas mãos da FSSPX não é o resultado da tirania francisquista…

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Crise Eclesiologia

Os direitos da tradição e os limites do positivismo papal

Tradução do texto de uma palestra dada pelo Dr. Peter Kwasniewski na conferência Paix Liturgique, Roma, em 28 de outubro de 2022 e que foi mais tarde publicada pela Catholic Family News. Esta palestra representa basicamente aquilo que penso sobre o tema da obediência no atual contexto de crise da Igreja, me afastando de neoconservadores e sedevacantistas, embora que sem aderir a todas as consequências práticas defendidas e tomadas pelo autor.

Sempre que os tradicionalistas se opõem ou rejeitam uma determinação papal específica sobre a liturgia — seja a criação de novos livros litúrgicos ou a limitação severa do uso de ritos costumeiros — nossos oponentes neoconservadores [e também os sedevacantistas] estão prontos para nos atacar com uma bateria de textos extraídos de papas como São Pio X ou Pio XII, ou do Vaticano II, ou de manuais neoescolásticos, no sentido de que “o papa tem o direito de mudar a liturgia, instituir este ou aquele rito como quiser” etc., porque, como o Vaticano I ensina, ele tem jurisdição suprema, universal e imediata sobre a Igreja. Obviamente, há alguma verdade em tal afirmação, mas ela não prova tanto quanto aqueles que a dizem pensam que prova.

Primeiro, qualquer declaração como essa é governada por certas normas implícitas. Por exemplo, que o Papa pode instituir ou alterar ritos nunca foi tomado como significando que ele pode abolir um rito completamente, por exemplo, um dos ritos orientais da Igreja sobre o qual ele é tecnicamente o chefe supremo com autoridade jurídica universal e imediata. E se ele fizesse isso, os católicos bizantinos estariam totalmente dentro de seus direitos de ignorar sua ação completamente e continuar como se nada tivesse mudado. Há abusos ou usos indevidos de autoridade que cancelam sua ação, e somos capazes de formular critérios para tais casos.

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O Pe. Penido e sua obra

Hoje fazem 55 anos que o Monsenhor Teixeira Leite Penido entregou sua alma a Deus. Uma data que me fez lembrar, lá no começo do século, da redescoberta das obras dele em sebos e da circulação de PDFs das mesmas em certas comunidades do Orkut; foi um lampejo de luz no momento em que ela era mais necessária: o de formação da massa crítica de católicos que queriam superar a modorra deixada na Igreja pela teologia da libertação.

Por isso, vou partilhar com os leitores a biografia produzida para a obra Itinerário Místico de São João da Cruz para a editora Molokai (São Paulo, 2019 – via O Fiel Católico):

Por Henrique Sebastião

É claro que a mensagem evangélica visa, além do intelecto, a pessoa toda, pois é esta que vive. Portanto, dependerá muito da atitude que cada pessoa adotará diante dessa vida nova, divina, que se lhe oferece, a aceitação ou a rejeição da Doutrina. A quem deseja a vida cristã, logo se lhe apresentarão argumentos justificativos da crença; a quem não a deseja, não convencerão os mais portentosos milagres, as mais sólidas razões. É a vida que leva à Verdade religiosa. [1]

Considerado por muitos como o primeiro grande filósofo do Brasil, o padre Maurílio Teixeira-Leite Penido foi, certamente e no mínimo, um de seus mais competentes teólogos e o maior tomista brasileiro de todos os tempos.

Chegou a este mundo no dia 2 de novembro de 1895, nascendo no seio de duas famílias abastadas, uma de Juiz de Fora, MG, outra de Petrópolis, RJ, onde nasceu. Foi educado na Europa, onde foi morar com a mãe – em Paris, Roma e Suíça – de 1906 até 1921.

Obteve o Bacharelado em Letras pela Sorbonne, em 1913. Doutorou-se em Filosofia e Teologia pela Universidade de Friburgo (Suíça), onde mais tarde veio a lecionar. Foi ainda professor da Faculdade Nacional de Filosofia do Rio de Janeiro e do Seminário São José, também no Rio.

No campo da Teologia, adquiriu renome mundial por ter resgatado a importância do conceito de analogia na obra de Sto. Tomás de Aquino. Era comumente chamado “o Teólogo da Analogia”. Sua tese de doutorado em Teologia, “A Função da Analogia em Teologia Dogmática” (‘Le Rôle de l’Analogie en Théologie Dogmatique’), é considerada por muitos o que de melhor já se escreveu sobre o tema em todos os tempos. A maioria dos seus textos foram escritos originalmente em francês.

Penido tornou-se referência obrigatória em matéria de analogia para gerações de tomistas no mundo inteiro. Entre os que reconheceram a sua influência e se confessaram devedores das suas contribuições, estão Mandonnet, Maritain e Journet, entre outros, sendo que sua obra foi também citada como referência no assunto pelo grande Étienne Gilson.

Seu livro sobre os Sacramentos, da celebrada série “Iniciação Teológica”, permanece o melhor já editado no Brasil sobre o tema, juntamente com as outras obras primas desta mesma coleção, a saber: “O Mistério dos Sacramentos” (Petrópolis, 1954); “O Mistério da Igreja” (Petrópolis, 1952) e “O Mistério de Cristo” (São Paulo, 1968); estas permanecem referências obrigatórias em Eclesiologia e Cristologia, respectivamente, para todo aquele que pretende seriamente estudar a Teologia. Foi também um exímio teólogo da Mística. Seu principal estudo nesse sentido está consignado neste “O Itinerário Místico de São João da Cruz” (Petrópolis, 1949).

Padre Penido tornou-se logo um autor reconhecido no meio intelectual europeu, em especial no “entre deux guerres” [2]. De fato, até hoje seus escritos enriquecem o currículo do ensino da Filosofia de inúmeras universidades do Velho Mundo, como a de Louvain, Bélgica, e de Friburgo, na Suíça, onde Penido se doutorou e exerceu o magistério, de 1927 a 1938.

Um diferencial importante de sua obra são as ideias expostas de maneira clara, as assertivas lógicas e a comunicabilidade de proposições complexas de maneira fluida, em frases leves, mas sem prejuízo da profundidade do que comunicam. Seus textos não são rígidos, enfadonhos ou monótonos, ainda que trate de temas difíceis. Chega a acrescentar ao que escreve alguns toques de poesia e até certas notas de ironia, no que se aproximava de um dos seus referenciais, Machado de Assis.

De fácil compreensão, porém jamais raso; exaustivamente metódico no desenvolvimento dos temas que escolhia abordar, sabe-se que Padre Penido não publicava o que quer que fosse sem antes redigi-lo várias vezes – nunca menos de três, a julgar por seus manuscritos.

Quando, em 1938, o Cardeal Leme –, instado por Alceu de Amoroso Lima, um fiel admirador –, convidou Penido a organizar e ocupar a Cátedra de Filosofia da recém-fundada Universidade do Distrito Federal, o sacerdote transferiu-se para o Brasil, onde viveria por mais três décadas produzindo obras admiráveis, porém sem jamais ter se adaptado (graças a Deus!) ao lamentável gosto nacional pela superficialidade e pelo improviso.

O próprio Padre Penido ironizou, com fina maestria, essa sua peculiar qualidade:

Nota Baruzi como um dos traços fundamentais de São João da Cruz o horror à dispersão. É, infelizmente, o único ponto em que me assemelho ao Santo. […] A irremediável logorreia de que sofrem os povos de cultura mediterrânea acumula comparações, amontoa epítetos, muitas vezes com arte, quase nunca com acribia [3]. É tão mais fácil deixar-se arrebatar pelo entusiasmo, em vez de averiguar, com minúcia, até que ponto cada vocábulo traduz a realidade objetiva. Afinal de contas, não passam de palavras, sons vazios e tempo perdido. A acribia, ao contrário, é uma virtude. Horror ao vago, ao impreciso, esforço constante por atribuir o maior rigor possível à expressão; trabalho penoso e árido que não seduz a imaginação, menos ainda a afetividade; trabalho compensador, todavia, porquanto contribui a imunizar contra o erro, a penetrar a verdade. [4]

A paixão pela veracidade é a nota dominante em sua obra, acompanhada de uma peculiar segurança e atratividade muito própria. Saudando seu segundo livro, “Le Rôle de l’Analogie en théologie dogmatique” (Felix Alcan, Paris, 1931), Benoit Lavaud escreveu: “…É um raro mérito, cuja ausência muitas vezes deploramos em obras de resto excelentes e luminosas, saber unir, à segurança e à precisão, a elegância sóbria do estilo, e, quando necessário, um pouco de humor” [5].

Cinco anos mais tarde, Jacques Maritain acabava de consagrar o autor, cujo terceiro livro, “Dieu dans le Bergsonisme” (Desclée de Brouwer, Paris, 1936) não hesitava em considerar magistral, sem descuidar de louvar-lhe o estilo: “Com uma apresentação literária impecável e pura, o livro é daqueles que se lêem com apaixonado interesse”; ao que acrescentava Gustave Thibon: “…Se aproveitamos sem reservas a clareza das distinções e das sínteses operadas (é porque) o estilo está à altura do pensamento. Seu autor atingiu um grau de nitidez e de riqueza que poucos escritos filosóficos possuem” [6].

Não há como se exagerar na urgência de uma renovada atenção à riqueza e à profundidade de uma obra sem par entre nossos compatriotas, e em tantos aspectos pioneira. Obra que tanto honrou o nome de nosso país quanto enriqueceu as mais altas instâncias do saber, coisa tão escassamente cultivada entre nós nestes dias em que amargamos o lamentável resultado de anos de primazia dos métodos revolucionários.

Neste esboço de apresentação ao leitor daquele brasileiro que se constituiu em um marco do mais alto teor do nosso pensamento, limitamo-nos a informar (os que dela não se inteiraram ainda) de um fato capital para o desenvolvimento da Filosofia moderna, e certamente um dos mais eletrizantes duelos filosóficos no mundo europeu dos anos novecentos: o trabalho de crítica profunda e detalhada com que nosso conterrâneo, com dois livros e ensaios em revistas especializadas, efetivamente virou pelo avesso a crescente influência de um dos mais originais e celebrados filósofos do século XX, Henri Bergson.

Ao publicar o acima citado “Dieu dans le Bergsonisme”, na efervescente Paris de 1936, Penido não imaginava que aquele seu terceiro livro instantaneamente faria dele uma celebridade europeia. Afinal, voltava a um velho assunto, abordava pela segunda vez o pensamento de um filósofo notável, verdadeira coqueluche já então por quase meio século. Fato por si só raríssimo, sua aguda tese para o doutorado de Filosofia em Friburgo, “La méthode intuitive de M. Bergson: un essai critique” (Felix Alcan, Paris, 1918) foi recebida na mais ilustre casa de saber da Europa com a classificação “Summa cum Laude”.

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Encerramos esta biografia com o vivo e tocante depoimento do nosso querido Mons. Maurício Curi, Vigário Patriarcal na Eparquia da Igreja Católica Greco-Melquita no Cairo:

Quando fui, no ano 1960, para o Seminário São José do Rio Comprido, para cursar a Filosofia, lá vivia o Monsenhor Penido (era assim que o chamávamos). Ele já estava nos últimos anos de sua vida. Eu pouco sabia de seu itinerário teológico na Europa, mas o escolhi para ser meu confessor. Lembro-me bem do que fazia quando eu ia confessar-me: pegava o crucifixo que conservava em sua escrivaninha e o colocava diante de mim. Ainda o vi, em 1966, após a Teologia que cursei fora do Brasil, em Jerusalém, e o encontrei com a mente ainda perfeitamente lúcida e bom conselheiro como sempre. Nossa conversa (ele respondia datilografando à máquina, pois então não podia mais falar) foi sobre a virtude da pobreza e o sacerdote diocesano. Ano passado [2017], quando estive no Rio e me inteirei do fato de que alguns candidatos já estão com a Causa de Beatificação em marcha, perguntei ao meu interlocutor: ‘e ninguém ainda pensou no Monsenhor Penido?’. E essa pessoa, altamente colocada na Hierarquia, respondeu-me, um tanto surpreso com a minha interrogação: ‘Já se pensou, sim, e parece que é uma Academia de Filosofia que está cogitando propor o seu nome’… – Monsenhor Maurício Curi

  1. PENIDO. Iniciação Teológica I, o Mistério da Igreja, Petrópolis: Vozes, 2ªed., 1956, p.22.
  2. O período entre as duas grandes guerras mundiais, que vai de novembro 1918 a setembro de 1939.
  3. Atenção e escrúpulo na pesquisa, crítica e documentação de uma obra. Estilo preciso e rigoroso; escolha minuciosa de palavras.
  4. TOLENTINO, Bruno. Padre Maurílio Teixeira-Leite Penido: palavras precisas, para penetrar a verdade. Núcleo de Fé e Cultura da Pontifícia Universidade de São Paulo, seção Fé e Razão, disp. em:
    https://pucsp.br/fecultura/textos/fe_razao/17_padre_maurideo.html
    Acesso 24/11/2018
  5. Idem.
  6. Ibidem para ambas as citações.
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Brasil profundo

A festa de São João no Brasil

A origem da festa de São João no Brasil segundo Câmara Cascudo:

João, santo católico, primo de Jesus Cristo, nascido a 24 de junho, degolado no castelo de Macheros, Palestina, a 29 de agosto do ano de 31. Pregador de alta moral, áspero, ascético, São João é festejado com as alegrias transbordantes de um deus amável.

Coincide seu nascimento com o solstício de verão (de inverno para América Austral), quando as populações do campo festejavam a proximidade das colheitas e faziam os sacrifícios para afastar o demônio da esterilidade, pestes dos cereais, estiagens, etc. Toda a Europa conheceu essa tradição de acender fogueiras nos lugares altos e mesmo nas planícies, as danças ao redor do fogo, os saltos sobre as chamas, todas as alegrias do convívio e dos anúncios de meses abundantes.

Os cultos agrícolas foram na Europa e com informação universal, divulgados no domínio do folclore e da etnografia por James George Frazer, que recenseou centos e centos de cerimônia das fogueiras votivas e festas propiciatórias em junho-julho.

Para o Brasil a devoção foi trazida pelos portugueses e espalhada com a satisfação de um hábito agradável. A maneira de comemorar o santo era a mais sugestiva e fácil para o proselitismo. Os indígenas ficaram seduzidos. Em 1583 o jesuíta Fernão Cardim, indicando as três festas religiosas celebradas pelos indígenas com maior alegria, aplauso e gosto inicial, escreveu: “A primeira é as fogueiras de S. João, porque suas aldeias ardem em fogos, e para saltarem as fogueiras não os estorva a roupa, ainda que algumas vezes chamusquem o couro’’. (Tratado da Terra e Gente do Brasil, 326; Rio de Janeiro, 1925). O Francisco Frei Vicente do Salvador, na segunda década do séc. XVII, informava que os indígenas “só acodem todos com muita vontade nas festas em que há alguma cerimônia, porque são mui amigos de novidades, como dia de S. João Batista por causa das fogueiras e capelas’’. (393, História do Brasil, São Paulo, 1918).

A festa junina foi resignificada como a festa de São João Batista, estabelecido pela Igreja Cristã indivisa no século IV d.C., em homenagem ao nascimento de São João Batista, que a Bíblia registra como sendo seis meses antes de Jesus. Como as igrejas cristãs ocidentais marcam o nascimento de Jesus em 25 de dezembro ( Natal ), a festa que marca o nascimento de São João (Dia de São João) foi marcada seis meses antes.

A Encarnação de Cristo estava intimamente ligada aos “dias crescentes” (diebus crescententibus) do ciclo solar em torno dos quais se baseava o ano romano. No século VI, este ciclo solar foi completado ao equilibrar a concepção e o nascimento de Cristo com a concepção e o nascimento de seu primo, João Batista. Tal relacionamento entre Cristo e seu primo foi amplamente justificado pelas imagens das Escrituras. O Batista foi concebido seis meses antes de Cristo (Lucas 1:76); ele próprio não era a luz, mas deveria dar testemunho a respeito da luz (João 1:8–9). Assim, a concepção de João foi celebrada na oitava calenda de outubro (24 de setembro: próximo ao equinócio de outono) e seu nascimento na oitava calenda de julho (24 de junho: próximo ao solstício de verão). Se a concepção e o nascimento de Cristo ocorreram nos “dias de crescimento”, era apropriado que os de João Batista ocorressem nos “dias de diminuição” (diebus decrescentibus), pois o próprio Batista havia proclamado que “ele deve crescer; mas devo diminuir’ (João 3:30). No final do século VI, a Natividade de João Batista (24 de junho) tornou-se uma festa importante, contrabalançando no solstício do verão a festa de Natal do solstício de inverno.

Fonte: Dicionário do Folclore Brasileiro – via Terra da Santa Cruz